sábado, abril 22, 2023

GLORIA ROLANDO, ERICA JONG, GEORGE STEINER, SUZANNE COLLINS & ALTINHO

 

(Imagem: Acervo ArtLAM)

Ao som dos álbuns Uma Maneira de Dizer (Independente, 2012), Diários de Vento (Independente, 2016), Boa Noite pra Falar com o Mar (Independente, 2016) e Tempo Sem Tempo (Yb Music, 2019), todos da compositora e multi-instrumentista Joana Queiroz.

 

ICONOGRAFIA DA RUÍNA – Quem ainda se lembra se o coração bate alheio e o tempo, ah o tempo passa veloz afiada lâmina e pouco importa, as ruas e direções servem aos pneus congestionados na pressa do relógio de quem bate no pulso porque tem de ir nem se sabe direito pra onde. E vai acolá, o que tem de desembesto pragoraqui inadiável, líquido e certo, urgente, o resto pra depois de amanhã. Decerto o depois demorará a chegar, não tem de ficar à espera, não há mais muros nem janelas, varandas ou terraços, apenas mausoléus e lavabos suntuosos no quadratismo vertical, com suas vidraças espelhadas sobre as calçadas do vaivém desde ontens e há muito. Dá pra notar: há tempos só troca de roupa, no ademais o mais do mesmo. Só não passou quem está mais mole que um prato de papa ou mais velho que um papa-figo estirado numa cama ou maca hospitalar. Só não passou quem está entrevado que nem borreia engrenada na esquina, ou se acabando pelo fundo feito panela. Isso também não importa, destampa a garrafa, goles e farras. Tudo passa. Seria invencionice a cana em demasia: beira de rio, terreiro de casas, topo de morros e nos cafundós da desgraça difusa Mata adentro e ninguém nem aí, vale o esfolado no estrépito do consumo arrivista, ostentação e desencanto. A quem a pachorra de se dar conta do tanto desolador, ninguém. Ninguém mesmo porque o deliberado racismo fracking entra sem bater portas e com todos os dedos na ferida aberta perfurando profundidade na carne do solo para extrair o xisto ou folhelho pro gás natural em Vaca Muerta, um ecocídio Mapuche que agora desaloja os nossos ameaçados pelo Maranhão, Piauí, Mato Grosso do Sul e Tocantins, por enquanto. O que estridula no bolso é emergencial, recados da hora, decisões iminentes e ninguém quer passar batido, ora! Quem ainda se lembra vai clandestino, exilado voluntário com exercício de inventar alvos móveis ou falsos. O que sei é se não estou em apuros, confesso: no meio do caos e do medo. Pudera, há mais de quinhentos anos à deriva, há mais de um século sucumbindo aos golpes – e por falar em golpe, melhor se precaver: um novinho em folha está no ensaio dia após noite, os que malograram já foram. Ah, quem acenou eu nem vi, quase sou atropelado na faixa de pedestre; semáforos, vá entender. Quem aceitou foi recusado, não sei como, ah não, basta de tantos nãos e coniventes sins, quanto eufemismo à toa. Quem ainda se lembra eu não sei, só não esqueci sangue nas veias. Até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

(Imagem: Acervo ArtLAM)

A história, no sentido humano, é uma rede de linguagem arremessada para trás...

Pensamento do professor e crítico literário francês George Steiner (1929-2020), que no ensaio The Retreat from the Word (Kenyon Review (1961), inserido na obra Language and Silence: Essays 1958-1966 (Macmillan Pub Co, 1967), expressou que: [...] A linguagem só pode lidar significativamente com um segmento especial e restrito da realidade. O resto, e presumivelmente a parte muito maior, é silêncio.[...]. Quando uma língua morre, uma maneira de entender o mundo morre com ela, uma maneira de olhar para o mundo. [...]. Veja mais aqui.

 

TORDO - [...] Certos passos você tem de dar sozinho. [...] A promessa de que a vida pode continuar, não importa quão ruins sejam nossas perdas. Que pode ser bom de novo. [...]. Trechos extraídos da obra Mockingjay (Scholastic Press, 2010), da escritora e roteirista estadunidense Suzanne Collins. Veja mais aqui.

 

DUPLA MORAL RACIAL - O racista se faz, não se nasce... Essas atitudes são aprendidas e muitas delas são transmitidas de geração em geração como durante um longo período, e constituem um código de valor-informação que é transmitido a cada indivíduo no processo de socialização... Expressão do sociólogo, antropólogo e professor espanhol Tomás Calvo Buezas, autor de obras como Los más pobres en el país más rico: clase, raza y etnia en el movimiento campesino chicano (1981), Los racistas son los otros. Gitanos, minorías y Derechos Humanos en los textos escolares (1989) e La escuela ante la inmigración y el racismo. Orientaciones de educación intercultural (2003), entre outras obras.

 

UM POEMA & DUAS FRASES

E o problema é que, se você não arriscar nada, arriscará ainda mais...

(Imagem: Acervo ArtLAM)

Eu estava cansada de ser mulher, \ cansada da dor, \ do detalhe irrelevante do sexo, \ minha própria concavidade \ faminta inutilmente \ e mais vazia sempre que estava cheia, \ e finalmente preenchida \ por seu próprio vazio, \ buscando o jardim da solidão \ em vez dos homens. \ A cama branca \ no jardim verde - \ eu ansiava \ por dormir sozinha \ do jeito que alguns anseiam \ por um amante. \ Mesmo quando você chegou, \ tentei espancá-lo \ com minha tristeza, \ minhas seduções cínicas \ e meu truque de \ transformar um escravo \ em mestre. \ E tudo porque \ você fez \ meus dedos doerem \ e meus olhos se cruzam \ numa paixão \ que não sabia o próprio nome. \ Urso, fera, amante \ do livro do meu corpo, \ você folheou minhas páginas \ e descobriu \ o que havia \ para ser escrito \ do outro lado. \ E agora \ estou em branco \ para você, \ uma tabula rasa \ pronta para ser impressa \ com letras \ em um idioma desconhecido \ pela grande imprensa \ do nosso amor.

Frase & poema Beast, Book, Body, da escritora e educadora estadunidense Erica Jong, que ainda expressa: Todo mundo tem um talento. O que é raro é a coragem de seguir o talento para o lugar escuro onde ele leva. Veja mais aqui e aqui.

 

DIÁLOGO COM A MINHA AVÓ - [...] Esta é uma história de muitas mulheres negras que lavaram, passaram a ferro e foram as bases das nossas famílias. É por isso que mostrei suas mãos. Por respeito pelas mãos que trabalharam tanto para construir uma família [...] Há algo que não posso evitar dizer. Eles queriam distorcer muitas vezes a imagem da minha avó... Desde a época colonial, eles inventaram os padrões de uma indústria que não nos representa. Mas, infelizmente, muitas pessoas em Cuba e outros países também reproduzem e vendem essas irresponsáveis versões coloniais. Por que essa imagem falsa e degradante da mulher negra? Por quê? Por quê? Por quê? [...]. Trechos extraídos de Diálogo com a minha avó (2015), da premiada cineasta e roteirista cubana Gloria Rolando, que também se expressou sobre o filme Reshipment (2014): Quando falamos sobre a diáspora africana, às vezes as pessoas não sabem muito sobre o que aconteceu na história do Caribe - e Cuba é uma ilha caribenha que compartilhou muitos destinos com outros países do Caribe. Mesmo que falemos espanhol e outros falem francês ou inglês, temos muitas coisas em comum. Então eu acho que a expectativa, o interesse e a reação que eu vejo é porque as pessoas querem saber o que aconteceu com o resto dos negros do continente... Através dos meus filmes, eles conseguem ter um pedaço desse conhecimento. Não consigo abarcar, em um documentário de uma hora, toda a complexidade da história dos países caribenhos e de nossa história como pessoas negras. Mas pelo menos o público pode obter alguns elementos que lhes permitem continuar estudando ou fazendo mais pesquisas, especialmente a geração jovem...

 

VALUNA: ALTINHO

(Imagem: Acervo ArtLAM).

Enquanto Jorge cantava correnteza abaixo...

De mim o que jamais passou, a mesma coisa e não, processos dos devires. E tantos que ela já era a Cabeleira de Altinho, da Chata e Mentirosas, Maracajá, Molambo...

Valuna: homenagem ao Município de Altinho – Pernambuco. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 


sábado, abril 15, 2023

DANAH ZOHAR, BERGMAN, CRESSIDA COWELL, ROBERT WALSER & SÃO BENTO DO UNA

 

 (Imagem: Setígono – Acervo ArtLAM) - Ao som do show Gabriela Machado Quinteto (Sesc Instrumental, 2022), da premiada flautista e compositora Gabriela Machado, acompanhada pelo quinteto formado pelos músicos Emiliano Castro (violão de 7 cordas), Matheus Kleber (acordeon), Camila Silva (cavaquinho) e Douglas Alonso (bateria), contando com participações especiais de Celso Benedito (trompa) e Débora Gurgel (piano). Ela é integrante do grupo Câmaranóva (Câmara Brasileira) e o Coletivo de Mulheres no Choro (SP), afora participar de diversos grupos instrumentais.

 

SETÍGONOS ÀS LAPADAS – PRIMEIRO: Um título se faz verso \ recomeço com que roupa \ festrelas diferisadas \ luzoutras deram aparecéus \ se no oitão lá o que meço \ não sobra sequer qualquer uma \ nas brumas do meu coração. (Taí, heptassílabos de sete pés, feito redondilhas xucras, quando na verdade eu queria poetar coisa mais fora do comum e sem rimar. Não deu. Ao meter as catanas versiculares na maior pelejada, lá estava eu me sentindo como numa Sonata de Outono – só que diferente: como se rascunhasse a Carta ao meu pai e ele lá do outro lado da mesa lendo meus pensamentos quais arroubos mais insolentes. Peguei o fio da meada no meio do movimento browniano: lá ia eu viajando na ideia do floco de neve de Koch, ôpa, pelo perímetro fractal (oba!) pra quânticos cânticos. Deu nada: poeta d’água doce sabe nem se amostrar. É isso aí, vamos lá). SEGUNDO: Semanazada já sextou \ nexoteando ensimesma \ no viés de lesma faz pé \ não é qualquer badameco \ fugou caneco oh baião \ cadê chão? Volta por cima \ pro clima do alto astral. (Versoutros setessilábicos com barrunfo de heptada, mais parece pé-quebrado de quem não sabe nada. Pois é, estava empolgado e parti pra segunda lapada! Deveria ter ficado na primeira, fui gostando da loa. Mas como alegria de pobre dura pouco, lá longe logo previ algo lá não muito bem-vindo e na minha direção. Parecia gente, mas não era; coisa, talvez. Que porra é 9? Chegou bem pertinho, o bafo duma voz esquisita e deu pra entender apenas: ChaosGPT. Ficou na mesma, nunca vi mais gordo, logo: que boba 90 é isso? Nem queiram saber. Não deu tempo nem de me ajeitar direito, partiu pra cima de mim como quem queria agarrar minha goela. Vôte! Não sou besta não, dei um passo pra trás e o troço lá tinha certa dificuldade em se mover e me alcançar. Ôxe! Dei um drible de corpo, fui de lá pra cá, deixei-lo zonzo e zarpei com mais de mil! Xô pra lá, coisa ruim! O carreirão foi tão grande que nunca mais vi, nem quero ver. Mas, sei bem do que se trata, humanidade em risco... Simbora). TERCEIRO: Como se um heptágono \ amanhecesse heptaédrico \ ventroutonal s’enrubesce \ poética quermesse quente \ trovejandagora lá se \ tascômicarnavalesca \ desse pentágono dentro. (Pronto, está meio desmantelado, porém deu pro gasto! Fechei a conta da terceira leva, na marra pra balanço! Sim, claro. Nem conto, espia só. Foi por causa dum susto de torar a taboca! De repente, assim do lado e do nada: Victor de Aveyron! Danou-se! Deu-me duas Brassica oleracea! Nunca tinha visto: isso come? (só depois soube tratar-se dum tipo de couve-flor, uma rósea arroxeada, outra creme esverdeada –Deus faz arte fractal, certeza! Por isso ou vejo em toda parte ou me perseguem, só sendo. Mas dele o olhar de total desapontamento com o ser humano, pudera. Como não restasse nada do Itard e da Madame Guérin, nenhuma boa lembrança. Vi-o perdido e com ele o meu país se dissolve há sete anos com a queima de livros e atentado às escolas forjados sete dias por semana pelo fundamentalismo cristão estúpido, imitação barata das neuras do Norte que a tevê explicita o dia inteiro na programação propagada nas redes sociais. Barbárie em demasia até para ele. Quanto mais pra mim, hem? E eu duas vezes sete horas me desdobro nas dialetheias e sobrevivo afora, até mais ver.

 

INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL

[...] O QS (Quociente Espiritual) permite que seres humanos sejam criativos, mudem as regras, alterem situações. Permite-nos trabalhar com limites, participar do “jogo infinito”. O QS nos dá capacidade de escolher. Presenteia-nos com um senso moral, uma capacidade de amenizar normas rígidas com compreensão e compaixão, bem como com a capacidade de saber quando a compaixão e a compreensão chegaram a seus limites. Usamos o QS para lutar com questões acerca do bem e do mal, e imaginar possibilidades irrealizadas – sonhar, aspirar, superar situações difíceis. [...].

Trecho extraído da obra Inteligência espiritual: aprenda a desenvolver a inteligência que faz a diferença (Viva Livros, 2012), da física e filósofa estadunidense Danah Zohar, que acrescenta: Podemos considerar a dor, o sofrimento ou as dificuldades como ameaçadoras ou incapacitantes, mas também como desafios e mesmo como oportunidades... (Imagem Acervo ArtLAM). Veja mais aqui.

 

DITOS & DESDITOS - Todos nós cometemos erros. Todo mundo precisa de segundas chances, e até mesmo de terceiras, quartas e quintas... Estamos todos arrebatando momentos preciosos das mandíbulas pacíficas do tempo. Às vezes é apenas um amigo verdadeiro que sabe o que queremos dizer quando tentamos falar... Pensamento da escritora inglesa Cressida Cowell. Veja mais aqui e aqui.

 

HÖSTSONATEN – [...] É claro que às vezes sinto um vazio. Mas uma pessoa não se deve enterrar viva... A gente pode se consolar consigo mesma. Não pode contar eternamente com os outros e pensar que eles estarão sempre ao nosso lado quando a gente está triste. Não, antes pelo contrário. Na maioria das vezes, a gente precisa chorar em silêncio, pra que ninguém ouça. [...]. Trecho extraído do filme Sonata de outono (1978), do cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), estrelado pelas atrizes Ingrid Bergman e Liv Ullmann, contando sobre o reencontro de uma mãe célebre pianista e suas duas filhas após anos de separação. A mãe tem uma surpresa ao encontrar a filha mais nova deficiente física e mental, aos cuidados da mais velha. Esse reencontro trará à tona diversas mágoas do passado. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

UM POEMA

Quão pequena é a vida aqui e quão grande é o nada. \ O céu, cansado de luz, deu tudo à neve. \ As duas árvores inclinam suas cabeças uma para a outra. \ Nuvens atravessam o silêncio do mundo em uma dança circular.

Poema do escritor suíço Robert Walser (1878-1956), que também assim se expressa: Cada pessoa sensível carrega em si velhas cidades cercadas por antigas muralhas... Às pessoas saudáveis faço o seguinte apelo: não teimem em ler apenas esses livros saudáveis, travem um conhecimento mais estreito, também, com a literatura dita doentia, que vos transmitirá, decerto, uma cultura edificante. As pessoas saudáveis deveriam sempre expor-se um pouco ao perigo. Senão, com mil raios, para que serve ser saudável? Simplesmente para, num determinado dia, morrer de boa saúde? (Imagem Acervo ArtLAM). Veja mais aqui.

 

UNA-SE... O RIO É SEU...

... Eu vou. Por quê? Porque vou, porque sim, porque não, caramanchão, feliz das trepadeiras pelos oitões, a brisa nas varandas, água de coco, sombra e água, a lembrar dos sítios do Serrote do Gado Brabo. Sou o que vai e volta, eterno retorno como os pardais estão voltando...

Valuna: São Bento do Una – Pernambuco. (Imagem: Acervo ArtLAM). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 



sábado, abril 08, 2023

NNEDI OKORAFOR, CARLO ROVELLI, ANNIE VIVANTI, CHAMFORT & CAPOEIRAS

 

 Ao som do concerto Syllableaves para Theremin e Orquestra, pelo Gävle Symfoniorkester, dirigido por Fredrik Burstedt no Konzerthaus Gävle (Suécia, 2010) e Fantasias para Theremin e Quarteto de Cordas (2015), ambos da musicista alemã Carolina Eyck. Imagem: Mandala lírica (Acervo ArtLAM).

 

MANDALA LÍRICA – Outoninverno, o calor do nublado no meio de dias curtos e tanto a fazer. No meu sobrenome sabia: o frio vai durar toda vida e ainda não era o meu prazo. Era como se estivesse em YZ Ceti b contemplando a órbita de uma estrela anã vermelha. Umas passadas a mais e, do outro lado do muro, zuniam as balas do sectarismo messiânico com todos os seus próceres et caterva dedado por Lukács. Logo me distanciei e na boca de um túnel negro algo estranho e logo percebi que não era o gênio maligno de Descartes - quem dera a dúvida hiperbólica, ou que fosse pelo menos a dúvida cética, ora, e a metafísica nas raízes à mostra no chão, a física ao tronco e as ciências escapulindo pelos galhos! Mas não, não era. E como aprendi que um mais um são três, o poeta sorriu atrás do muro para dizer: Mácula acumula e como micula. Ora, eu também, meu! E sorrio. Tudo que vem logo vai. Nem deu tempo findar a frase e da boca do túnel surgiu Rufus – ah, não pode ser! E o pior: devidamente acompanhado duma dupla maligna breganeja e escatológica - Little Boy & Fat Man. Um trio nada agradável, eu previa. Queria lá fazer cócegas na cauda dum dragão, oxe! Tá doido, é? Bafejaram em uníssono: Bem, isso é tudo! Não, não era. Neguei o quanto pude! Contudo, a besta furiosa com seus comparsas queria mesmo era me torrar. Sou lá Daghlian ou Stolin, meu? Cai fora! Cuspi alerta: a minha chave de fenda é meu corpo fechado, espero. E, para me lascar, não era mesmo. Tentei escapar e uma das serpentes de Tirésias se aninhou ao redor dos meus pés. Ela fitou-me e senti logo que havia sido condenado pelo Basilisco de Roko, Singleton. Agora deu! Só me faltava essa! O quarteto logo me acuou na tentativa de me aprisionar no cérebro de Matriosca do Bradbury e já adivinhava: hoje cessará e logo será ontem, não sei amanhã. Procurei canto para me socar, mão aos olhos aprontando pra carreira e tudo estreitava. Qual é? Onde estou eu, afinal? Senti-me póstumo e pra não arrear de vez puxei conversa com os algozes, parecia mais que eu falava era grego. Não adiantou, mesuras inúteis. Encostado na parede, pressentia dali sangue na canela até o pescoço. Estava rendido, deveras. Matutei no cúmulo da fuga: uma carta na manga. Respirei fundo, pneuma no sangue: fui pro tudo ou nada e à forra, perdido por um ou por mil, tanto faz. Não me acovardei, centupliquei-me - afinal a lição: o que não me liquida me fortalece. Saquei e foi tiro e queda: as marteladas de Nietzsche! Dessa me safei, foi por pouco. Mais uma. Será que terei outra chance? Ah, deixa pra lá. O que vale é que cá estou no meio do caminho entre o micro e o macro, assobiando os acordes do meu theremin imaginário. Até mais ver.


Imagem: A vida e os sonhos renascem muitos... (Acervo ArtLAM).

 

DITOS & DESDITOSO dia mais perdido de todos é aquele em que não se riu. O amor, tal como existe na sociedade, não passa da troca de duas fantasias e do contato de duas epidermes. O amor é como as epidemias: quanto mais o tememos, mais expostos a ele estamos. Amar é uma necessidade do coração; fazer amor é uma ocupação do espírito. As paixões fazem o homem viver, a sua sabedoria apenas o faz durar. A palavra mais acertada que já foi dita sobre celibato e matrimônio é esta: qualquer partido que escolhas tu te arrependerás. Quem não tem caráter não é homem, é coisa... Pensamento do dramaturgo e escritor francês Nicolas de Chamfort (Sébastien-Roch Nicolas – 1840-1794).

 

ALGUÉM FALOU: Eu quero investigar o que me assusta e me preocupa. Você fez o que você fez, você não fez o que você não fez, e agora você está pronto para julgamento. As pessoas podem ser todas as espécies de implacáveis e podem ser todos maravilhosos. Confie em si mesmo para que os erros que você fizer sejam os que foram feitos e não algo que você fez porque você estava com medo de fazer o que queria fazer. Possua seus erros, então você pode possuir seus sucessos. A alegria no que faço está em fazer isso. E então há a parte em que as pessoas vão ver o que eu ofereci e gostei ou elas vão ver o que eu ofereci e desejo que elas não puderam fazer... Pensamento da cineasta, roteirista e escritora estadunidense Jennifer Lynch.

 

A TRISTEZA DURA PARA SEMPRE...

São vastas extensões de trigo sob céus tempestuosos e não tive dificuldades para expressar a tristeza e a extrema solidão... Tanto na vida como na pintura, posso muito bem ficar sem Deus; mas não posso, sem sofrer, ficar sem algo que é maior do que eu, que significa a minha vida inteira: a força de criar... Há leis de proporção, de luz, de sombra e de perspectiva, que é preciso conhecer para desenhar um motivo; se essa ciência nos falta, arriscamos travar eternamente uma luta estéril e não conseguimos nunca criar.

Pensamento do pintor do pós-impressionismo holandês, Vincent van Gogh (1853-1890). (Imagem acervo ArtLAM: A mulher contempla a cadeira de van Gogh). Veja mais aqui e aqui.

 

QUEM TEME A MORTE - [...] Criaturas defeituosas e imperfeitas! Isso é o que nós dois somos, oga! Isso é o que TODOS nós somos! [...] Ser algo anormal significava servir ao normal. E se você recusasse, eles te odiavam... e muitas vezes os normais te odiavam mesmo quando você os servia [...] Eu era jovem, mas odiava como um homem de meia-idade no final de seu auge. [...] Nunca saberemos exatamente por que somos, o que somos e assim por diante. Tudo o que você pode fazer é seguir seu caminho até o deserto, e então continuar porque é assim que deve ser.[...]. Trechos da obra Who Fears Death (DAW, 2014), da premiada escritora e educadora nigeriana-americana Nnedi Okorafor (Nnedimma Nkemdili Okorafor ou também conhecida como Nnedi Okorafor-Mbachu).

 

ORDEM DO TEMPO - [...] As crianças crescem e descobrem que o mundo não é como parecia dentro das quatro paredes de suas casas. A humanidade como um todo faz o mesmo. [...] A diferença entre passado e futuro... causa e efeito... memória e esperança... arrependimento e intenção... nas leis elementares que descrevem os mecanismos do mundo, não existe tal diferença. [...] O mundo é feito de eventos, não de coisas. [...]. Trechos extraídos da obra The Order of Time (Riverhead, 2018), do físico e cosmologista italiano Carlo Rovelli.

 

QUEM SABE...

A longa noite me negou refrigério, / Alfin a aurora nasceu. / No leste, o céu é tingido de ouro, / E toda estrela está morta. / Quem sabe se é verdade que existe um Deus lá em cima! / Um Deus que ama e conforta! / - Penso em você que não me ama mais, / E para minha falecida mãe...

Poema extraído da obra Lírica (BiblioLife, 2009), da poeta italiana Annie Vivanti (1866-1942). (Imagem: Acervo ArtLAM). Veja mais aqui.

 

UNA-SE, O RIO É SEU...

Pela Serra do Quati ouvia o canto repetititvo: cáa-poera, Capoeirã! Oxe e tome bis com o refrão: Quando não é mata cortada, é roça tomada pelo mato. O rio é seu, una-se... (Tributo ao Município de Capoeiras – Pernambuco. Imagem: Valuna: Capoeiras – Acervo ArtLAM).

Veja mais aqui, aqui & aqui.



 


sábado, abril 01, 2023

CECÍLIA MEIRELES, LARS NORÉN, BETH O'LEARY. BRUCE MCCALL & EUGÊNIA FRANÇA

 

Sou um poeta obscuro, os meus companheiros são poetas obscuros, nosso país é o amor...

(Nênia de Abril, Veja mais aqui e aqui).

 


CARTA DE OUTONO - (Imagem Acervo ArtLAM) - Ontem choveu muito, hoje ensolarou, que bom! Sempre assim pelas beiradas equatoriais dos trópicos, a ponto de nem se saber direito se vigência estival ou reinado das invernadas. Sempre assim. Por isso herdei do sonho o discernimento na mais apurada solidão para perceber do que clareia quando muito, ou se escurece por demais no desespero com a desventura esmerada, e só olhares abertos para que a morte por lá se demore, muito embora eu mesmo nem tenha lá razão para resistir. Faz tempo que a desgraça mandou ver em dose dupla nos deixando num verdadeiro Campo de Asfódelos: a mais profunda treva de Érebo, qual catábase prévia e insuportável com exéquias perenes no pesadelo dos refugiados amedrontados, insones e famélicos. Os que se acham acima da carniça por não terem cara de ladrão nem se comovem, mas deitam hipocrisia mesmo não adiantando sair do conforto para tratar tudo por porqueira ou partir pra serração da velha, ora pro nobis, valei-me deus! O meu país tornou-se uma penitenciária aberta com um monte de oh porque está bonito pra chover e pagam pra inglês ver com o nada a declarar dos que possuem mossa funda na reputação e que resolvem tudo pela justiça-do-rio-de-baixo. Ainda lembro e sei que esquecer é o pior de tudo: as sequelas são dolorosas e sangram com a impunidade e supuram envenenando o futuro. É costume não se passar nada a limpo, nenhuma prova dos nove há séculos, só deixa pra lá e festa da matança que não me deixa conciliar o sono com as memórias de mar e terra nas mãos escassas aonde fui chegante e cortei volta, as conjuras surdas de vírgula e reticências, coágulos de nenhuma aspa... Eu sei, na vida eu só bati catolé, preciso é tirar a lomba da cacunda, como não sei. Aí é que está. Impossível dormir com a dor silenciosa dos sobreviventes, remoem suas vidas no jeitinho que der. Quando não der mais, deixo de mão, até o dia em que a sorte pouse em meus ombros, embora eu nem acredite nisso, apenas persigo e vou lá por que preciso cantar... Bella Ciao... Nênia de abril... Até mais ver.

 

Bella Ciao: la canzone della libertá, na interpretação da guitarrista, cantante, compositora e escritora espanhola Paola Hermosín.

 

TOMANDO NOTA: O OUTONO DO PATRIARCA

[...] uma pátria que então era como tudo antes dele, vasta e incerta, até o extremo de que era impossível saber se era noite ou dia naquela espécie de crepúsculo eterno [...].

Trecho extraído da obra O outono do patriarca (Record, 1993), do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Imagem: Sel-portrait II, da artista plástica Eugênia França. Veja mais aqui.

 

DITOS & DESDITOS: A maior parte da história ocorre ao ar livre, e os acadêmicos vivem e pensam em ambientes fechados... Pensamento do escritor e ilustrador canadense Bruce McCall.

 

ABRIL DESPEDAÇADO: [...] Há muitas ocasiões para morrer [...] Foi apenas uma frase que passou de boca em boca e nunca foi totalmente engolida. [...] E tudo seria diferente, diferente. [...]. Trechos extraídos da obra Abril despedaçado (Prilli i Thyer, 1978), do premiado escritor albanês Ismail Kadaré, que no Brasil ganhou uma versão cinematográfica. Veja mais aqui e aqui.

 

CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,\ não posso cuidar de ti.\ Vim para amar neste mundo,\ e até do amor me perdi.\ De que serviu tecer flores\ pelas areias do chão\ se havia gente dormindo\ sobre o próprio coração?\ E não pude levantá-la!\ Choro pelo que não fiz.\ E pela minha fraqueza\ é que sou triste e infeliz.\ Perdoa-me, folha seca! \ Meus olhos sem força estão \ velando e rogando aqueles\ que não se levantarão…\ Tu és folha de outono\ voante pelo jardim.\ Deixo-te a minha saudade\ – a melhor parte de mim.\ E vou por este caminho,\ certa de que tudo é vão.\ Que tudo é menos que o vento, \menos que as folhas do chão

Poema e imagem da escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aquiaqui.

 

O DIA A DIA, O AMOR... - [...] Parecem banalidades, coisas quase práticas, mas que escondem a realidade [...] são os pequenos detalhes do quotidiano que fazem a diferença. No fundo, apanhar em falso o que é verdadeiro. Será sempre assim por entre as revoluções são os rostos que ficam, os nomes que se distinguem, as praças que ficamos a conhecer... [...]. Pensamento do premiado dramaturgo e poeta sueco Lars Norén (1944-2021), sobre a sua minimalista peça teatral Do amor, tratando sobre os lados escuros e difíceis da vida humana, psicológica e familiar, colocando em cena dois casais, cujo homem e mulher de cada um deles acaba por se envolver um com o outro, materializando um mal estar social. Ele também é autor da peça teatral Outono Inverno ou O Que Sonhamos Ontem, que traz em cena as discussões e mágoas de um encontro familiar entre um casal de idosos – um médico fracassado e uma dona de casa frustrada que humilha o marido – e suas duas filhas que são mulheres independentes que lidam com seus problemas, evidenciando a opressão no ambiente familiar. São ainda de sua autoria os textos teatrais Coragem de matar (1978), A noite é a mãe do dia (1982), O tempo é a nossa casa (1991), Círculo de pessoas (1997), entre outras obras em prosa e verso. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

HORA DE LEMBRAR - [...] Lembre-me de que não há como salvar as pessoas - as pessoas só podem salvar a si mesmas. O melhor que você pode fazer é ajudar quando eles estiverem prontos. [...] Meu pai gosta de dizer: 'A vida nunca é simples'. Este é um de seus aforismos favoritos. Na verdade, acho que está incorreto. A vida costuma ser simples, mas você não percebe como ela era simples até que ela se torne incrivelmente complicada, como você nunca se sente grato por estar bem até ficar doente, ou como você nunca valoriza sua gaveta de meias até rasgar um par e não tem sobressalentes. [...]. Trechos extraídos da obra The Flatshare (Flatiron, 2019), da escritora inglesa Beth O'Leary.

 

UNA-SE, O RIO É SEU

Assim, a vida. Já nem sei de mim, nunca fui nada... Ouvi de longe alguém gritar: Quem matou o rio? Ora, me rio, ela me ensinou a vida, quem disse que eu morri, com ela virei mar e era apenas uma gota no oceano. Unadia, Diauna...

Valuna, Epitáfio na Várzea... (Rio Una – Pernambuco).

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