terça-feira, outubro 29, 2019

CHIQUINHA GONZAGA, TRUFFAUT, MICHÈLE PETIT & ARMAN


O SONHO DE CHIQUINHA – Sei você em mim que sou desde lá de antes às voltas com o pai militar que escolheu seu marido desesperado por não gostar de música e a mãe escrava cuidava da sinhazinha, dama de salão inquieta e determinada, rebelada pelo divórcio perpétuo, sua maldição familiar, condenação moral, desgostos pessoais. Quase mata o general do coração por não ser uma dada da corte, porque voluntariosa, namoradeira, avessa aos salões e a materna aos cuidados com a afilhada do duque pelas rodas de lundu e umbigada, até ser expulsa de casa com a natalina Canção dos Pastores. Sei você em mim pela Rua do Ouvidor na companhia de boêmios, menina levada pela Confeitaria Colombo com a Nair de Tefé e a vida na Guerra do Paraguai, ah, publicamente execrada e aos invejosos o preconceito de seguir sozinha, de porta em porta, quem queria comprar partituras no passeio pela Riachuelo, a alma de cigana pela Praça Tiradentes, às baforadas para falação, fumante a pulsar pelas ruas de Santa Teresa, São Cristóvão, Tijuca, Vila Isabel e no meu coração que sorria nas nuvens seus dotes revelados. Sei você em mim e o choro Sabiá na Mata, uma centena de violões e A Filha do Guedes na frente da orquestra, pela liberdade de escravos e fim da monarquia, firme transgressora e sem desistir de nada, porque enamorados a gente seguia persistentes pelas Rosas de Ouro, mesmo você rechaçada e todas as portas fechadas, ai de mim e de nós, a gente só queria se amar e Caramuru comprou a alforria da flauta e a coragem para a opressora vizinhança e eu na sua luta pela liberdade sem confins. Sei você em mim com suas formas esbeltas na paixão que não enxerga um palmo além do nariz, nem mais nada na vida, senão o amor pelo Passeio Público de mãos dadas, ouvindo aquela da Camila e a Festa de São João, o fracasso e as rejeições, o engajamento e eu ao seu lado porque o piano nu era sua alma nua e eu só queria que seu coração ubíquo de Atraente ventasse um pouco mais para minha banda e a gente fosse ao Forrobodó ou A corte na roça, e a Confederação Libertadora para quem não tinha voz, enquanto nos dávamos no escuro, exilados do mundo, só sabendo de nós dois, nada mais. Sei você em mim e suas desilusões amorosas, ousou tanto, quanta audácia, coragem determinada, a reputação em frangalhos e dona do próprio nariz, Cubanita, Sultana, Falena, era Manhã de amor na modinha em que você raiava nua nos meus braços de amanhã e a gente podia incendiar a madrugada com a nossa exumação, sem que houvesse qualquer forma de jamais nos perder das mãos e olhos de tantos quereres. Sei você em mim, a exploração abusiva de seu trabalho e A brasileira Machuca do jeito que se gosta, castigando tudo por polcas e o teatro musicado, a gente inventando tangos brasileiros e o idílio das nossas canções, valsas e habaneras, fados e baladas, modinhas e mazurcas, dobrados e duetos, serenatas e peças sacras, até Maria, Juriti. Sei você em mim enquanto a gente dançava nus na sala do paraíso onírico, os Passos no choro, e a gente se amava impunes sobre a mesa exposta e em cada canto a pleno vapor, a saudar o Corta-jaca (Gaúcho) escandaloso num tango para ajeitar você só para mim e minha, a me dizer baixinho, Plangente, Te amo, com A chinelinha do meu amor rondando o espaço que era todo azul no nosso sonho mais que verdadeiro e era você linda e nua A Lua branca para que As pombas dos meus beijos pousassem felizes na sua carne despida e ventre flamejante de felicidade verdadeira. Sei você em mim enquanto as portas eram arrimos pro ósculo dos corpos colados e a promessa de me adotar companheiro eterno, quando anoitecia no meio da tarde e do dia, tempo algum nem espaço o que era um castelo e a gente se aninhando só pra sermos felizes, porque nunca me importei com seus passados e futuros amantes, nunca! Nem com a desarrumação da casa, a improvisão de tudo. Abri todas as alas do meu coração para você desfilar exuberante e intensa protagonista em busca do sonho e Pudesse esta paixão nos fizesse um só e para sempre, mas não, findou mesmo assim, você se foi e, apesar de tudo, sobrevive, nua e diluviana, no meu coração. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] A ideia de que a leitura pode contribuir para o bem-estar é sem dúvida tão antiga quanto a crença de que pode ser perigosa ou nefasta. Seus poderes reparadores, em particular, foram notados ao longo dos séculos. [...] Todo ser humano sente, de modo vital, necessidade de ter à sua disposição espaços onde encontrar mediações ficcionais e simbólicas. [...] Tratava-se de um verdadeiro "empreendimento de sobrevivência", em um contexto de clausura familiar e de grande solidão. Em situações de crise, encontram-se tais atos de resistência de homens e mulheres sob várias formas. Eles não economizam meios, não economizam textos — ou, às vezes, imagens — capazes de abrir o horizonte para resistir ao confinamento, aos constrangimentos e às eventuais tentativas dos poderes — políticos, simbólicos ou domésticos — de entravar, estreitar e controlar seus movimentos. Eles se esforçam para salvaguardar um conhecimento próprio e do mundo, para preservar frente e contra tudo um espaço de pensamento, uma dignidade e uma parte de liberdade, de sonho, de inesperado. [...]. Trechos extraídos da obra A arte de ler: ou como resistir a adversidade (34, 2009), da antropóloga e pesquisadora do do Centre National de la Recherche Scientifique, na França, Michèle Petit, que coordena, desde 2004, um programa internacional sobre "a leitura em espaços de crise", compreendendo tanto situações de guerra ou migrações forçadas como contextos de rápida deterioração econômica e grande violência social. Ela possui diversas obras, tais como Os jovens e a leitura (FNLIJ, 2008) e Leituras: do espaço íntimo ao espaço público (34, 2013). Veja mais aqui e aqui.

O CINEMA DE TRUFFAUT
O filme de amanhã será um ato de amor.
TRUFFAUT – Já por diversas vezes aqui destacado, a obra inesgotável do cineasta francês François Truffaut (1932-1984) merece cada vez mais ser trazida à tona. Desta vez, começo pelo drama biográfico L'histoire d'Adèle H. (A História de Adèle H., 1975), que é baseado no diário de Adèle Hugo e o livro de Frances Vernon Guille, contando a história de amor obsessivo e não correspondido da filha do escritor francês Victor Hugo, por um oficial inglês. Em segundo, o curta-metragem Antoine et Colette: L’Amour à 20 ans (O Amor aos Vinte Anos, 1962), contando a história de um jovem adolescente que trabalha em uma fábrica de discos e, durante um concerto musical, é atraído por uma jovem, Colette. Depois de encontro, ele se muda para as proximidades da residência dela, enviando uma declaração de amor, da qual ela não compartilha dos mesmos sentimentos. O terceiro, é o drama La mariée était en noir (A Noiva Estava de Preto, 1967), baseado no livro de William Irish, que conta a história de cinco homens, em um jogo que dá errado, matam o noivo no final de uma cerimônia de casamento, história de uma vingança, lenta, refinada e, especialmente, usando as diferentes visões que os cinco homens carregam na mulher ideal. Todo mundo vai morrer, não de acordo com sua culpa, mas de acordo com sua personalidade. Por fim, o quarto, é o drama La peau douce (Um Só Pecado, 1964), que conta a história de um escritor de renome, ao viajar até á cidade de Lisboapara palestrar sobre Balzac, conhece a hospedeira de bordo, Nicole, por quem fica logo apaixonado. Eles rapidamente envolvem-se, mas como Pierre é casado com Franca e com quem tem uma filha, Sabine, eles mantêm o caso escondido de toda a gente. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

A ARTE DE ARMAN
A arte do controvertido escultor e pintor francês ArmanArmand Pierre Fernandez (1928-2005). Veja mais aqui.

A OBRA DE CHIQUINHA GONZAGA
A obra da pianista, compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga – Francisca Edwiges Neves Gonzaga (1847-1935) aqui & aqui.
CHIQUINHA GONZAGA – Autora de mais de 2 mil canções e 77 partituras para peças de teatro, ela foi uma dessas mulheres a frente do seu tempo, engajada política em favor da abolição da escravatura e pelo fim da monarquia no Brasil. Amou muitos homens e foi vítima de preconceito e execração pública, tendo, inclusive, no seu último romance com um jovem de apenas 16 anos, adotado como filho para evitar os tantos de escândalos a que foi submetida. Sobre sua vida e obra, algumas publicações merecem destaque, tais como Chiquinha Gonzaga: uma história de vida (Rosa dos Tempos, 2005), de Edinha Diniz; A jovem Chiquinha Gonzaga (Nova Alexandria, 2005), de Ayrton Mugnaini Jr; Mestres da música no Brasil - Chiquinha Gonzaga (Moderna, 2001), de Edinha Diniz; e Chiquinha Gonzaga - Sofri, chorei. Tive muito amor (Nova Fronteira, 1995), de Dalva Lazaroni de Moraes. No cinema, ela foi retratada no filme Brasília 18% (2006), de Nelson Pereira dos Santos e no filme Xangô de Baker Street, de Malu Galli, baseado no livro homônimo de Jô Soares. Foi personagem da minissérie televisiva, Chiquinha Gonzaga, de Jayme Monjardim, pela Rede Globo. Foi tema do carnaval da Mangueira, em 1985, com o enredo Abram alas que eu quero passar e da Imperatriz Leopoldinense, em 1997, com o enredo Eu Sou Da Lira, Não Posso Negar... Em 1999, por meio do Projeto de Resolução 14/1999, foi criada a medalha de reconhecimento Chiquinha Gonzaga, conferida às mulheres que militam em prol das causas democráticas, humanitárias, artísticas e culturais no âmbito da União, Estados e Municípios. Em 2012, no dia em que se comemora o seu nascimento, 17 de outubro, foi oficializado, em sua homenagem, o Dia da MPB.