quinta-feira, outubro 31, 2019

DRUMMOND, ALFONSINA STORNI, KASIA DERWINSKA & DURVAL CUNHA


ALFONSINA FOI DORMIR – Vestida de mar, ela chegou com o fulgor da nudez de sua aura, deitou sua fronte ao meu ombro e as frações de si na voz de arrabalde em ondas esmaecidas, debulhando lembranças ao meu ouvido. Desfiava memórias de Sala Capriasca que quase não viu, de San Juan Entre um par de valises entreabertas e o ponteiro do relógio, as desgraças da cidade, os desamores intermitentes que gotejavam imprecisos, o império de sua aspiração reacendendo feridas entre sargaços e maresia. O seu jeito geminiano de quem se achava feia, redonda e de nariz achatado, escondia a beleza na face corada, tímida e encolhida sobre o meu peito, a me contar do primeiro livro roubado e do estremecimento conjugal: a mãe acamada com sua voz de soprano entre leituras e música, os delírios do pai com a sua inexplicável melancolia. Era o seu descenso sem bússola, a situação de abandono com a ruína em Rosario, as dores de mãe solteira descartada, datilógrafa, normalista, costureira, até seus primeiros versos, La inquietud del rosal. A melancolia com a morte do pai, fez com se voltasse operária, valendo-se do bom humor e engajamento anarquista das reivindicações sociais. Sobravam descompassos e era a vez da atriz, uma professorinha rural nos palcos e o comitê das feministas de Santa Fé, seu filho no colo e as reuniões de Nosotros para o escândalo da lírica confessional – La loba, La muerte de la loba e El hijo de la loba. Ah, Ina – só eu a conhecia assim nua enquanto minha– na sua autocomiseração de El dulce daño, a cantilena erótica Tú me quieres blanca e as confissões amorosas. E me beijava demoradamente com o sal dos lábios transpirando a caricia iminente de suas descomedidas ambições. Ao se refazer, as vastidões do seu rugido oceânico, destilava a graciosa leveza no instante da poesia a me recitar Irremediablemente: Hombre pequenito enquanto se dava na Vida Femenina pelos direitos da mulher e das crianças. Respirava profundamente, resfolegava e olhava fundo em meus olhos: Hablo conmigo. Eu acariciava o seu rosto, sentia sua pele febril e o meu toque eram pinceladas na sua eriçada epiderme, e me dei ao sabor dos seus gestos sensuais jubilosos na emboscada do seu afago e a sua boca repleta de precipícios delirantes a declamar Languidez e o que estava ao seu redor. Misturava o riso contido às lágrimas que escorriam de La carta ao Padre Eterno, Oh, Ina, Tao-Lao dos Bocetos femininos, o seu mordaz dote humorístico e os saraus de Buenos Aires. Eu sabia, El amo del mundo & Dos farsas pirotécnicas, Ocre & Fiesta, La ronda de las muchachas, as auto-parodias, a festa da poesia e os Poemas de amor. Oh, Ina de La mujer bella, tão bela para mim como o Rio da Prata e o cenário uruguaio de suas rememorações. Falava comovida do suicídio do poeta e dos achegados, o Mundo de siete pozos, o transe dos antissonetos herméticos de Mascarilla y trébol, e me disse que eu era Retrato de un muchacho que se llama Sigfrido e eu não era ele e ela nua em mim no Ecuación para que eu lhe fosse Uno no seu vasto prazer de cortesã umedecida na paisagem da minha alcova, ao encalço do milagre inquieto do meu vigoroso falo, a paixão indivisível e enovelada nos meus guturais arroubos agitados na maré do seu gozo e nos sufocávamos de extremo prazer enquanto acossada pela obsessão marítima. Havia o veneno do desengano e o aniquilamento que precisava extirpar no último ato que nos servimos do facho de desejo carnal de poesia e sexo. A vida então valia a pena, uma vida apenas não seria suficiente para nós que implodíamos e nos confundíamos em beijos e pernas e abraços e gozos e almas ávidas de prazer. Não sabíamos aos poucos, não, tudo de uma vez, aos montes e muito mais além de medidas, contagens, excessos e queda livre. Do que eu era ou poderia ser, não seria assim a vida sem amor. E ela não culpou ninguém no remanso da solidão de suas dores pavorosas. Beijou-me, despediu-se: Voy a dormir. E se lançou ao mar: o golpe do punhal na sua carne amante. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: QUANDO CHEGUEI À VIDA - Vela sobre minha vida, meu grande amor imenso. / Quando cheguei à vida trazia em suspense, / na alma e na carne, a loucura inimiga, / o capricho elegante e o desejo que açoita. / Encantavam-me as viagens pelas almas humanas, / a luz, os estrangeiros, as abelhas leves, / o ócio, as palavras que iniciam o idílio, / os corpos harmoniosos, os versos de Virgílio. / Quando sobre teu peito minha alma foi tranquilizada, / e a doce criatura, tua e minha, desejada, / eu pus entre tuas mãos toda minha fantasia / e te disse humilhada por estes pensamentos: / -Vigiai-me os olhos! Quando mudam os ventos / a alma feminina se transtorna e varia… UM DIA - Você anda por esses mundos como eu; não me diga / Que você não existe, existe, devemos nos encontrar; / Nós não nos conheceremos, disfarçados e desajeitados, / Nós caminharemos pelas estradas largas. / Nós não nos conheceremos, distantes um do outro / Você sentirá meus suspiros e eu te ouvirei suspirar. / Onde será a boca, a boca que suspira? / Nós diremos, a estrada retornando para refazer. / Talvez nos encontremos cara a cara um dia, / Talvez nossas fantasias possam ser removidas. / E agora eu me pergunto… Quando isso acontece, se acontecer, / Eu vou saber sobre suspiros, você vai saber como suspirar? Poemas da poeta, atriz, jornalista, dramaturga, feminista e professora argentina de origem suíça Alfonsina Storni (1892-1938), autora de obras como La inquietud del rosal (Librería de la Facultad, 1916), El dulce daño (Cooperativa, 1918), Irremediablemente (Cooperativa, 1919), Languidez (Cooperativa, 1920) Ocre (Babel, 1925), Poemas de amor (Nosotros, 1926), Mundo de siete pozos (Tor, 1934), Mascarilla y Trébol:-círculos imantados (Imprenta Mercatali, 1938). Aos 19 anos de idade converteu-se em mãe solteira e criou o seu filho sem um companheiro, algo rejeitável para a época, o que não a impediu de se tornar a primeira mulher reconhecida entre os melhores escritores naquela época. Em 1938, depois de um longo período de andanças entre poemas, homens, luta e solidão, Alfonsina deu os seus últimos passos nas areias da praia do Mar del Plata, Buenos Aires, para entregar-se ao mar e nunca mais voltar. Sobre ela encontrei uma dissertação de mestrado Alfonsina Storni: uma voz de arrabalde (UFSC, 2001), de Áurea Salete Moser Nunes. Também o filme biográfico Alfonsina (1957), dirigido por Kurt Land e escrito por José María Fernández Unsáin, contando sobre sua vida, desde ondas quebrando ameaçadoramente à beira-mar, acompanhadas pela poesia de autora, o anúncio de sua doença, tudo com uma uma atmosfera romântica.

O FLAGRANTE
[...] LEOPOLDO O importante é essa estória morrer aqui! O Doutor Camargo Pontes, meu patrão, é um neurótico. Tudo pra ele mancha a imagem da empresa. DELEGADO PAIXÃO Seria por causa da câmera do celular? O lance do Antonino? LEOPOLDO (Assustado) Como assim câmera? (Toca o celular dele) [...] (Desliga o telefone) Doutor Paixão o senhor poderia me emprestar sua arma um minuto? DELEGADO PAIXÃO É evidente que não! Vai matar a mulher na minha frente? LEOPOLDO Não é pra isso... eu vou me matar... [...] LEOPOLDO (Ar de lunático, de maluco). Delegado Paixão... o senhor me empresta sua arma? DELEGADO PAIXÃO (Sacando a arma pra se proteger da mulher com a faca) Deixe as ideias suicidas pra depois! Tem uma louca vindo aí! LEOPOLDO (Indo em direção ao delegado pra tomar sua arma) Não é suicídio. EU VOU MATAR ESSES DOIS! Os outros correm pelo palco apavorados enquanto Leopoldo tenta tirar a arma do delegado Paixão, Delmiro aponta o revólver para o lado onde vai entrar a louca com a faca. DELEGADO PAIXÃO (Tentando se desvencilhar de Leopoldo) Me ajude Delmiro! Delmiro! DELMIRO (De arma em punho apontando para fora de cena) Não dá! A doida entrou! A doida entrou! No embate com Leopoldo, Delegado Paixão dá três tiros pro alto. Os outros gritam e correm em pânico de um lado pro outro. Caos total. Baixa o pano.
O FLAGRANTE – Trecho da peça teatral O flagrante, do dramaturgo Durval Cunha, que trata de um adultério que vira um caso de polícia, com os personagens e tendo como personagens o delegado Paixão, o inspetor Delmiro, Isis, Leopoldo, Antonio Carlos, Maria Auxiliadora e pastor Silas. Veja mais aqui.

A ARTE DE KASIA DERWINSKA
Não gosto de me definir como artista. Eu sempre digo que todos nós somos artistas. Acredito que cada pessoa nasce com capacidade ou talento em determinado campo de atividade e com muito trabalho, consequência e envolvimento real, pode alcançar a arte em qualquer disciplina ou em qualquer outro campo profissional. Se vier ao meu trabalho, prefiro me definir como contador de histórias. A fotografia é a minha maneira de me comunicar com o mundo. No meu trabalho, falo sobre experiências próprias, pensamentos, dúvidas, medos e esperanças, tentando refletir o caminho da minha própria vida. Além das minhas experiências, minhas criações são inspiradas nos sonhos noturnos, pois desde a infância me lembro da maioria delas e acredito que os sonhos são a linguagem mais simbólica do nosso subconsciente, um guia para navegar no mundo moderno. Sou autodidata e não me reconheço como fotógrafo. Uso a fotografia como ferramenta, como um pincel para pintar ou qualquer outro instrumento para tocar música. Meu trabalho é uma tentativa de conectar a substancialidade do mundo que nos rodeia com a evasão de sentimentos e pensamentos. Por esse motivo, descrevo minhas criações como construindo uma ponte entre o visível e o invisível.
KASIA DERWINSKA – A arte da fotógrafa e artista visual polonesa Kasia Derwinska, que desenvolve um trabalho expresso através da fantasia do surrealismo. Veja mais aqui.

A OBRA DE DRUMMOND
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas. Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.
DRUMMOND – A obra do poeta, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) aqui & aqui.
 

quarta-feira, outubro 30, 2019

ADALGISA NERY, INÊS BOGÉA, HALBWACHS, BETTY MIDLIN & AMIGOS DA BIBLIOTECA


OS TANTOS E MUITOS BRASIS – Não há um Brasil só, muitos: o do Norte, o do Nordeste, o do Sul & do Sudeste, o do Centro Oeste; e o de Pindorama que foi e é sempre preado, arrevirado, cagado e dizimado. Há o Brasil dos que pagam todos os patos e contas; o dos Fabos que são vítimas e carrascos de todos os demais e que se ajeitam pela subserviência e transitam nos propinodutos perenizados pela corrupção; e, também, o dos absortos quase desconectados com seus umbigos no presente e que não estão nem aí para quem pintou a zebra e só querem ver o circo pegar fogo. Também o Brazil dos que queriam que fosse noutro lugar (na Europa ou nos USA, por exemplo) e que deveria ser grafado “z” e não com “s”, que são aqueles que tiram daqui para se esbaldar lá fora, só na exploração e cavilação de botar pra ferrar nos que são bestas – como eu - que não podem sair daqui nem dali nem ir pra nenhum outro lugar porque não tem onde cair morto. Há ainda o Brasil das duas Histórias: a oficial que parece – só parece! - paradisíaca, ricaça e cheia de heroísmo, pacifismo, perfumaria e mentiras escondidas em baixo do tapete; e a outra verdadeira escondida e aos cochichos, porque envergonha e ninguém se lembra dela feudal e oligárquica, golpista, desumana e só pro compadrio, carregada de sangue, injustiça, safadeza, carteiradas e blefes. Há muitos outros e tantos que não me deixam mentir: é só sair por aí que dará de cara com cada um tão diferente de outros. Todos esses Brasís são o mesmo Brasil que ninguém leva sério e só serve pra piadas no mundo inteiro por suas anomalias, contradições e paradoxos: o do Fecamepa, o do Big Shit Bôbras da esculhambação na maior zona geral; o do Hino – que ninguém sabe cantar – e da Bandeira que tripudia e só tem Ordem e Progresso no nome. Todos esses Brasis são um só e que faz parte dos quase 200 milhões e lá vai tampão de Brasís que pipocam aos tantos para ser muitos e quase nenhum. Esse o verdadeiro Brasil de zis Brasís. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] É bem verdade que em cada consciência individual as imagens e os pensamentos que resultam dos diversos ambientes que atravessamos se sucedem segundo uma ordem nova e que, neste sentido, cada um de nós tem uma história. [...] Quantas pessoas têm espírito crítico suficiente para discernir no que pensam a participação de outros, e para confessar para si mesmas que o mais das vezes nada acrescentam de seu? Às vezes ampliamos o círculo de nossas amizades e de nossas leituras, reconhecemos o mérito de um ecletismo que nos permite ver e conciliar os diferentes aspectos das coisas; mesmo assim, muitas vezes a dosagem de nossas opiniões, a complexidade de nossos sentimentos e gostos é apenas a expressão dos acasos que nos puseram em contato com grupos diversos ou opostos, e nossa parte, em cada modo de ver é determinada pela intensidade desigual das influências que eles exerceram em separado sobre nós. [...] a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada [...].Quantas vezes expressamos com uma convicção que parece muito pessoal, reflexões tiradas de um jornal, de um livro, ou de uma conversa! Elas correspondem tão bem à nossa maneira de ver que nos espantaríamos descobrindo quem é seu autor, e constatar que não somos nós. ―Já havíamos pensado nisso –não percebemos que somos apenas um eco. [...] A história é a compilação dos fatos que ocuparam maior lugar na memória dos homens. No entanto, lidos nos livros, ensinados e aprendidos nas escolas, os acontecimentos passados são selecionados, comparados, classificados segundo necessidades ou regras que não se impunham aos círculos dos homens que por muito tempo foram seu repositório vivo. [...] Em geral a história começa no ponto em que acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social. Enquanto subsiste uma lembrança, é inútil fixá-la por escrito, ou pura e simplesmente fixá-la. A necessidade de escrever a história de um período, de uma sociedade e até mesmo de uma só pessoa desperta quando elas já estão bastante distantes no passado, para que ainda se tenha por muito tempo a chance de encontrar em volta diversas testemunhas que conservam alguma lembrança. [...]. Trechos extraídos da obra A memória coletiva (Vértice, 2006), do sociólogo francês Maurice Halbwachs (1877-1945). Veja mais aqui.

TERRA GRÁVIDA: O COMEÇO DO MUNDO, ORIGEM DOS HOMENS
Foram dois companheiros, Kawewé e Karupshi, que nos receberam na terra, que saíram à procura dos homens e acabaram por nos encontrar. Nesse tempo não havia mato, nem gente nem fogo, nem água, só eles dois. Kawewé e Karupshi eram sozinhos no mundo. Não havia mais ninguém, onde não havia sol, onde sofríamos sem a luz do dia. Foi assim que aconteceu. Kawewé estava nos procurando e Karupshi, seu companheiro, disse: - Estamos com fome! Que vontade de comer carne, comida! Kawewé respondeu: - Nosso avô tem casa aqui perto, nosso avô Beretxé Noti, o Morcego Antigo. Vamos lá comer. O avô deles era o Morcego, Beretxé. Nesse tempo, o morcego era gente.
TERRA GRÁVIDA – Extraído da obra Terra grávida (Rosa dos tempos, 1999), da antropóloga e economista Betty Midlin, que também é autora do livro Moqueca de Maridos (Rosa dos Tempos, 1997). Veja mais aqui.

A ARTE INÊS BOGÉA
Para nós é uma alegria contribuir para a educação para a dança no país. Nossa proposta é mostrar como essa arte pode ser um elemento educativo e sensibilizador.
INÊS BOGÉA – A arte bailarina, documentarista, escritora, crítica e professora Inês Bogéa, autora dos livros Contos do balé (Cosac & Naify, 2007), apresentando cinco contos do balé clássico, A menina mal olhada, Giselle, Coppélia, O lago dos cisnes e Petrouchka, que são histórias sobre uma menina que fugia para namorar, uma moça que voltou de outro mundo, um homem que se apaixonou por uma boneca, uma mulher que virou cisne e uma marionete apaixonada, além de um capítulo sobre o desenvolvimento da dança clássica ao longo do tempo: as origens cortesãs, os balés romântico e acadêmico, as mudanças do século XX, bem como notas biográficas sobre importantes personagens da dança, como Anna Pavlova, Vaslav Nijinsky e Marcia Haydée; e Outros contos do balé (Cosac & Naify, 2012), um giro por mais cinco espetáculos do balé clássico, coreografias dançadas nos palcos, personagens guardam desejos e mistérios, cada montagem e o cenário, luz, figurinos, bailarinos, afora curiosidades, informações históricas, dados sobre os compositores, figurinos e dançarinos. A autora ministra a palestra A Escrita da Dança, em que aborda a história da dança cênica ocidental em suas principais vertentes, clássica, moderna e contemporânea, procurando mostrar as diferentes maneiras pelas quais o corpo se organiza no espaço e a interrelações entre os estilos cênicos. Veja mais aqui e aqui.

A OBRA DE ADALGISA NERY
Eu já te amava pelas fotografias.
Pelo teu ar triste e decadente dos vencidos,
Pelo teu olhar vago e incerto
Como o dos que não pararam no riso e na alegria.
Te amava por todos os teus complexos de derrota,
Pelo teu jeito contrastando com a glória dos atletas
E até pela indecisão dos teus gestos sem pressa.
Te falei um dia fora da fotografia
Te amei com a mesma ternura
Que há num carinho rodeado de silêncio
E não sentiste quantas vezes
Minhas mãos usaram meu pensamento,
Afagando teus cabelos num êxtase imenso.
E assim te amo, vendo em tua forma e teu olhar
Toda uma existência trabalhada pela força e pela angústia
Que a verdade da vida sempre pede
E que interminavelmente tens que dar!..
ADALGISA NERY – A obra da poeta e jornalista do Modernismo brasileiro, Adalgisa Nery (1905-1980) aqui & aqui.
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AMIGOS DA BIBLIOTECA
Realizou-se nesta terça, dia 29/10, mais uma reunião da Comissão Provisória dos Amigos da Biblioteca, na qual estiveram presentes João Paulo Araújo, Epifânio Inácio Bezerra Neto, Ghugha Távora, Iolanda Dayo, Demilton Emanoel da Rocha Leão, Fernando Sebastião Alves e Ricardo Cordel. Inicialmente foram repassados os objetivos da instituição e o que já foi debatido nas reuniões anteriores sobre a minuta estatutária, dos associados, direitos e deveres, assembleias gerais e diretoria executiva, dos Conselhos Administrativo e Fiscal, do Patrimônio e das disposições transitórias. Concluídos os debates acerca da minuta estatutária, marcou-se para o dia 09 de novembro, às 14 horas, na Biblioteca Pública Fenelon Barreto, a data da Assembleia Geral para aprovação do estatuto, eleição das diretorias e núcleos, e dos Conselhos Fiscal e Administrativo. Veja mais aqui e aqui.
 

terça-feira, outubro 29, 2019

CHIQUINHA GONZAGA, TRUFFAUT, MICHÈLE PETIT & ARMAN


O SONHO DE CHIQUINHA – Sei você em mim que sou desde lá de antes às voltas com o pai militar que escolheu seu marido desesperado por não gostar de música e a mãe escrava cuidava da sinhazinha, dama de salão inquieta e determinada, rebelada pelo divórcio perpétuo, sua maldição familiar, condenação moral, desgostos pessoais. Quase mata o general do coração por não ser uma dada da corte, porque voluntariosa, namoradeira, avessa aos salões e a materna aos cuidados com a afilhada do duque pelas rodas de lundu e umbigada, até ser expulsa de casa com a natalina Canção dos Pastores. Sei você em mim pela Rua do Ouvidor na companhia de boêmios, menina levada pela Confeitaria Colombo com a Nair de Tefé e a vida na Guerra do Paraguai, ah, publicamente execrada e aos invejosos o preconceito de seguir sozinha, de porta em porta, quem queria comprar partituras no passeio pela Riachuelo, a alma de cigana pela Praça Tiradentes, às baforadas para falação, fumante a pulsar pelas ruas de Santa Teresa, São Cristóvão, Tijuca, Vila Isabel e no meu coração que sorria nas nuvens seus dotes revelados. Sei você em mim e o choro Sabiá na Mata, uma centena de violões e A Filha do Guedes na frente da orquestra, pela liberdade de escravos e fim da monarquia, firme transgressora e sem desistir de nada, porque enamorados a gente seguia persistentes pelas Rosas de Ouro, mesmo você rechaçada e todas as portas fechadas, ai de mim e de nós, a gente só queria se amar e Caramuru comprou a alforria da flauta e a coragem para a opressora vizinhança e eu na sua luta pela liberdade sem confins. Sei você em mim com suas formas esbeltas na paixão que não enxerga um palmo além do nariz, nem mais nada na vida, senão o amor pelo Passeio Público de mãos dadas, ouvindo aquela da Camila e a Festa de São João, o fracasso e as rejeições, o engajamento e eu ao seu lado porque o piano nu era sua alma nua e eu só queria que seu coração ubíquo de Atraente ventasse um pouco mais para minha banda e a gente fosse ao Forrobodó ou A corte na roça, e a Confederação Libertadora para quem não tinha voz, enquanto nos dávamos no escuro, exilados do mundo, só sabendo de nós dois, nada mais. Sei você em mim e suas desilusões amorosas, ousou tanto, quanta audácia, coragem determinada, a reputação em frangalhos e dona do próprio nariz, Cubanita, Sultana, Falena, era Manhã de amor na modinha em que você raiava nua nos meus braços de amanhã e a gente podia incendiar a madrugada com a nossa exumação, sem que houvesse qualquer forma de jamais nos perder das mãos e olhos de tantos quereres. Sei você em mim, a exploração abusiva de seu trabalho e A brasileira Machuca do jeito que se gosta, castigando tudo por polcas e o teatro musicado, a gente inventando tangos brasileiros e o idílio das nossas canções, valsas e habaneras, fados e baladas, modinhas e mazurcas, dobrados e duetos, serenatas e peças sacras, até Maria, Juriti. Sei você em mim enquanto a gente dançava nus na sala do paraíso onírico, os Passos no choro, e a gente se amava impunes sobre a mesa exposta e em cada canto a pleno vapor, a saudar o Corta-jaca (Gaúcho) escandaloso num tango para ajeitar você só para mim e minha, a me dizer baixinho, Plangente, Te amo, com A chinelinha do meu amor rondando o espaço que era todo azul no nosso sonho mais que verdadeiro e era você linda e nua A Lua branca para que As pombas dos meus beijos pousassem felizes na sua carne despida e ventre flamejante de felicidade verdadeira. Sei você em mim enquanto as portas eram arrimos pro ósculo dos corpos colados e a promessa de me adotar companheiro eterno, quando anoitecia no meio da tarde e do dia, tempo algum nem espaço o que era um castelo e a gente se aninhando só pra sermos felizes, porque nunca me importei com seus passados e futuros amantes, nunca! Nem com a desarrumação da casa, a improvisão de tudo. Abri todas as alas do meu coração para você desfilar exuberante e intensa protagonista em busca do sonho e Pudesse esta paixão nos fizesse um só e para sempre, mas não, findou mesmo assim, você se foi e, apesar de tudo, sobrevive, nua e diluviana, no meu coração. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] A ideia de que a leitura pode contribuir para o bem-estar é sem dúvida tão antiga quanto a crença de que pode ser perigosa ou nefasta. Seus poderes reparadores, em particular, foram notados ao longo dos séculos. [...] Todo ser humano sente, de modo vital, necessidade de ter à sua disposição espaços onde encontrar mediações ficcionais e simbólicas. [...] Tratava-se de um verdadeiro "empreendimento de sobrevivência", em um contexto de clausura familiar e de grande solidão. Em situações de crise, encontram-se tais atos de resistência de homens e mulheres sob várias formas. Eles não economizam meios, não economizam textos — ou, às vezes, imagens — capazes de abrir o horizonte para resistir ao confinamento, aos constrangimentos e às eventuais tentativas dos poderes — políticos, simbólicos ou domésticos — de entravar, estreitar e controlar seus movimentos. Eles se esforçam para salvaguardar um conhecimento próprio e do mundo, para preservar frente e contra tudo um espaço de pensamento, uma dignidade e uma parte de liberdade, de sonho, de inesperado. [...]. Trechos extraídos da obra A arte de ler: ou como resistir a adversidade (34, 2009), da antropóloga e pesquisadora do do Centre National de la Recherche Scientifique, na França, Michèle Petit, que coordena, desde 2004, um programa internacional sobre "a leitura em espaços de crise", compreendendo tanto situações de guerra ou migrações forçadas como contextos de rápida deterioração econômica e grande violência social. Ela possui diversas obras, tais como Os jovens e a leitura (FNLIJ, 2008) e Leituras: do espaço íntimo ao espaço público (34, 2013). Veja mais aqui e aqui.

O CINEMA DE TRUFFAUT
O filme de amanhã será um ato de amor.
TRUFFAUT – Já por diversas vezes aqui destacado, a obra inesgotável do cineasta francês François Truffaut (1932-1984) merece cada vez mais ser trazida à tona. Desta vez, começo pelo drama biográfico L'histoire d'Adèle H. (A História de Adèle H., 1975), que é baseado no diário de Adèle Hugo e o livro de Frances Vernon Guille, contando a história de amor obsessivo e não correspondido da filha do escritor francês Victor Hugo, por um oficial inglês. Em segundo, o curta-metragem Antoine et Colette: L’Amour à 20 ans (O Amor aos Vinte Anos, 1962), contando a história de um jovem adolescente que trabalha em uma fábrica de discos e, durante um concerto musical, é atraído por uma jovem, Colette. Depois de encontro, ele se muda para as proximidades da residência dela, enviando uma declaração de amor, da qual ela não compartilha dos mesmos sentimentos. O terceiro, é o drama La mariée était en noir (A Noiva Estava de Preto, 1967), baseado no livro de William Irish, que conta a história de cinco homens, em um jogo que dá errado, matam o noivo no final de uma cerimônia de casamento, história de uma vingança, lenta, refinada e, especialmente, usando as diferentes visões que os cinco homens carregam na mulher ideal. Todo mundo vai morrer, não de acordo com sua culpa, mas de acordo com sua personalidade. Por fim, o quarto, é o drama La peau douce (Um Só Pecado, 1964), que conta a história de um escritor de renome, ao viajar até á cidade de Lisboapara palestrar sobre Balzac, conhece a hospedeira de bordo, Nicole, por quem fica logo apaixonado. Eles rapidamente envolvem-se, mas como Pierre é casado com Franca e com quem tem uma filha, Sabine, eles mantêm o caso escondido de toda a gente. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A ARTE DE ARMAN
A arte do controvertido escultor e pintor francês ArmanArmand Pierre Fernandez (1928-2005). Veja mais aqui.

A OBRA DE CHIQUINHA GONZAGA
A obra da pianista, compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga – Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) aqui & aqui.
CHIQUINHA GONZAGA – Autora de mais de 2 mil canções e 77 partituras para peças de teatro, ela foi uma dessas mulheres a frente do seu tempo, engajada política em favor da abolição da escravatura e pelo fim da monarquia no Brasil. Amou muitos homens e foi vítima de preconceito e execração pública, tendo, inclusive, no seu último romance com um jovem de apenas 16 anos, adotado como filho para evitar os tantos de escândalos a que foi submetida. Sobre sua vida e obra, algumas publicações merecem destaque, tais como Chiquinha Gonzaga: uma história de vida (Rosa dos Tempos, 2005), de Edinha Diniz; A jovem Chiquinha Gonzaga (Nova Alexandria, 2005), de Ayrton Mugnaini Jr; Mestres da música no Brasil - Chiquinha Gonzaga (Moderna, 2001), de Edinha Diniz; e Chiquinha Gonzaga - Sofri, chorei. Tive muito amor (Nova Fronteira, 1995), de Dalva Lazaroni de Moraes. No cinema, ela foi retratada no filme Brasília 18% (2006), de Nelson Pereira dos Santos e no filme Xangô de Baker Street, de Malu Galli, baseado no livro homônimo de Jô Soares. Foi personagem da minissérie televisiva, Chiquinha Gonzaga, de Jayme Monjardim, pela Rede Globo. Foi tema do carnaval da Mangueira, em 1985, com o enredo Abram alas que eu quero passar e da Imperatriz Leopoldinense, em 1997, com o enredo Eu Sou Da Lira, Não Posso Negar... Em 1999, por meio do Projeto de Resolução 14/1999, foi criada a medalha de reconhecimento Chiquinha Gonzaga, conferida às mulheres que militam em prol das causas democráticas, humanitárias, artísticas e culturais no âmbito da União, Estados e Municípios. Em 2012, no dia em que se comemora o seu nascimento, 17 de outubro, foi oficializado, em sua homenagem, o Dia da MPB.


segunda-feira, outubro 28, 2019

DARCY RIBEIRO, TITANE, JANE BOTALIA NUNES, IZABEL MARQUES & SANTA DYMPHNE, FEARP & PINTANDO NA PRAÇA


O QUE ROLOU? UMA: PINTANDO NA PRAÇA – No último sábado eu saí das minhas atividades livroterápicas & de solidariedade aos chilenos que foram para a rua protestar contra o governo chileno, marcando presença no palco do “Pintando na Praça”. Pintamos na maior! Zé Linaldamigo abriu a festa, como sempre, com o seu carisma & talento de sempre! Arretado, sou fã desse cara! Depois, subi ao palco e lavei a alma cantando a minha Nênia de Abril & outros dedilhamentos trastejados & desafinados, ô, meu, não tomo jeito, mesmo. Pelo menos, para mim, foi um êxtase ver e rever tanta gente, daqui e de fora, coroando de êxito a iniciativa do poetamigo Paulo Profeta. Bão demais descer do palco, presenciar o poetamigo Adriano Sales, quanticamente inspirado, mandar ver na poesia violada; o poetamigo e artesão Zé Ripe encantar a plateia com suas canções de terra e amor; e sair conferindo cada pincelada dos artistas que estavam lá expressando suas ideias pictóricas. Como sempre, o destaque vai para o pintor Isaac Vieira; o imaginauta Ghugha Távora - que fez um cenário improvisadamente lindo e aprontou das suas boas tiradas e traquinadas; a poetamiga Rute Costa com sua leiturada na praça; o poetamigo e pintor paisagista, José Durán y Durán; a conversada com a educadora Sil Neves, poeta Vilmar Carvalho, bibliotecáriamigo João Paulo, a bicicletada engajada de Calheiros e tanta & muita gente nas tendas, passantes e curiosos. E para fechar com chave de ouro o evento, conheci pessoalmente a fotógrafa Natalí Paiva. A festa foi linda, apoteótica. O IbaValeUna & o Funcultura de parabéns! Veja mais aqui. DUAS? SIM, FEARP! BÃO DEMAIS! – Aí, de noite, o paradisíaco momento do Festival de Artes do Engenho Paul, começando pelo aplaudidíssimo monólogo Mulher da Sombrinha, com a atriz Paula Mendes. Depois, recitais de Adriano Sales, Ricardo Cordel e de integrantes do Grucalp. Em seguida, a minha vez de cantar, recitar e contar histórias. Fechando a noite, a banda Os Seres da Mata arrasaram e botaram os presentes para dançar. Outros destaques, a exposição Barrofino, do artista Flávio Rufino e outros integrantes do IbaValeUna, a exposição de artesanatos e o reencontro com o cantor e compositor Ozi dos Palmares. Veja mais aqui. AH, TEM QUE TER A TERCEIRA, ORA SE, LÁ VAI: Ah, essa é boa! Seguinte: o artistamigo dos bons, Rivail Tavares, me fez uma encomenda assim: Ô, Nito, rapaz, quando tu tiver sem fazer nada, cara, faz uma música pra mim, ô? Hehehehehe! Tem amigo safado quem pode. Topo. Estou fazendo umas trilhas melódicas prum ótimo projeto do amigimaginauta Ghugha Távora, Una-se (Veja aqui, aqui e aqui), e vou fazer uma música que penso intitulá-la de Agrestina (veja aqui, aqui & aqui), e dedicá-la ao Riva & o povinho bom de lá. Mas o quero mesmo é integrar o arretado grupo Imaginauta! Será que o eletricartista Ghugha aceitará entre os dos seu grupo um véio alquebrado que, acima de tudo, é baixim, buchudim, tronchim & bunitim que nem que eu na tchurma? Acho que não, melhor eu ocupar minha insignificância de metido a besta e cheio de nó pelas costas. Vamos aprumar a conversa, gente! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Levo muito a sério esse negócio de santidade! Veja só e acompanhe a minha linha de raciocínio... sim, porque eu a exercito todos os dias, impreterivelmente. Agora mesmo tive um lampejo enquanto teclava e queria escrever a palavra do nosso vernáculo do verbo exercitar em primeira pessoa do singular: exercito ! E o corretor talvez muito acostumado a esses tempos vividos por nós ,teimava em sapecar: exército! Eu exercito, ele exército! E foi com muito custo que agora estou me exercitando no meu mote de hoje, que é falar de Santos! Talvez por ter sido criada com uma avó austera e católica extremada e ter dividido com ela o quarto até os sete anos... quarto esse que era decorado com duas camas e uma cômoda imensa de Sucupira, já centenária na época da minha meninice , abarrotada de Santos... Era o coração de Jesus ao Centro, do outro o de Nossa Senhora na parede e sobre o supracitado móvel os Santos! Razão do meu deleite infantil e uma soberba devoção pra ela! E tome reza pra tudo! Alguém enchia o saco dela? Ela sapecava um: "minha filha , minha vingança é rezar," já contei esse causo por aqui... E triste daquele embuste abusante dela... se atolava, todinho! Assim foi! E muito triste quando ela começou a conhecer os pretendentes que eu arranjava, todos sem exceção pobres com um violão na mão... Oh, muié pra gostar de vagabundo de viola era Eu... Vovó se vingava da minha afronta na reza! E não é que meus namoros acabavam? Até noivado... acabou! Até hoje tô aqui solteira sem namorado e sem serenata aos ouvidos... acho que vovó em algum lugar continua achando que nada do que me chega é suficientemente bom pra neta dela! Agora, meus namoros não chegam a durar quatro luas... ou menos , pra eu finalmente concordar com ela. Mas vejam só minhas três leitoras, enchi tanta linguiça no meu texto, misturei banana com desodorante, exército com exercício, Santos com namoro e terminei sem falar do que eu queria mesmo.... que era saber se alguém sabe o protetor dos doidos? Pois São Roque protege os cachorros, Santa Luzia os nossos olhos, Santa Apolónia os dentes e os dentistas e os doidos? É quem? Beijos estalados nas bochechas de todos vocês! Bom Domingo. Texto Banana com desodorante, da escritora Izabel Marques que, segundo ela mesma, Foi desinformada no Curso de Letras apagadas na Universidade Caótica! É arteterapeuta por formação. Terapeuta Holística Contadora de histórias e estórias. Cantriz aposentada Vagabunda de Deus. Artista arte recicladora, na confecção de bonecos e estatuetas em Machê e Mulungu.

SANTA DYMPHNE – [...] os doentes chegavam aqui e eram conduzidos a um pequeno barracão construído ao lado da igreja conhecido por quarto dos doentes ou “Líber Innocentium”, onde permaneciam por nove dias, sob ‘tratamento’. Terminada a novena, independente do doente estar ‘curado’ ou não, ele voltava para sua família ou permanecia alojado, albergado ou internado junto às famílias e aos próprios moradores da vila [...]. Em muitos casos, os pacientes passaram a viver aqui definitivamente, criando assim, de maneira espontânea, uma alternativa para os então tenebrosos tratamento que eram aplicados aos enfermos-da-mente. Em 1861, 700 doentes vivam ‘integrados’ à comunidade de uns 10 mil habitantes. [...]. Trechos extraídos da obra Dymphne, a santa protetora dos loucos (Clepto, 2000), de Ezio Flavio Bazzo, tratando sobre a Santa Dimpna, Santa Dinfna ou Santa Dymphna do século XIII, sobrevivente da tradição oral muito antiga e em persistentes histórias de curas milagrosas e inexplicáveis de pessoas acometidas por doenças mentais, cujo dia é comemorado pelas Igreja Católica e Igreja Ortodoxa em 15 de maio. Após a morte de sua mãe assassinada por seu próprio pai, ele queria casar-se com ela que fugiu com o sacerdote Gereberno e desembarcou em Antuérpia, atualmente Bélgica. Ficou refugiada na aldeia de Geel. Os mensageiros de seu pai, no entanto, descobriram o seu paradeiro, e ele dirigiu-se para lá e renovou sua oferta, ordenando seus servos para matar o padre, enquanto ele degolava a cabeça de sua filha. Os cadáveres foram colocados em um sarcófago e sepultado em uma caverna onde foram encontrados mais tarde.

A MÚSICA DE TITANE
Tradição e modernidade parecem coisas opostas. Mas, pelo menos dentro de mim, não são. Isto me parece mais uma falsa questão ou, no mínimo, uma contradição superada. Vivo, sinceramente, envolvida por uma simultaneidade de tempos, de culturas, de significados que chega a me sufocar. Chego a duvidar da existência de uma força gravitacional em meio a tantos fragmentos se movimentando em tantas direções. Minha carreira ganha com isto um público que, mesmo querendo se entreter, se divertir, quando me ouve, aciona o seu lado que é inquieto e curioso como eu.
TITANE – Trecho de entrevista concedida ao jornalista Eduardo Tristão Girão (Pensar, Estado de Minas, 27/jun/2009), pela cantora Titane que possui uma discografia extensa: Titane e o Campo das Vertentes (2012), Sá rainha (2000), Verão de 2001 (1999), Titane (1999), Prato feito (1997), Inseto raro ao vivo (1996), Titane (1986) e Arraial (1985). Ela começou sua carreira no grupo Mambembe, em 1979. Em 1981 ela participou do disco Travessia, da Fundação Clóvis Salgado. A partir de então, começou a trabalhar seus álbuns e a realizar shows, além de lançar o livro, em 2015, Titane e o campo das vertentes. Veja mais aqui.

A ARTE DE JANE BOTALIA NUNES
A arte da artista visual pop Jane Botalia Nunes. Veja mais aqui.

A OBRA DE DARCY RIBEIRO
Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.
A obra do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro (1922-1997) aqui e aqui.


sexta-feira, outubro 25, 2019

DELMIRA AGUSTINI, CHRISTIANE NUSSLEIN-VOLHARD, ROSA PARKS & KAREL APPEL


DELMIRA SEMPRE – Naquela tarde fatal de julho, revivi o que Nena me dera em sua meninice de poeta precoce do calor de imigrantes italianos, da sua claustrofobia materna exagerada e do seu corpo em plena eletricidade. Era eu Eros em Montevideo, o sexo férvido e o seu livro branco. Nas canções da manhã o erotismo fluía e revi o que Tonita havia disposto para o meu prazer, a me convocar Romeu no epicentro de incontrolável Julieta querente, com nossas vestes desabotoadas, nossas trincheiras desfeitas e eu tombando exaltado com a sua palidez de quem morria de gozo, nua, descalça, e eu raspando o fundo do tacho de sua delícia. Seus seios nus roçavam os meus e me inflamava para esganá-la enfiando meu sexo gotejante em suas súplicas de não abandoná-la nunca mais, escancarada e vadia, enlouquecida às batidas do coração a sair pela boca voraz, acelerada, sobejando meu ombro a gemer os suores do nosso tumulto, a nos buscar entrelaçados para não mais deixá-la sozinha ao relento das noites intermináveis. Remontei naquela vespertina circunstância, ao que Joujou se fez meu espelho e escorremos confundidos por nossos caldos e cheiros nos gestos e enloquecemos mais de mil vezes, na obsessão pelo amor irracional, pleno e demasiado, e você a se transmudar nas muitas mulheres, com suas infinitas formas de amar. Quantas aspirações imoderadas e barulhentas, você a arte esplêndida na face de anjo celestial, sedutora inocência autoproclamada libertária e o nosso louco amor de sempre no dia que se perdia pela tarde dos nossos cálices vazios e o epílogo na sua militância feminina. Nada mais eu queria além da loira esguia e bela de olhos azuis, a poeta amante nua e linda sempre alma uruguaia arrebatada, o confessional diário poético e seu íntimo resguardado a se desnudar sem reservas nem pudor para mim e em mim, entre o sonho e a vigília, na fome do coração de seu epistolário e nas confissões e ímpetos, no clamor da carne cantante em busca de abrigo de amores reais, indiferente à mitopeia alheia, só minha e ao meu inteiro dispor. Desabamos juntos e renascemos do nada, nossos tempos pelo meio do caminho tornaram-se restos do que fomos e do que poderíamos ser sem testemunhas ou juízos. Desfizemos o medo de nos perdermos entre horrores gratuitos e as lembranças esgarçadas, enquanto à beira do penhasco, nos servíamos do poder de voar pela ventania, crucificados pela paixão desenfreada com seus sonhos em constelações que trazíamos na ponta da língua, a lamber-nos no doce mel de nossas entregas. O pássaro sincero transcendeu seu encanto por milagre: o bico em suas mãos mergulhava úmido na sua carne de lago em chamas, porque seu corpo era só uma fita na cobra longa vibrando voluptuosa eternamente desnudada, corpalma e por confissões secretas reiteradas e reveladoras. E acordávamos com o susto de que nada mais existiria entre nós, enquanto o amor queimava aqui dentro como um incêndio que jamais se extinguiria. E nada mais restava entre arames farpados, só o mundo apodrecendo ao redor para que fôssemos vivos e o tempo ajustando as coisas, tomara, e não foi bem assim. Apostei no futuro e o presente passou. Abri o peito porque minhas veias clamavam sangrando as feridas do abandono e as nódoas da incompletude: a sua ausência. E foi naquela tarde fatal de julho, nenhuma poesia na Rua dos Andes, um episódio nos olhos de agora e o resíduo de tudo que vivemos na lua cheia de todas as noites ardentes, além de toda duração que não poupavam as nossas singulares e obscenas manhãs esbagaçadas de sexo indisciplinado e sussurros mundanos por jorros e latejamentos de abraços e dança louca a nos ulcerar bêbados e nus no delírio devasso do planeta inteiro. Era tudo mentira, agora sei. Supunha real o que era só fumaça e eu fervia com a verdade que eu era e não de você. A vida, enfim, me cumulou com as dores, duas vidas e uma só morte. Nada mais nos aconteceria. Mandou-me embora e eu sai antes de ficar tão tarde demais para cobrir as faces com as mãos às lágrimas e poemas que se perderam. Você era a poesia. Contudo, naquela tarde fatal de julho, nada mais que o tramado nas núpcias desacertadas pelos ciúmes e incompreensões, posse e dano, os encontros clandestinos. Apesar do desenlace mais que malogrado, nada se explicava, amores secretos nos parágrafos manuscritos e dramáticos, os quereres além da conta, o indizível sofrimento insuportável, o insensível desfecho terminante e definitivo, diante da ferocidade do desejo na angustiante solidão: um pedido de socorro inaudível no torvelinho da loucura transbordante. E deu no que deu. E se debatia ousada em seu orgulho desastrado ao abismo das paixões devoradoras. Se não sabia, a vida é muito estranha, de fato. Muito estranha. E o amor não é passatempo: é muito mais que viver e morrer todos os dias. Quem sabe amanhã, noutra vida. É tudo muito triste agora, nada mais. Fui expulso dos seus versos, não há o que entender, nem interessa mais, só um adeus que não houve. Se eu perguntasse, ninguém responderia. Jamais eu seria agressão, nem revide, nem seria capaz desferir o que emergisse da morte. Mas, não. Afastou-se, foi para seu destino, eu sabia. Todo seu. E saiu de cena e não mais, o escândalo e a lápide. Diante do cenário, arranquei os dias anteriores, joguei fora a esperança. Mesmo assim, você ainda vive em mim no Rosário de Eros da minha eterna paixão sem adeus e para nunca mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Quando comecei a trabalhar como cientista no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a vida era diferente para as mulheres. Éramos uma exceção. As pessoas não sabiam lidar conosco. Isso complicava a vida porque o fato de eu ser mulher era algo incomum. [...] Acontece que os genes que identificamos nas moscas também desempenhavam um papel muito importante nos vertebrados. Esse foi um avanço revolucionário que fez as pesquisas com moscas afetarem o desenvolvimento humano [...] As mulheres querem apenas metade do mundo que nos pertence. As pessoas não podem mais deduzir que as mulheres são exceções e em princípio não servem para trabalhar na ciência. Em todos os campos, existem mulheres que são no mínimo tão boas quanto os homens. Não há mais dúvidas sobre isso. A esse respeito, sou muito firme comigo mesma, severa se você quiser. Procuro fazer coisas por mérito próprio e não por relacionamento pessoal [...] procuro ser objetiva com as pessoas [...]. Trechos da entrevista concedida pela bióloga alemã, Ph.D. em Biologia Genética e Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, 1995, Christiane Nusslein-Volhard, concedida ao LabaCiências/UFF (2018), aos jornalistas Natalia Feirosa e Luiz Andrade, durante o Congresso Internacional de Genética em Foz do Iguaçu, Brasil. Ela criou a Fundação CNV, em 2004, a qual oferece bolsas para que mães no começo de suas carreiras em ciências naturais possam dar continuidade às suas pesquisas. A respeito ela expressa que: [...] A ideia da fundação veio quando eu comecei a me perguntar sobre o pequeno percentual de mulheres na ciência e como isso poderia ser melhorado. A diferença mais importante, claro, entre homens e mulheres é que as mulheres têm filhos. Quando você tem uma família, sobra menos tempo para se dedicar a uma pesquisa. É inevitável que isso requeira tempo e energia. [...] Escolhemos as vencedoras com base em suas conquistas e no que elas nos dizem sobre suas pesquisas. Não é um projeto social. Foi criado para dar suporte à carreira de mulheres talentosas. [...].

DOIS POEMAS DE DELMIRA AGUSTINI
OUTRA ESTIRPE: Eros, eu quero guiar-te, Padre cego... / peço a tuas mãos todo-poderosas / espalhado em fogo seu corpo excelso / sobre meu corpo desmaiado em rosas! / A elétrica coroa que disperso / brinda o nectário de um jardim de Esposas; / aos seus abutres na minha carne entrego / todo um enxame de palomas rosas. / Dá às serpentes de seu abraço, cruéis, / o meu talo febril... Absinto, méis, / derrama de suas veias, de sua boca... / Deitada assim, sou sulco ardente / onde pode ser nutrida a semente / da outra Estirpe sublimemente louca!
FERA DE AMOR: Fera de amor, eu sofro fome de corações. / De pombos, de abutres, de corços ou leões, / não há manjar mais tentador não há mais grato sabor; / havia já viciado minhas garras, meu instinto, / quando erguida na quase ultraterra de um plinto / me fascinou a estátua de um antigo imperador. / E cresci de entusiasmo, pelo tronco de pedra / ascendeu meu desejo de fulminante hera até o peito, nutrido pela neve, ao que parece; / e clamei ao impossível coração... A escultura sua glória custodiava sereníssima e pura, / com seus pés no Ontem e o Amanhã na frente. / Perene meu desejo, no tronco de pedra / permanece preso como sangrenta hera; / e desde então mordo sonhando um coração / de estátua, presa suma para minha garra bela; / não é nem carne, nem mármore: uma pasta de estrela / sem sangue, sem calor e sem palpitação... / Com a essência de uma sobrehumana paixão!
DELMIRA AGUSTINI – A poesia da poeta uruguaia Delmira Agustini (1886-1914), autora de obra como El Libro Blanco (1907), Cantos de la Mañana (1910), Los Cálices Vacíos (1913), Correspondencia íntima (1969) e Poesias completas (1924) incluindo El Rosario de Eros, Los Astros del Abismo e poemas esparsos. Ela teve um casamento com Enrique Job Reyes, embora tenha correspondido com poetas, a exemplo de Ruben Darío e Manuel Ugarte. Ela foi assassinada em Montevideo, no dia 6 de julho de 1914, pelo então ex-marido que lhe desferiu dois tiros na cabeça e depois se matou. Sobre a vida e obra da poeta, encontrei o cinebiografia Demain? (Amanhã, 2012), dirigido por Christine Laurent, que conta a vida da poeta uruguaia e sua poesia que explorava a sensualidade feminina, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, quando a jovem passa a ser reconhecida, se casa e passa a viver angustiada entre o marido, a família e uma amiga. Veja mais aqui.

A ARTE DE KAREL APPEL
Quando você envelhece como pintor e tem as oportunidades, o talento e a boa sorte e recebe tudo para envelhecer, então é fantástico, porque a mesma pincelada que você coloca é mais madura e mais comovente do que foi quando você era jovem.
KAREL APPEL – A arte do pintor, designer, artista gráfico, escritor e escultor neerlandês Karel Appel (1921-2006), co-fundador do grupo CoBra, em 1948. Veja mais aqui, aqui e aqui.

O ATIVISMO DE ROSA PARKS
Eu gostaria de ser lembrada como uma pessoa que queria ser livre… para que outros também pudessem ser livres.
A militância da ativista estadunidense Rosa Parks (1913-2005), símbolo do movimento dos direitos civis negros dos Estados Unidos, tornando-se famosa pelo movimento denominado Boicote aos ônibus de Montgomery e da luta antissegregacionista. Veja mais aqui e aqui.