sábado, abril 01, 2023

CECÍLIA MEIRELES, LARS NORÉN, BETH O'LEARY. BRUCE MCCALL & EUGÊNIA FRANÇA

 

Sou um poeta obscuro, os meus companheiros são poetas obscuros, nosso país é o amor...

(Nênia de Abril, Veja mais aqui e aqui).

 


CARTA DE OUTONO - (Imagem Acervo ArtLAM) - Ontem choveu muito, hoje ensolarou, que bom! Sempre assim pelas beiradas equatoriais dos trópicos, a ponto de nem se saber direito se vigência estival ou reinado das invernadas. Sempre assim. Por isso herdei do sonho o discernimento na mais apurada solidão para perceber do que clareia quando muito, ou se escurece por demais no desespero com a desventura esmerada, e só olhares abertos para que a morte por lá se demore, muito embora eu mesmo nem tenha lá razão para resistir. Faz tempo que a desgraça mandou ver em dose dupla nos deixando num verdadeiro Campo de Asfódelos: a mais profunda treva de Érebo, qual catábase prévia e insuportável com exéquias perenes no pesadelo dos refugiados amedrontados, insones e famélicos. Os que se acham acima da carniça por não terem cara de ladrão nem se comovem, mas deitam hipocrisia mesmo não adiantando sair do conforto para tratar tudo por porqueira ou partir pra serração da velha, ora pro nobis, valei-me deus! O meu país tornou-se uma penitenciária aberta com um monte de oh porque está bonito pra chover e pagam pra inglês ver com o nada a declarar dos que possuem mossa funda na reputação e que resolvem tudo pela justiça-do-rio-de-baixo. Ainda lembro e sei que esquecer é o pior de tudo: as sequelas são dolorosas e sangram com a impunidade e supuram envenenando o futuro. É costume não se passar nada a limpo, nenhuma prova dos nove há séculos, só deixa pra lá e festa da matança que não me deixa conciliar o sono com as memórias de mar e terra nas mãos escassas aonde fui chegante e cortei volta, as conjuras surdas de vírgula e reticências, coágulos de nenhuma aspa... Eu sei, na vida eu só bati catolé, preciso é tirar a lomba da cacunda, como não sei. Aí é que está. Impossível dormir com a dor silenciosa dos sobreviventes, remoem suas vidas no jeitinho que der. Quando não der mais, deixo de mão, até o dia em que a sorte pouse em meus ombros, embora eu nem acredite nisso, apenas persigo e vou lá por que preciso cantar... Bella Ciao... Nênia de abril... Até mais ver.

 

Bella Ciao: la canzone della libertá, na interpretação da guitarrista, cantante, compositora e escritora espanhola Paola Hermosín.

 

TOMANDO NOTA: O OUTONO DO PATRIARCA

[...] uma pátria que então era como tudo antes dele, vasta e incerta, até o extremo de que era impossível saber se era noite ou dia naquela espécie de crepúsculo eterno [...].

Trecho extraído da obra O outono do patriarca (Record, 1993), do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Imagem: Sel-portrait II, da artista plástica Eugênia França. Veja mais aqui.

 

DITOS & DESDITOS: A maior parte da história ocorre ao ar livre, e os acadêmicos vivem e pensam em ambientes fechados... Pensamento do escritor e ilustrador canadense Bruce McCall.

 

ABRIL DESPEDAÇADO: [...] Há muitas ocasiões para morrer [...] Foi apenas uma frase que passou de boca em boca e nunca foi totalmente engolida. [...] E tudo seria diferente, diferente. [...]. Trechos extraídos da obra Abril despedaçado (Prilli i Thyer, 1978), do premiado escritor albanês Ismail Kadaré, que no Brasil ganhou uma versão cinematográfica. Veja mais aqui e aqui.

 

CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,\ não posso cuidar de ti.\ Vim para amar neste mundo,\ e até do amor me perdi.\ De que serviu tecer flores\ pelas areias do chão\ se havia gente dormindo\ sobre o próprio coração?\ E não pude levantá-la!\ Choro pelo que não fiz.\ E pela minha fraqueza\ é que sou triste e infeliz.\ Perdoa-me, folha seca! \ Meus olhos sem força estão \ velando e rogando aqueles\ que não se levantarão…\ Tu és folha de outono\ voante pelo jardim.\ Deixo-te a minha saudade\ – a melhor parte de mim.\ E vou por este caminho,\ certa de que tudo é vão.\ Que tudo é menos que o vento, \menos que as folhas do chão

Poema e imagem da escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aquiaqui.

 

O DIA A DIA, O AMOR... - [...] Parecem banalidades, coisas quase práticas, mas que escondem a realidade [...] são os pequenos detalhes do quotidiano que fazem a diferença. No fundo, apanhar em falso o que é verdadeiro. Será sempre assim por entre as revoluções são os rostos que ficam, os nomes que se distinguem, as praças que ficamos a conhecer... [...]. Pensamento do premiado dramaturgo e poeta sueco Lars Norén (1944-2021), sobre a sua minimalista peça teatral Do amor, tratando sobre os lados escuros e difíceis da vida humana, psicológica e familiar, colocando em cena dois casais, cujo homem e mulher de cada um deles acaba por se envolver um com o outro, materializando um mal estar social. Ele também é autor da peça teatral Outono Inverno ou O Que Sonhamos Ontem, que traz em cena as discussões e mágoas de um encontro familiar entre um casal de idosos – um médico fracassado e uma dona de casa frustrada que humilha o marido – e suas duas filhas que são mulheres independentes que lidam com seus problemas, evidenciando a opressão no ambiente familiar. São ainda de sua autoria os textos teatrais Coragem de matar (1978), A noite é a mãe do dia (1982), O tempo é a nossa casa (1991), Círculo de pessoas (1997), entre outras obras em prosa e verso. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

HORA DE LEMBRAR - [...] Lembre-me de que não há como salvar as pessoas - as pessoas só podem salvar a si mesmas. O melhor que você pode fazer é ajudar quando eles estiverem prontos. [...] Meu pai gosta de dizer: 'A vida nunca é simples'. Este é um de seus aforismos favoritos. Na verdade, acho que está incorreto. A vida costuma ser simples, mas você não percebe como ela era simples até que ela se torne incrivelmente complicada, como você nunca se sente grato por estar bem até ficar doente, ou como você nunca valoriza sua gaveta de meias até rasgar um par e não tem sobressalentes. [...]. Trechos extraídos da obra The Flatshare (Flatiron, 2019), da escritora inglesa Beth O'Leary.

 

UNA-SE, O RIO É SEU

Assim, a vida. Já nem sei de mim, nunca fui nada... Ouvi de longe alguém gritar: Quem matou o rio? Ora, me rio, ela me ensinou a vida, quem disse que eu morri, com ela virei mar e era apenas uma gota no oceano. Unadia, Diauna...

Valuna, Epitáfio na Várzea... (Rio Una – Pernambuco).

Veja mais aqui, aqui e aqui.