quinta-feira, outubro 31, 2019

DRUMMOND, ALFONSINA STORNI, KASIA DERWINSKA & DURVAL CUNHA


ALFONSINA FOI DORMIR – Vestida de mar, ela chegou com o fulgor da nudez de sua aura, deitou sua fronte ao meu ombro e as frações de si na voz de arrabalde em ondas esmaecidas, debulhando lembranças ao meu ouvido. Desfiava memórias de Sala Capriasca que quase não viu, de San Juan Entre um par de valises entreabertas e o ponteiro do relógio, as desgraças da cidade, os desamores intermitentes que gotejavam imprecisos, o império de sua aspiração reacendendo feridas entre sargaços e maresia. O seu jeito geminiano de quem se achava feia, redonda e de nariz achatado, escondia a beleza na face corada, tímida e encolhida sobre o meu peito, a me contar do primeiro livro roubado e do estremecimento conjugal: a mãe acamada com sua voz de soprano entre leituras e música, os delírios do pai com a sua inexplicável melancolia. Era o seu descenso sem bússola, a situação de abandono com a ruína em Rosario, as dores de mãe solteira descartada, datilógrafa, normalista, costureira, até seus primeiros versos, La inquietud del rosal. A melancolia com a morte do pai, fez com se voltasse operária, valendo-se do bom humor e engajamento anarquista das reivindicações sociais. Sobravam descompassos e era a vez da atriz, uma professorinha rural nos palcos e o comitê das feministas de Santa Fé, seu filho no colo e as reuniões de Nosotros para o escândalo da lírica confessional – La loba, La muerte de la loba e El hijo de la loba. Ah, Ina – só eu a conhecia assim nua enquanto minha– na sua autocomiseração de El dulce daño, a cantilena erótica Tú me quieres blanca e as confissões amorosas. E me beijava demoradamente com o sal dos lábios transpirando a caricia iminente de suas descomedidas ambições. Ao se refazer, as vastidões do seu rugido oceânico, destilava a graciosa leveza no instante da poesia a me recitar Irremediablemente: Hombre pequenito enquanto se dava na Vida Femenina pelos direitos da mulher e das crianças. Respirava profundamente, resfolegava e olhava fundo em meus olhos: Hablo conmigo. Eu acariciava o seu rosto, sentia sua pele febril e o meu toque eram pinceladas na sua eriçada epiderme, e me dei ao sabor dos seus gestos sensuais jubilosos na emboscada do seu afago e a sua boca repleta de precipícios delirantes a declamar Languidez e o que estava ao seu redor. Misturava o riso contido às lágrimas que escorriam de La carta ao Padre Eterno, Oh, Ina, Tao-Lao dos Bocetos femininos, o seu mordaz dote humorístico e os saraus de Buenos Aires. Eu sabia, El amo del mundo & Dos farsas pirotécnicas, Ocre & Fiesta, La ronda de las muchachas, as auto-parodias, a festa da poesia e os Poemas de amor. Oh, Ina de La mujer bella, tão bela para mim como o Rio da Prata e o cenário uruguaio de suas rememorações. Falava comovida do suicídio do poeta e dos achegados, o Mundo de siete pozos, o transe dos antissonetos herméticos de Mascarilla y trébol, e me disse que eu era Retrato de un muchacho que se llama Sigfrido e eu não era ele e ela nua em mim no Ecuación para que eu lhe fosse Uno no seu vasto prazer de cortesã umedecida na paisagem da minha alcova, ao encalço do milagre inquieto do meu vigoroso falo, a paixão indivisível e enovelada nos meus guturais arroubos agitados na maré do seu gozo e nos sufocávamos de extremo prazer enquanto acossada pela obsessão marítima. Havia o veneno do desengano e o aniquilamento que precisava extirpar no último ato que nos servimos do facho de desejo carnal de poesia e sexo. A vida então valia a pena, uma vida apenas não seria suficiente para nós que implodíamos e nos confundíamos em beijos e pernas e abraços e gozos e almas ávidas de prazer. Não sabíamos aos poucos, não, tudo de uma vez, aos montes e muito mais além de medidas, contagens, excessos e queda livre. Do que eu era ou poderia ser, não seria assim a vida sem amor. E ela não culpou ninguém no remanso da solidão de suas dores pavorosas. Beijou-me, despediu-se: Voy a dormir. E se lançou ao mar: o golpe do punhal na sua carne amante. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: QUANDO CHEGUEI À VIDA - Vela sobre minha vida, meu grande amor imenso. / Quando cheguei à vida trazia em suspense, / na alma e na carne, a loucura inimiga, / o capricho elegante e o desejo que açoita. / Encantavam-me as viagens pelas almas humanas, / a luz, os estrangeiros, as abelhas leves, / o ócio, as palavras que iniciam o idílio, / os corpos harmoniosos, os versos de Virgílio. / Quando sobre teu peito minha alma foi tranquilizada, / e a doce criatura, tua e minha, desejada, / eu pus entre tuas mãos toda minha fantasia / e te disse humilhada por estes pensamentos: / -Vigiai-me os olhos! Quando mudam os ventos / a alma feminina se transtorna e varia… UM DIA - Você anda por esses mundos como eu; não me diga / Que você não existe, existe, devemos nos encontrar; / Nós não nos conheceremos, disfarçados e desajeitados, / Nós caminharemos pelas estradas largas. / Nós não nos conheceremos, distantes um do outro / Você sentirá meus suspiros e eu te ouvirei suspirar. / Onde será a boca, a boca que suspira? / Nós diremos, a estrada retornando para refazer. / Talvez nos encontremos cara a cara um dia, / Talvez nossas fantasias possam ser removidas. / E agora eu me pergunto… Quando isso acontece, se acontecer, / Eu vou saber sobre suspiros, você vai saber como suspirar? Poemas da poeta, atriz, jornalista, dramaturga, feminista e professora argentina de origem suíça Alfonsina Storni (1892-1938), autora de obras como La inquietud del rosal (Librería de la Facultad, 1916), El dulce daño (Cooperativa, 1918), Irremediablemente (Cooperativa, 1919), Languidez (Cooperativa, 1920) Ocre (Babel, 1925), Poemas de amor (Nosotros, 1926), Mundo de siete pozos (Tor, 1934), Mascarilla y Trébol:-círculos imantados (Imprenta Mercatali, 1938). Aos 19 anos de idade converteu-se em mãe solteira e criou o seu filho sem um companheiro, algo rejeitável para a época, o que não a impediu de se tornar a primeira mulher reconhecida entre os melhores escritores naquela época. Em 1938, depois de um longo período de andanças entre poemas, homens, luta e solidão, Alfonsina deu os seus últimos passos nas areias da praia do Mar del Plata, Buenos Aires, para entregar-se ao mar e nunca mais voltar. Sobre ela encontrei uma dissertação de mestrado Alfonsina Storni: uma voz de arrabalde (UFSC, 2001), de Áurea Salete Moser Nunes. Também o filme biográfico Alfonsina (1957), dirigido por Kurt Land e escrito por José María Fernández Unsáin, contando sobre sua vida, desde ondas quebrando ameaçadoramente à beira-mar, acompanhadas pela poesia de autora, o anúncio de sua doença, tudo com uma uma atmosfera romântica.

O FLAGRANTE
[...] LEOPOLDO O importante é essa estória morrer aqui! O Doutor Camargo Pontes, meu patrão, é um neurótico. Tudo pra ele mancha a imagem da empresa. DELEGADO PAIXÃO Seria por causa da câmera do celular? O lance do Antonino? LEOPOLDO (Assustado) Como assim câmera? (Toca o celular dele) [...] (Desliga o telefone) Doutor Paixão o senhor poderia me emprestar sua arma um minuto? DELEGADO PAIXÃO É evidente que não! Vai matar a mulher na minha frente? LEOPOLDO Não é pra isso... eu vou me matar... [...] LEOPOLDO (Ar de lunático, de maluco). Delegado Paixão... o senhor me empresta sua arma? DELEGADO PAIXÃO (Sacando a arma pra se proteger da mulher com a faca) Deixe as ideias suicidas pra depois! Tem uma louca vindo aí! LEOPOLDO (Indo em direção ao delegado pra tomar sua arma) Não é suicídio. EU VOU MATAR ESSES DOIS! Os outros correm pelo palco apavorados enquanto Leopoldo tenta tirar a arma do delegado Paixão, Delmiro aponta o revólver para o lado onde vai entrar a louca com a faca. DELEGADO PAIXÃO (Tentando se desvencilhar de Leopoldo) Me ajude Delmiro! Delmiro! DELMIRO (De arma em punho apontando para fora de cena) Não dá! A doida entrou! A doida entrou! No embate com Leopoldo, Delegado Paixão dá três tiros pro alto. Os outros gritam e correm em pânico de um lado pro outro. Caos total. Baixa o pano.
O FLAGRANTE – Trecho da peça teatral O flagrante, do dramaturgo Durval Cunha, que trata de um adultério que vira um caso de polícia, com os personagens e tendo como personagens o delegado Paixão, o inspetor Delmiro, Isis, Leopoldo, Antonio Carlos, Maria Auxiliadora e pastor Silas. Veja mais aqui.

A ARTE DE KASIA DERWINSKA
Não gosto de me definir como artista. Eu sempre digo que todos nós somos artistas. Acredito que cada pessoa nasce com capacidade ou talento em determinado campo de atividade e com muito trabalho, consequência e envolvimento real, pode alcançar a arte em qualquer disciplina ou em qualquer outro campo profissional. Se vier ao meu trabalho, prefiro me definir como contador de histórias. A fotografia é a minha maneira de me comunicar com o mundo. No meu trabalho, falo sobre experiências próprias, pensamentos, dúvidas, medos e esperanças, tentando refletir o caminho da minha própria vida. Além das minhas experiências, minhas criações são inspiradas nos sonhos noturnos, pois desde a infância me lembro da maioria delas e acredito que os sonhos são a linguagem mais simbólica do nosso subconsciente, um guia para navegar no mundo moderno. Sou autodidata e não me reconheço como fotógrafo. Uso a fotografia como ferramenta, como um pincel para pintar ou qualquer outro instrumento para tocar música. Meu trabalho é uma tentativa de conectar a substancialidade do mundo que nos rodeia com a evasão de sentimentos e pensamentos. Por esse motivo, descrevo minhas criações como construindo uma ponte entre o visível e o invisível.
KASIA DERWINSKA – A arte da fotógrafa e artista visual polonesa Kasia Derwinska, que desenvolve um trabalho expresso através da fantasia do surrealismo. Veja mais aqui.

A OBRA DE DRUMMOND
A amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas. Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.
DRUMMOND – A obra do poeta, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) aqui & aqui.