segunda-feira, maio 27, 2024

PIA TAFDRUP, ESTHER LLOVET, SILVIA RIVERA & ITINERÁRIO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Tchautchiüãne (2017), Wiyaegü (2019) e Torü Wiyaegü (2022), da premiada cantora, jornalista e compositora Djuena Tikuna (Denizia Araújo Peres), uma das maiores referências em música indígena.

 

ÓRFÃO DA TERRA, LÍNGUA & CORAÇÃO... – Antes de ontem de muitos anos atrás, a minha gente era festa secular. Era um tempo em que tudo e todas as coisas estavam aqui e éramos um só: o solo, as araras, o capinzal, o piado dos filhotes quebrando a casca... E convivíamos com os espíritos do fogo, da água, do ar e da terra, conjugávamos afetos: todo ser é uma canção de amor. Quando o tempo da desventura escureceu, nada de nós quase restava: raios encurralaram e os que chegaram de longe, do outro lado do mundo, arrancaram nossas raízes aterradas pelo canavial. A cobiça de numerosos e insistentes invasores me levou estrada afora a sonhar meu povo que me ensinava amar a tudo e todas as coisas, escutando Barbara Payton: O amor é uma memória. O tempo não pode matar a melodia querida, alegre e absurda, e a música inédita... No meu êxodo foram sóis causticantes, luas geladas, percurso extenuante para saber quando e o quê: aprendi as labaredas dos infernos, os faróis de todos os possíveis purgatórios, corujas e morcegos traziam sargaços de mares abissais e as neblinas sem data e mapa. Tudo doía ao crepúsculo: quantas luas, tantos outros sóis. Ganhava a noite, perdia o dia. Doía mais as palavras de Jenny Erpenbeck: Deixar as pessoas se afogarem no Mediterrâneo não está longe de Auschwitz.. Fui ao céu três vezes: da primeira vez era novidade, mas a saudade foi tanta que mal cheguei e já estava de volta. A segunda foi por curiosidade: queria ver como era de mesmo e me detive tanto em cada coisa que logo perdeu a graça. A terceira foi quase um convite redentor para apaziguar a alma e, por pouco, não fiquei de vez. É que na horagá olhei para baixo, dei aquela espiada plangente e tentei me despedir. Engoli seco o nó da garganta e constatei: Nunca me vi imortal porque nunca tive onde cair morto e, acima de tudo, tinha ainda muito por fazer – Ah, ficou o descanso para depois, escapuli e voltei, pronto para recomeçar todos os dias e o dia todo. Ouvia Joan Collins: Mostre-me uma pessoa que nunca cometeu erros e eu lhe mostrarei alguém que nunca conseguiu muito... Cada um tem seu aprendizado e ainda faltava muito: não há escapatória para um ninguém. A esperança quase não resiste às causas perdidas pelas noites longas: partiram pedras, demoliram montes, desmoronaram barrancos, eram os estrépitos fora do prumo de uma eterna guerra. A mim só restava o mirante: a noite no coco de tucumã, o dia no voo do cajubi. Mas, a vida tem sempre o gostinho de que valerá a pena. E no derradeiro retorno, apenas desprezo e lástimas: os esquecidos tempos idos e os que se perderam nos que anseiam sempre por uma festa no céu e que os levem à glória. O pior: nenhum amigo. Voltei na escuridão da beira do rio: serviu para contar hestórias. E aqueles estranhos olhares, até hostis, era familiar: falasse o que dissesse, fizesse o que desagradasse, tratasse com indiferença ou do que dispusesse. - Aqueles estranhos me dava duas opções: ou me escravizava ou zarpava de vez. Nem uma, nem outra. Não esperei a gentileza poque aprendi a ouvir a língua e o coração de si e do outro: é no presente que tudo se realiza e escolhi a canção da vida. O que sou de todas as coisas: se pedra era o ouro do coração das pessoas, a lição caeté. Até mais ver.

 

BANCOS DE AREIA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não aponte o telescópio apenas \ para a aglomeração do céu noturno \ para descobrir mais um planeta. \ Vire-o também para a terra, \ para o fundo do mar, \ veja os peixes entre as pedras, \ um brilho de flechas prateadas, \ um brilho de fogo nas profundezas, \ a força contundente das fibras, \ a água queima \ quando os peixes avançam \ e param submersos nos jardins de algas, \ olha também para o fundo do mar, \ cardumes de peixes irradiam a escuridão ali, \ encontram descanso nas ondas.

Poema da premiada escritora dinamarquesa Pia Tafdrup. Veja mais aqui.

 

COMO DEIXAR DE ESCREVER - [...] Escreva, sim. Escreva e escreva e escreva. Literatura de merda. Que chato, que prisão de ventre, na verdade. Quão pouco sangue, os escritores. Não confie em ninguém que tenha a mesma cara de bêbado de Renfo sóbrio. Se você sair do luto, você sairá de qualquer coisa, foi o que eu disse a ele. De qualquer coisa. [...] e isso é beleza, o que você pensa de novo [...] Não é ruim ser subestimado. Você acaba sabendo muito sobre os outros. Eles te contam o que não contam a ninguém [...] Que elegância, tristeza, com todos os botões nas mangas tão bem abotoados. [...]. Trechos extraídos da obra Cómo dejar de escribir (Anagrama, 2017), da escritora espanhola Esther García Llovet, que na obra Gordo de feria (Anagrama, 2020), expressa: [...] Todo mundo fala o tempo todo até que você pergunte algo específico. “Então eles não sabem mais o que dizer.” [...].

 

O PRINCÍPIO DE POTOSÍ: OUTRA VISÃO DA TOTALIDADE - [...] As comunidades transnacionais de migrantes aimarás transitam, então, dentro de um thaki pós-colonial, constituído por fluxos e refluxos cíclicos. Em seus deslocamentos articulam modismos de moda com tradições recuperadas; inventam genealogias e reinterpretam mitos, manchando os tecidos de uma indústria global com os seus pumas e os seus sóis, transformando os seus camiões de grande tonelagem em altares para santos e demónios. O cenário da diáspora trabalhista aimará contém então algo mais do que opressão e sofrimento: é um espaço para a reconstituição da subjetividade e da agência, como é certamente o caso de todos os cenários de dominação – incluindo os mais brutais – se ousarmos olhar além da figura da vítima sacrificial. A acção inversa dos takis-thakis contemporâneos altera o ritmo da máquina capitalista neocolonial, cria espaços intermediários e reapropria-se dos métodos e práticas do mercado global, ao mesmo tempo que afirma os seus circuitos autóctones, o seu repertório de conhecimentos especiais e as vantagens e os artifícios que permitem a essas comunidades e empreendimentos enfrentar com autoconfiança esse cenário desigual e suas diversas formas de violência. [...]. Trecho extraídos da obra The Potosí Principle: Another View of Totality (Universidad Mayor de San Andrés de La Paz - The Hemispheric Institute, 2023), da socióloga, professora, cineasta e ativista boliviana Silvia Rivera Cusicanqui, autora de obras como: Oprimidos, mas não derrotados. As lutas do campesinato aimará e quichwa da Bolívia, 1900-1980 (La Paz, 1984) e As fronteiras da coca (La Paz, 2003), integrante do Colectivo Ch’ixi e reflete em seus estudos que: Devemos sonhar, mas com a condição de acreditar firmemente nos seus sonhos, de comparar dia a dia a realidade com as ideias que a temos, de meticulosamente alcançar nossa fantasia. Descobrimos o provincianismo europeu. Por exemplo, os britânicos não leem os franceses. Obviamente, isso não se vê daqui, porque lhes atribuímos uma universalidade. Mas somos menos provincianos neste continente: lemos tudo o que nos chega, e sob o princípio da seletividade de que tudo é útil de acordo com as emergências sociais. Assim, temos a sorte de saltar vários modismos, porque chegaram tarde ou porque parecem vir de outro mundo, e de nos treinarmos numa liberdade combinacional. Na defesa da tese da lógica da rebelião, ela esclarece que: Foi da adoção da apropriação reformista por parte da geração 'pluri-multi' de intelectuais, que convenceu-me das capacidades retóricas das elites e da sua enorme flexibilidade para superar a culpa colectiva e transformá-la numa matriz de dominação que renova assim a sua dimensão colonial. No que se refere à etnografia do duplo vínculo, ela explica: Reinventei a praticidade deste conceito explorando seu poder alegórico e epistemológico. Pragmaticamente, ch'ixi é a ovelha manchada, o sapo manchado, a cobra manchada. É um descritor, uma palavra-chave; no entanto, a sua dimensão mais abstrata e filosófica não foi desenvolvida e isto porque após o assassinato dos amawt'as e yatiris na época colonial, a língua foi empobrecida pelas traduções realizadas por padres como Ludovico Bertonio (1557-1625) e Domingo de Santo Tomás (1499-1570), que expurgaram conceitos e ideias aimarás que lhes eram incompreensíveis, retirando posteriormente o potencial filosófico das línguas indígenas. Por fim, ela defende que: Temos que produzir pensamento a partir do cotidiano...

 

ITINERÁRIO, MAURO MOTA

Não ficaram na mudança nem o pé de sabugueiro e o cheiro dos cajás, \ os passos da mão no corredor, a noite, \ o medo do papa-figo, as sombras na parede. \ a casa inverte a missão domiciliar, sai da rua. \ a casa agora mora no antigo habitante.

Poema Mudança, extraído da obra Itinerário (José Olympio, 1983), do poeta, jornalista, professor e memorialista Mauro Mota (1911-1984). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

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O livro Sinais gráficos: ortografia da Língua Portuguesa (Ideia, 2022), da professora Edilene Maria Oliveira de Almeida. Veja mais aqui e aqui.

 

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segunda-feira, maio 20, 2024

JUDITH SCHALANSKY, TRIIN PAJA, ANNA LEMBKE, VCA & CRÔNICA NA ESCOLA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Morning Star (2021), Beethoven: Piano Sonatas nº 3 in C Major, Op. 2 & nº 16 in G Major, Op. 31 (2021), Salut d’Amour (2022), Colours of Villa-Lobos (2022), Mozart: Sonatas for Piano and Violin, Vols. 1 & 2 (2021-2023), Clair de Lune (2023), Brazilian Fruits (2023) & Corbani: Tarde de Outono & Other Songs (2024), da pianista e professora do Uzbequistão, Olga Kopylova, da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e fundadora dos conjuntos Sexteto São Paulo e Duo Kopylova & Rakevich.

 

NONSENSE: CADEIRA VAZIA... - Entre, venha para a audição de Elis cantando Lupicínio: ... Vou te falar de todo coração \ Eu não te darei carinho nem afeto \ Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto\ Pra te alimentar, podes comer meu pão... Venha, aqui poltronas e sofás vazios, fique à vontade. Por aí quantas pessoas e cadeiras vazias sem que um outro saia do fantasioso pro agoraqui empático que foi pro beleléu!... É isso aí. Tenho comigo o pavor dos acrófobos! Afinal, como já dizia Prabir Purkayastha: A bomba que ainda paira como uma espada de Dâmocles sobre nossas cabeças... Quem ileso aos pânicos, temores e interdições: as ameaças veladas, o desespero de invariavelmente correr riscos, a angústia das feridas, a inaptidão de lidar com os traumas da infância e experiências aversivas, as surpresas paralisantes, os pavores causados por eritrófobos psicopatológicos, afora a sujeição às dagora: Gaming disorder, nomofobias, phubbing, síndrome do texto fantasma, cibercondria, depressões, toques, dependência digital, et céteras... há sempre a boca seca, o frio na barriga, o chão fugindo aos pés, a vertigem, a sudorese, a taquicardia, as pernas fraquejantes e, o pior, como lidar com essa dor, ah... O medo nos protege e nos flagela: as advertências e a analgesia danosa. O risco das escolhas, a fuga e os revezes, a sobrevivência. Como ter calma se ouço Alice Munro: A felicidade constante é a curiosidade... As pessoas estão curiosas. Algumas pessoas são. Eles serão levados a descobrir coisas, mesmo coisas triviais... Da minha parte: enfrentei o desconfortável e nomeei meus demônios. Cônscio das minhas fraquezas, ciente da minha natureza: minha biografia prejudicada diante de tudo isso. E a constatação de Jacqueline Woodson: As pessoas vão te julgar o tempo todo, não importa o que você faça... Não se preocupe com as outras pessoas. Preocupe-se com você... Isso eu sei: não nos deixarão em paz para reconstruir, nunca! A cada degrau pro palco há sempre um monstro inexorável pronto pro ataque! Quem tem medo de cair não pule; quem teme voar, não ande; quem se apavora ante o iminente, não saia; aonde quer que vá, ambientes sombrios por aí e déjà vu. Muitos! Quem capaz de lucidez sóbria nestes dias tão agitados: passou da hora, estou pra lá de atrasado. Impossível não prever: é inevitável rever o monstro sob a cama todas as noites! Quem da chuva não se molha, quando fantasmas indesejáveis saltam das hestórias funestas e fake news: eles ganham cada vez mais vida pelas ruas diárias... A vida abre e fecha o fole da sanfona existencial: estamos por um triz! Tudo por fazer no meio dessa disforia nosense: o enigma se repete a cada dia. Urge fazer já alguma coisa, o que for que precise ser feito. E já! Saí do lugar e, quando voltei, mantive o olhar de fora: a mais plena gestalt e ataraxia. Pronto. E sei: as crianças que virão, com certeza, precisarão viver! Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

ENTRANDO – Eu li como velas feitas de gordura humana \ Brilha mais brilhante, como tudo \ pode ser visto nessa luz, \ - A fome, tu.\ Lembre-me e esqueça-me da sua cara. \ Pode ser o que Enheduanna, \ Sacerdotisa da lua suméria, \ escreveu: \Meu rosto lindo é pó . \ Um rio canta perto do seu túmulo. \ Eu te digo de um homem \ Envolvendo seu corpo no jornal \ antes de vestir roupas. \ Ele falou de uma parede de cozinha bombardeada, \ Mulheres atingidas pelo vidro ao dar à luz. \ Em Belgrado, a maioria tem histórias de guerra. \ em Sarajevo, é mais frio sob um céu \ cortado por minaretes \ , mas as mulheres também sabem como manter o solo \ para a colheita \ e o enterro.\ Eu falo com você, mas talvez você tenha se tornado \ um distante apága da costa, \ e a praia é você, \ Mas eu sou o mar, \ Sal-templo, dizendo seu nome \ embora não seja pérolas na concha do meu ouvido.

EM VEINHO DE VEINAR - a cama, estreita como um caixão, \ Crea como um cisne manso \ Quando eu acordo, \ faminto, durante a noite. \ Eu colho uvas da vinha \ com as abelhas que se foram delirantes \ de uma fruta podre. \ abaixo de uma folha, um inseto quiescente \ Os sonhos \ de quando era líquido \ em seu jade chrysalis, uma memória \ como impossível como a minha chegada: \ um pão lamacento em casa da mãe \ Mãos de magnínias. \ Eu pergunto, como as abelhas, \ Se a memória é sempre arruinada. \ se sob este chamfron de \ a maturidade, \ de maneiras, \ Eu ainda sou uma criança estupidamente generosa, \ um animal amaldiçoado\ Espreita nas videiras \ com a minha alegria surpreendente: o meu desejo de viver.

Poemas da premiada poeta da Estônia, Triin Paja, autora da obra Nõges (Verske Raamat, 2018), entre outros livros.

 

INVENTÁRIO DE PERDAS - [...] Meus princípios orientadores são: leia tudo o que pode ser lido. Coloque gosto com gosto e guarde tudo o que leu. Anote apenas fatos, conhecimentos que possam ser verificados. Sempre que possível, mantenha os fenómenos separados das regras estabelecidas e comece sempre pelo geral e trabalhe no sentido do individual. Porque o que está fora sempre aponta para o que está dentro. Você pode deduzir mais sobre minha essência do meu quarto do que do meu pulmão ou do meu coração. Isso porque o externo e o interno andam juntos, assim como os órgãos sexuais externos do homem e os internos da mulher são duas variantes da mesma coisa. E assim como o jardim é meu domínio, a casa passará a ser sua. Você verá que às vezes o interior e o exterior estão desequilibrados. Mas no verão a sombra dos castanheiros e as descobertas da ciência podem ajudar no calor, enquanto no inverno a filosofia pode ajudar no frio. Às vezes, no inverno, tenho que sair para me aquecer na neve. Uma bolsa de água quente pode salvar vidas. Se você colocar no fogão evita ter que adicionar água quente. Eu costumava ter uma garrafa de água de metal plana e curva para colocar aos pés. Hoje em dia uso uma mamadeira própria e seguro no local sensível entre as pernas, pois é a melhor forma de fazer o calor circular. [...] No final, tudo o que resta é simplesmente o que resta. [...] A cesura da morte é o ponto onde começam o legado e a memória, e o lamento é a fonte de cada cultura pela qual procuramos preencher o vazio agora escancarado, o silêncio repentino com cantos, orações e histórias em que o ausente é trazido de volta Para a vida. Como um molde oco, a experiência da perda torna visíveis os contornos da coisa enlutada, e não é incomum que ela seja transformada pela luz transfiguradora da dor em objeto de desejo. [...] Uma memória que retivesse tudo não reteria essencialmente nada. [...] Esquecer tudo é ruim, certamente. Pior ainda é não esquecer nada. Afinal, o conhecimento só pode ser adquirido através do esquecimento. Se tudo for armazenado indiscriminadamente, como acontece nos dados eletrônicos das memórias, perde o sentido e se torna uma massa desordenada de informações inúteis. [...] Durante muito tempo, três pontos seguidos ao longo da linha de base da escrita designaram algo perdido e desconhecido, e depois, em algum momento, também algo inexprimível e inexprimível; não mais apenas algo omitido ou deixado de fora, mas também algo deixado em aberto. Assim, os três pontos tornaram-se um símbolo que convida a pensar a alusão à sua conclusão, imaginar o que falta, um proxy para o inexprimível e o abafado, para o ofensivo e obsceno, para o incriminador e especulativo, para um determinado versão do omitido: a verdade. [...] Meu olhar pousou uma última vez no globo azul-claro. Logo encontrei o local. Bem ali, ao sul do equador, entre algumas ilhas dispersas, esse pedaço de terra perfeito ficava, distante do mundo, tendo esquecido tudo o que sabia sobre ele. O mundo, porém, apenas lamenta o que sabe e não tem a menor ideia do que perdeu com aquela pequena ilhota, embora, dada a forma esférica da Terra, esse ponto desaparecido pudesse facilmente ter sido o seu umbigo, mesmo que não eram as cordas resistentes da guerra e do comércio que os uniam, mas o fio incomparavelmente mais fino de um sonho. Pois o mito é a mais elevada de todas as realidades e – assim me ocorreu – a biblioteca é o verdadeiro teatro dos acontecimentos mundiais. [...] Não importa quantos números e fórmulas descrevam o cosmos, não importa que conhecimento ilumine a sua natureza: enquanto o tempo ainda existir - e quem poderia duvidar disso? - então cada explicação permanece nada mais do que uma narrativa, a história familiar de atração e repulsão, de começo e fim, de surgir e desaparecer, de acaso e necessidade. O universo está crescendo, se expandindo, separando as galáxias; é quase como se fugisse das teorias que tentam capturá-lo. [...]. Trechos extraídos da obra An Inventory of Losses (New Directions Publishing, 2020), da premiada escritora, editora e designer alemã Judith Schalansky, autora da frase: A história nunca está completa... Veja mais aqui.

 

NAÇÃO DA DOPAMINA - [...] A razão pela qual estamos todos tão infelizes pode ser porque estamos trabalhando tanto para evitar sermos infelizes. [...] O paradoxo é que o hedonismo, a busca do prazer pelo prazer, leva à anedonia. Que é a incapacidade de desfrutar de qualquer tipo de prazer. [...] Lições do equilíbrio. 1. A busca incessante do prazer e a evitação da dor levam à dor. 2. A recuperação começa com a abstinência 3. A abstinência apoia o caminho de recompensa do cérebro e com ele a nossa capacidade de sentir alegria e prazeres mais simples. 4. A auto-vinculação cria um espaço literal e metacognitivo entre o desejo e o consumo, uma necessidade moderna em nosso mundo sobrecarregado de dopamina. 5. Os medicamentos podem restaurar a homeostase, mas considere o que perdemos ao medicar a nossa dor. 6. Pressionar o lado da dor redefine nosso equilíbrio para o lado do prazer. 7. Cuidado para não ficar viciado em dor. 8. A honestidade radical promove a consciência, aumenta a intimidade e promove uma mentalidade de abundância. 9. A vergonha pró-social afirma que pertencemos à tribo humana. 10. Em vez de fugir do mundo, podemos encontrar uma fuga mergulhando nele. [...] Recomendo que você encontre uma maneira de mergulhar totalmente na vida que lhe foi dada. Parar de fugir de tudo o que você está tentando escapar e, em vez disso, parar, virar e encarar o que quer que seja. Então eu desafio você a caminhar em direção a ele. Desta forma, o mundo pode revelar-se a você como algo mágico e inspirador que não exige fuga. Em vez disso, o mundo pode tornar-se algo ao qual vale a pena prestar atenção. As recompensas de encontrar e manter o equilíbrio não são imediatas nem permanentes. Eles exigem paciência e manutenção. Devemos estar dispostos a avançar, apesar de não termos certeza do que está por vir. Devemos ter fé que as ações de hoje que parecem não ter impacto no momento presente estão de facto a acumular-se numa direção positiva, que nos será revelada apenas em algum momento desconhecido no futuro. Práticas saudáveis acontecem dia após dia. Minha paciente Maria me disse: “A recuperação é como aquela cena de Harry Potter, quando Dumbledore caminha por um beco escuro acendendo postes de luz ao longo do caminho. Só quando chega ao fim do beco e para para olhar para trás é que vê todo o beco iluminado, a luz do seu progresso. [...] Porque transformamos o mundo de um lugar de escassez para um lugar de abundância esmagadora: drogas, comida, notícias, jogos de azar, compras, jogos, mensagens de texto, sexting, Facebooking, Instagramming, YouTubing, tweeting. . . o aumento do número, da variedade e da potência dos estímulos altamente recompensadores hoje é surpreendente. O smartphone é a agulha hipodérmica moderna, fornecendo dopamina digital 24 horas por dia, 7 dias por semana, para uma geração com fio. [...] Estamos todos fugindo da dor. Alguns de nós tomamos comprimidos. Alguns de nós surfamos no sofá enquanto assistimos à Netflix. Alguns de nós lemos romances. Faremos quase qualquer coisa para nos distrair de nós mesmos. No entanto, toda esta tentativa de nos isolarmos da dor parece apenas ter piorado a nossa dor. [...] Mas há um custo para eliminar todo tipo de sofrimento humano com medicamentos e, como veremos, existe um caminho alternativo que pode funcionar melhor: abraçar a dor. [...] Empatia sem responsabilidade é uma tentativa míope de aliviar o sofrimento. [...] Além da descoberta da dopamina, os neurocientistas determinaram que o prazer e a dor são processados em regiões cerebrais sobrepostas e funcionam através de um mecanismo de processamento oponente. Outra maneira de dizer isso é que o prazer e a dor funcionam como um equilíbrio. Imagine que o nosso cérebro contém uma balança, uma balança com um fulcro no centro. Quando nada está em equilíbrio, está nivelado com o solo. Quando sentimos prazer, a dopamina é liberada em nosso caminho de recompensa e o equilíbrio pende para o lado do prazer. Quanto mais nosso equilíbrio oscila e mais rápido ele oscila, mais prazer sentimos. Mas aqui está o importante sobre o equilíbrio. Ele quer permanecer nivelado! isto é, em equilíbrio. Não quer ficar inclinado por muito tempo, para um lado ou para outro. Assim, sempre que o equilíbrio se inclina para o prazer, poderosos mecanismos de autorregulação entram em ação para nivelá-lo novamente. Esses mecanismos de autorregulação não requerem pensamento consciente ou ato de vontade, apenas acontecem como um reflexo. [...]. Trechos extraídos da obra Dopamine Nation: Finding Balance in the Age of Indulgence (Dutton (August 24, 2021), da psiquiatra estadunidense Anna Lembke. Veja mais aqui.

 

ÂNGULO DE ÁGUA & RELÂMPAGO DE GALÁPAGOS

[...] Eis a instável e irredutível palavra \ poética em ato despotencializado \ velhos significados e condenando ao \ inferno fisiológico os sentidos tradicionais. [...]

Trecho do poema Salmos pássaros, extraído da obra Ângulo de água & relâmpago de galápagos (CriaArt, 2024), do poeta e advogado Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

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segunda-feira, maio 13, 2024

ANNA GUAL, KATIÚSCIA RIBEIRO, SILVIA MORENO-GARCIA & NAS DOBRAS DO TEMPO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Mi Alma Mexicana (My Mexican Soul, 2010), Travieso Carmesí (2011), Francis Hime: Concerto para Violão e Orquestra – Ayres: Concertino para Percussão e Orquestra (2011), Schneider: Erdgebunden (2015), Stravinsky: Works for Piano & Orchestra (2015), Olé México (GNP, 2022) e Guy Braunstein: Abbey Road Concerto (EP, 2024), da regente mexicana Alondra de la Parra, diretora da Filarmónica de las Américas.

 

VERS&PROSA DUM POETA D’ÁGUA DOCE... – Um eu não sou, dois é muito mais! Se três quedas eu já levei, quatro vezes deu no escambau. Cinco dias eu penei, seis semanas se passaram. Sete meses um prematuro, oito anos de lapadas no espinhaço. Nove lados de labirintos, só com dez faz martelada... Repenteando qualquer jeito para ver como é que fica. Ih, de popoesiar... Ah, até com um olho só me danava porque sei que o melhor do Dia do Homem é saber que todo dia é Dia da Mulher! E mais porque ouvi Claribel Alegría: A chuva está caindo e as memórias continuam inundando. Eles me mostram um mundo sem sentido, um mundo voraz, mas continuo amando… Ali o domingo era a janela das horas perdidas pelas esquinas das minhas veias que o anedotário deu nas travessas. As mãos desfilavam se soltar e ninguém sabia o chão que pisava porque só se imaginava céu acima de todos. E quando os olhos se tomaram de azuis tudo sangrava e ninguém dava fé porque o vermelho dizia de suores e tormentos. Era como dizia Corita Kent: A vida é uma sucessão de momentos, viver cada um é ter sucesso... Não se menospreze. Seja grande você mesmo... Tudo passava: o trago do cigarro, a cena do close, a efeméride festiva, o gole alcoólico e as desatenções das matas que nem existiam mais por causa das fogueiras desumanas. E os que perderam o dom das estrelas pelo fumaceiro das razões, poderiam, pelo menos, rastrear os sulcos da terra pela chuva dos choros que sequer escutavam. Já dizia Naomi Klein: Num mundo onde o lucro é consistentemente colocado à frente das pessoas e do planeta, a economia climática tem tudo a ver com ética e moralidade... Quem perdeu o amanhã pelos ontens reiterados, não se apiedava: é triste a planta ressequida pela memória jamais irrigada. O fogo me ensinou a cinza e o meu coração era um pássaro que se fez vulcão nascendo um rio. A água era o que vazou entre meus dedos e, meus olhos, as correntezas dos devires. O ar me deu o invisível e tudo era vivo a cada sopro que não sabia onde o fim nem por onde começar. A terra mais que poética inusitada salvou os passos e o pisado na eternidade, nada mais vida e sou a transformação por fogaréus, mais que ubiquidade aérea, mais que gota na inundação do solvente universal, sou chão. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

ESPAÇO-TEMPO – Eu falo a palavra universo em voz alta \ e sei que ao ouvi-la você notará o fascínio \ que transbordou enquanto eu escrevia \ você ouvirá os enigmas da palavra desmoronando meu cérebro. \ Sentirá o registo frenético \ de um batimento cardíaco e de uma respiração encurtada \ por uma revelação do vazio que preenche, \ que abraça zonas mortas. \ Universo. \ Isto não é ciência, isto é puro misticismo \ que não pode ser documentado \ nem com números \ nem com letras. \ A estupidez do ser humano é suficiente para fazer você rir \ sempre se perguntando.

MALDIÇÃO – eu não queria um mapa. \ Queria um facão para me levar \ pela selva, seguindo o inconsciente. \ Quando dizem tarde demais, \ você tem certeza de que não estão exagerando? \ Encontrei uma faquinha \ e acho que poderia cortar as plantas \ que entram em meus olhos, \ que obstruem minha vontade, \ que exaltam contradições. \ Sim, \ eu não queria um mapa. \ Eu queria um Deus dentro de todos.

Poemas da escritora espanhola Anna Gual.

 

GÓTICA MEXICANA – [...] Livros, luar, melodrama. [...] O mundo pode realmente ser um círculo amaldiçoado; a cobra engoliu o rabo e não poderia haver fim, apenas uma ruína eterna e uma devoração sem fim. [...] ela estava presa entre desejos conflitantes, o desejo de uma conexão mais significativa e o desejo de nunca mudar. Ela desejava juventude eterna e alegria sem fim. [...] Poderíamos construir centenas de narrativas diferentes, mas isso não as tornaria verdadeiras. [...] Ela queria ser amada. Talvez isso explicasse as festas, o riso cristalino, os cabelos bem penteados, o sorriso ensaiado. Ela achava que homens como seu pai podiam ser severos e frios como Virgílio, mas as mulheres precisavam ser queridas ou estariam em apuros. Mulher que não gosta é uma vadia, e uma vadia dificilmente pode fazer alguma coisa: todos os caminhos estão fechados para ela. [...] O futuro, pensou ela, não poderia ser previsto e o formato das coisas não poderia ser adivinhado. Pensar o contrário era um absurdo. Mas eles eram jovens naquela manhã e podiam agarrar-se à esperança. Espero que o mundo possa ser refeito, mais gentil e mais doce. [...] Ela era a cobra mordendo o rabo. Ela era uma sonhadora, eternamente presa a um pesadelo, de olhos fechados mesmo quando seus olhos viraram pó. [...]. Trechos extraídos da obra Mexican Gothic (Del Rey, 2020), da escritora e editora mexicana Silvia Moreno-Garcia.

 

MULHERISMO AFRICANO – [...] Ampliar as possibilidades de estudos e pesquisas que possam reescrever a história da própria filosofia, inserindo outros protagonistas em seu legado – os agentes da filosofia africana. Incorporar epistemologias com responsabilidades afrocêntricas, pautadas na agência do povo africano e sobretudo trilhar e possibilitar uma efetiva descolonização do pensamento. Dessa forma, a ideia de uma educação que integre a população africana nas ementas escolares, fazendo uso da teoria de eliminar o racismo em sala de aula, abolindo práticas docentes que por vezes reforçavam dores com a figura subalternizada dos africanos na condição de escravo, criando no imaginário social das crianças a inferiorização desses povos. Isso pode ser eliminado ao reconhecer o lugar de fala e o papel importante que os negros ocuparam na história, desenvolvendo uma sociedade capaz de dialogar e enriquecer a partir do conhecimento e incorporação de suas diferenças. Nesse sentido, as diferenças precisam ser vistas como positivas já que estruturam a tese de uma sociedade plural, a pluralidade é composta pelas diferenças, possibilitando a oportunidade para os ensinamentos de trocas que constituem o olhar sobre o que é ser sujeito de sua própria história pautada na sua agência. [...]. Trecho extraído do estudo Kemet, escolas e arcádeas: a importância da filosofia africana no combate ao racismo epistêmico e a Lei 10639/03 (Cefet/UFRJ, 2017), da filósofa Katiúscia Ribeiro Pontes.

 

NAS DOBRAS DO TEMPO

[...] Hermilo Borba Filho disse que palavrão era amor e amor era poesia. [...] A pesquisa transformou minha vida num pesadelo. Recebia cartas, telefonemas. Dava entrevista pelo telefone. Em casa, atravessava as madrugadas relendo, dinamicamente, mais de uma centena de romances brasileiros à procura de abonações capazes de complemente e solidificar o verbete. [...] O Dicionário do palavrão e termos afins foi um pesadelo na minha vida. Um pesadelo que deu certo. [...].

Trecho da crônica O dicionário do palavrão – um pesadelo que deu certo, extraído da obra As dobras do tempo – quase memórias (20+20 Comunicação, 1995), do folclorista e etnólogo Mário Souto Maior (1920-2001). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

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