Imagem: Acevo ArtLAM.
Ao som dos álbuns Emilia
Giuliani: Opera Omnia Per Chitarra: Complete Guitar Works (Tactus
Records, 2021) e Guitar Manuscripts Heitor Villa Lobos (3 cdbox, Naxos, 2016),
da violonista, professora e filósofa italiana Federica
Artuso.
SOLSTÍCIO DE INVERNO, DUO
AFETO... – Chovia muito e eu estava dois anos antes de Metrópolis.
Submergia entre os interlúdios dos oito minutos, quando apareceu o
surpreendente brilho das duas faces de Brigitte a me dizer Alejandra Pizarnik: O
sentido das coisas permanece na intensidade de seus nomes... Cara duma, face doutra. Nunca fui Freder e ela se parecia Er, o platônico da
Panfília, que retornava do Reino dos Mortos, depois de atravessar o Lethé.
Alertava-me não ousasse beber água demais para não esquecer. Ora, as lembranças
povoavam meu habitat desde que me entendo por gente atravessando o ronco das máquinas
com seus motores pelos ponteiros dos relógios, alertando as trocas de turno e o
cansaço autômato pelos subterrâneos, tantos órfãos da pandemia coexistindo pelas
ruínas, outrora glórias ufanas. E me dizia mais Sei Shōnagon: Se a escrita não existisse, que
depressões terríveis sofreríamos... E eu tinha que
distinguir entre o excremento
e o adubo, as surpresas e o incerto, o intenso e o instável, o veneno do lixo e
o alarme de alguém, sabe-se lá quem, pronto para apertar qualquer botão e tudo
se espatifando duma hora para outra, do nada. Se me salvasse restava só seguir entre
a modorra e o pútrido, a simpatia e o asco, desmoronamentos e desgraças, a voz
dos documentos, e prosseguir como se tivesse sido criado às escondidas num
passado sombrio e com o eco de Gayle Forman: Agora percebo que morrer é fácil. Viver é difícil... Só
o instante existe e não é mais. O presente
não vale nada, dou à posteridade. Tive muito amigos e cantava peito cheio aberto
a canção da América de Milton/Brant – um continente só e a pátria grande, da
terra somos todos um. Hoje nem tanto, pouquíssimos: o tempo roubou as amizades,
afora ter andado por desertos, sucumbências e errâncias pelas noites obscuras
da alma perdida. Sim, os tive e o que havia de interesses e troca de favores, ainda
bem que nunca fui abastado e nem tive bajuladores. O mundo em derrocada e eu
estoico, os obstáculos unem corações e nos transformam. Na solidão conto nos
dedos a certidão de que amizade sempre foi e será um
pomar para dividirmos os dons mais elevados da vida, quiçá. Tomara. E que não
seja tarde demais. Até mais ver.
A GRADUAL CANTICLE FOR AUGUSTINE
Imagem: Acevo ArtLAM.
O urso mais magro é acordado no inverno \ pelo riso sonolento dos
gafanhotos, \ pelo barulho dos sonhos das abelhas, \ pelo perfume meloso das
areias do deserto \ que o vento carrega em seu ventre \ para as colinas
distantes, para as casas de Cedro. \ O urso ouviu uma promessa certa. \ Certas
palavras são comestíveis; eles nutrem \ mais do que a neve amontoada em pratos
de prata \ ou transbordando tigelas de ouro. Lascas de gelo \ da boca de um
amante nem sempre são melhores, \ nem um deserto sonhando sempre é uma miragem.
\ O urso ascendente canta um cântico gradual \ tecido de areia que conquista as
cidades \ num ciclo lento. O seu louvor seduz \ um vento passageiro, viajando
até ao mar \ onde um peixe, apanhado numa rede cuidadosa, \ eis o canto de um
urso na neve fresca e perfumada.
Poema da da
escritora estadunidense Tabitha King, que ainda expressa: Escrever é sempre um
processo restaurador. É como remar um caiaque. Quando você está escrevendo, não
pode fazer mais nada. Você está no espaço em que está. Então, nesse sentido,
escrever é extremamente centralizador e restaurador. Veja mais aqui e aqui.
OS ABISMOS – [...]
Todos os meus mortos, pensei. Se os do meu pai estavam em silêncio e os da minha mãe eram as plantas da
selva, os meus eram as folhas prestes a cair. [...] Então eu vi isso em seus
olhos. O abismo dentro dela, assim como o das mulheres mortas... uma fenda sem
fundo que nada poderia preencher. [...] Os gritos pararam. Agora nada podia ser ouvido. Apenas silêncio. Apenas o abismo desse silêncio. [...] Eu tinha ouvido falar sobre suicídio e pensei que sabia o
que era, mas só agora comecei a entender. Não foi que a pessoa de repente teve um ataque de loucura e se matou. Não foi algo que aconteceu apesar de seus desejos ou intenções. Não foi um jogo ou uma pegadinha que deu errado. Era que a pessoa queria seriamente morrer. [...] Resisti com todas as
minhas forças, tentando quebrar o fio que me puxava de baixo, entre as folhas
secas, todos os meus mortos. Então o abismo, como não podia me fazer pular nem me devorar, uma coisa
deliciosa e horrível entrou em meus olhos, uma bola saltitante na minha barriga
e uma náusea nojenta e fedorenta, até ficar bem enterrada dentro de mim. [...]. Trechos extraídos da obra Los
abismos (Intrínseca, 2022), da premiada escritora
colombiana Pilar Quintana, que na obra La perra (Random, 2017) expressou que: [...] Ela queria fugir, se perder, não falar nada para ninguém
e deixar a selva engoli-la. Ela começou a correr, tropeçou, caiu, levantou e
correu de novo.
[...] Não havia vento. As folhas das árvores permaneciam imóveis e a única
coisa que se ouvia era o mar. Parecia a Damaris que o tempo estava se
estendendo e que ela estaria lá até se tornar adulta e depois velha.
[...].
Veja mais aqui.
GUIA ATIVISTA
– [...] A arte é um domínio que nos
ajuda a combater forças que tentam mecanizar as pessoas, forças que vêem os
humanos como coisas que precisam de instruções do usuário e que deveriam ser
colocadas na prateleira de uma loja de um shopping center. [...] O ato de rebelião mais
radical hoje é reaprender a sonhar e a lutar por esse sonho.
[...] Por que tantas pessoas não estão se sentindo muito bem? E porque é que o objetivo do tratamento é conformar os pacientes à norma,
em vez de lidar com as questões sistémicas que fazem milhões de pessoas
sentirem-se infelizes? Quais são as tendências socioeconômicas que estão a levar a esta explosão
de doenças? Quando a competição e a obtenção de sucesso por qualquer meio se tornaram a
nossa ideologia, deveríamos realmente ficar surpreendidos com este sentimento
avassalador de isolamento desesperador? A solidariedade competitiva não existe. O amor competitivo também não existe. [...] Quando nos faltam forças para agir, é
preciso encontrar palavras que nos inspirem. Por isso, lembre-se de um ponto
fundamental: nada de deixar sua confiança arrefecer. O poder está nas suas
mãos. Juntos, como comunidade ou como movimento, podemos fazer milagres. E
faremos. [...] Precisamos de um milagre para sair daqui. E os milagres são reais; eles já aconteceram comigo antes. Amor incondicional, por exemplo, ou solidariedade, ou ação coletiva
corajosa. Os milagres acontecem sempre no momento certo na vida daqueles que têm uma
fé infantil no triunfo da verdade sobre a falsidade, daqueles que acreditam na
ajuda mútua e vivem de acordo com a economia da dádiva. Você não pode comprar a revolução, você só pode ser a revolução. [...]. Trechos extraídos da obra Read & Riot: A Pussy
Riot Guide to Activism (Coronet, 2018), da artista
conceitual, musicista, escritora e ativista russa Nadejda Tolokonnikova.
[...] Ao apontar todas essas questões e
variantes históricas tivemos o intuito de colocar em discussão a polissemia construída
em torno da coroação das rainhas de maracatu, destacando seu caráter societário
[...] a constituição de redes sociais que o ritual contribui para reafirmar
ou mesmo construir. Essas redes tanto buscam vinculações históricas (no sentido
de firmar uma tradição) quanto políticas na contemporaneidade, e são essenciais
para a constituição de uma dada identidade das comunidades de afro-descendentes
da cidade do Recife.
Trecho do artigo Rainhas coroadas: história e
ritual nos maracatus-nação do Recife, da professora e pesquisadora Isabel
Cristina Martins Guillén, extraídos da obra Cultura afro-descendente no
Recife: maracatus, valentes e catimbós (Bagaço, 2007), dos professores
Ivaldo Marciano de França Lima e Isabel Cristina Martins Guillén. Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
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