quarta-feira, outubro 25, 2023

DELMIRA AGUSTINI, ELIF SHAFAK, MASUD KHAN, GINÁSIO MUNICIPAL & PINTANDO NA PRAÇA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Tudo é inspiração, tudo tem som, cor e ritmo.

Ao som dos álbuns Attraction (1995), Night Train (Munich, 2002), Come Escape with Me (Munich, 2005), September Suite (Munich, 2005), Sketches (Munich, 2010), Twelve (In+Out, 2012), Blue Whisper (In+Out, 2015), Road to the Sun (AmFi, 2018) e Persistence (AmFi, 2020), da pianista Azerbaijani, Amina Figarova.

 

TANTO MELHOR SERÁ QUANTO MAIS OU MENOS – Para quem pelas lonjuras e latitudes abissais, tanto faz se perto ou não na direção das ventas, cipoadas de todo jeito: quem da carne à pedra bruta cant&verso noitedia luz&ar fosse a vez da voz. Reviravoltas, ah, é da vida, o que vai volta e depois se não entorta sobram as carpideiras com seus olhares indigentes sobre o sangue derramado: o imortal partiu desta para não sei qual. Quantas vezes minha cabeça rolando pelas escadarias, escondia o medo mesmo que tivesse tomado de pânico do mundo no maior pavor! Talvez hesitações, talvez: quem não cometeu um grave erro por não ter escolha, nem era possível predizer. Fiz o melhor que pude, sabia, ainda era pouco, carga pesada demais por castigo. Eis o desejo entrando pela porta com Clarice Lispector: As coisas obedecem ao sopro vital. Nasce-se para fruir. E fruir já é nascer... de repente as coisas não precisam fazer sentido. Satisfaço-me em ser... E sou como se o pudor fugisse pela janela, como quem livrasse o raio num seixo abrigo, outro seria triz e vento: como quem morresse para ressuscitar outro no mesmo instante, nem queria que me vissem assim, porque já Denise Levertov ao ouvido: Gosto de encontrar o que não se encontra imediatamente, mas está dentro de algo de outra natureza, em repouso, distinto...Quem diria não ao ódio e o amor fizesse festa das entranhas e estrelas sorrissem o prêmio da vida. Quem não Sylvia Plath: Ninguém no caminho, e nada, nada a não ser amoras... Talvez quando nos encontramos querendo tudo, é porque estamos perigosamente perto de não querer nada... Tanto melhor se bem soubesse o que de mais fosse ao menos real: o filho vale impressão de pai ou não. E era Nêmesis nua e com derrisão na janela da insônia... Suas mãos cheiravam a saudade e inventavam fragrâncias agradáveis. Sabia da excentricidade da paixão, ladra de corações e o seu revide escarlate: quem da mão promove aceno pra de si compartilhar caminhos. Também tinha a minha história de sobrevivência, segui o curso e transbordei, coração saindo pela boca cheia de palavras sem ter onde despejar e sucumbindo ao inexorável - apenas tentei trilhar meu próprio destino e me reconciliar comigo mesmo. Talvez o mundo não seja o inferno que se vê e vive, talvez. Até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O NÓ: O idílio deles era um longo sorriso de quatro lábios... \ No colo quente da loira primaveril \ Eles se amavam tanto que entre seus dedos sábios \ A forma divina da Quimera pulsou. \ Nos palácios luminosos das tardes calmas \ Eles falavam uma língua que parecia chorar, \ E beijaram-se profundamente até morderem a alma!... \ As horas caíram como flores douradas, \ E o Destino interpôs suas duas mãos geladas... \ Ah! Os corpos cederam, mas as almas trançaram \ Eles são o nó mais intricado que já existiu... \ Em luta com suas loucas complicações sobre-humanas \ As Fúrias da vida quebraram suas mãos \ E Ananké cansou seus dedos supremos...

TUA BOCA: Eu estava fazendo um trabalho divino, na rocha \ Crescente do Orgulho. \ Da vida distante, \ Alguma pétala vívida voou para mim pela manhã, \ Alguns beijos durante a noite. \ Tenaz como um louco, \ Minha obra divina na rocha secou. \ Quando sua voz derrete como um sino sagrado \ Na nota celestial a vibração humana, \ Ele estendeu seu laço dourado até a borda da sua boca; \ — Maravilhoso ninho de vertigens, sua boca! \ Duas pétalas de rosa fechando um abismo…\ — Trabalho, trabalho de glória, doloroso e leve; \ Tecido onde meu espírito se tramava! \Você permanece na orgulhosa cabeça da rocha, \ E eu caio, sem fim, no abismo sangrento!

Poemas da poeta uruguaia Delmira Agustini (1886-1914), Veja mais aqui.

 

AS QUARENTAS REGRAS DO AMOR – [...] Tente não resistir às mudanças que surgem em seu caminho. Em vez disso, deixe a vida viver através de você. E não se preocupe, pois sua vida está virando de cabeça para baixo. Como você sabe que o lado que você está acostumado é melhor do que o que está por vir? [...] O passado é um redemoinho. Se você permitir que ele domine o seu momento presente, ele o absorverá. O tempo é apenas uma ilusão. O que você precisa é viver este exato momento. Isso é tudo que importa. [...] Coisas que podem parecer maliciosas ou infelizes são muitas vezes uma bênção disfarçada, enquanto coisas que podem parecer desagradáveis podem ser prejudiciais a longo prazo. [...]. Trechos extraídos da obra The Forty Rules of Love (Penguin, 2015), da escritora turca Elif Shafak.

 

A EXPERIÊNCIA DOS SONHOS – [...] Sei o que é o domingo para um homem pobre que trabalha. Sei, principalmente, o que é a noite do domingo e se pudesse dar um sentido e uma figura àquilo que sei, poderia fazer de um domingo pobre uma obra de humanidade. [...]. Trecho extraído da obra De l’Expérience du Rêve à la Réalité Psychique - Le Soi Cachê (Gallimard, 1976), do psicanalista paquistanês Masud Khan (1924–1989).

 

GINÁSIO MUNICIPAL

[...] Aos 75 anos da História do Ginásio Municipal, recheada de eventos, a marca que criou para a educação palmarense o torna maior do que é pela capacidade de sempre abrir suas portas e janelas a quem sempre desejou aprender [...].

Trecho extraído da obra História do Ginásio Municipal de Palmares (Rascunhos, 2023), do professor e escritor Marcondes Calazans. Veja mais aqui, aqui e aqui.

&

Pintando na Praça

No próximo dia 28 de outubro, a partir das 9h, acontecerá na Praça Paulo Paranhos, centro de Palmares, mais uma edição do projeto Pintando na Praça, uma realização Instituto de Belas Artes Vale do Una (IbaValeUna), que é uma associação de caráter social, educacional, artístico e cultural, presidido pelo poeta e artista plástico Paulo Profeta, e é realizada anualmente desde 2010, tendo por objetivos principais o de formação e capacitação de artistas e arte-educadoras nas áreas de artes visuais, animação e empreendedorismo cultural; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, entre outros. O projeto além de Palmares também já contemplou diversos municípios pernambucanos, não só contando com atividades e exposições de artistas pernambucanos de renome nacional, como revelando artistas locais e da região Mata Sul de Pernambuco, entre outras regiões do estado. A instituição ainda desenvolve atividades na Escola de Belas Artes Vale do Una, dispondo de cursos e oficinas de Pintura Artística I, Desenho Artístico I, Modelagem Tridimensional em Argila, Técnica de Modelagem, Encadernação Artesanal, Serigrafia Artística através de Técnicas Artesanais, Técnica de Marcheteria com Folheado e Produtos de Resina em Poliéster, como também exposições oriundas do BarroFino, com peças artesanais em barro, entre outras atividades. SERVIÇO: Evento: Pintando na Praça em Palmares. Data & horário: 28/10, a partir das 9h. Onde: Praça Paulo Paranhos – Palmares – PE Contato: (81) 98853-0231. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

POESIA VITAL ABSOLUTA

Lançado recentemente durante a segunda da edição da Feira de Livros & Artes dos Palmares (FLIARP), o livro Poesia Vital Absoluta (CriaArt, 2023) já está disponível para os interessados. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 



quarta-feira, outubro 18, 2023

AKIKO YOSANO, KOSTAS AXELOS, MOLLY CRABAPPLE, HERMILO & FLIARP

 Imagem: Acervo ArtLAM.

A alquimia e a magia tratam de como materiais mundanos, benignos e abundantes podem ter um efeito maior do que a soma de suas partes. Para mim, criatividade é alquimia. Quero ter um efeito benéfico em sua fisiologia, mas não é da minha conta o que acontece depois disso... É meu presente para você.

Ao som do Tribute to Wayne Shorter - ARTE Concert (Festival Bielska Zadymka Jazzowa à Gliwice, Pologne, 2023), da contrabaixista e cantora estadunidense Esperanza Spalding.

 

RENASCINZAS... – Um dia e outro o mesmo: não fosse minha inquietude das estrelas, jamais discerniria entre o dilúculo e o ocaso, incólume pelas conflagrações, como se pisasse sobre os ossos dos que fracassaram. Desconfortável andança, mas seguia em frente. Um tanto de vezes sentia-me imerso às tramas do Replay de Ken Grimwood, como se já tivesse feito não apenas doze ou quinze a mais dos trabalhos de Hércules, com o dobro das mil faces de Campbell n’O Groundhog Day de Harold Ramis: não era o que parecia, mas era o amor fati no meu eterno retorno de Nietzsche – e a cada degrau, deserdado e enlouquecido. Tudo revivia a todo instante: era 31 de março e eu só tinha 4 anos no aniversário do meu pai, ou 8 de janeiro e a minha filha pedia atenção pro futuro enquanto estampava a foto de Herzog pendurado pelo pescoço e o dia D pra sindemia de fogo nas Amazônias e Pantanais, um dia e tantos os mesmos como os que doíam nas Filhas da Dor – e uma delas a heroina de Maureen Murdoc: O segredo do seu futuro está escondido na sua rotina diária... Então embarcava na aventura e me jogava de olhos fechados; ao despertar era como se nada houvesse, nada acontecido – pior: parecia mesmo a porta dos infernos aberta e estragasse tudo, porque Andie MacDowell apontava para a procissão da idiocracia – a pandemia de idiotas cheios de razões folgazãs. Era ela Doris Lessing: Aprendizado é isso: de repente, você compreende alguma coisa que sempre entendeu, mas de uma nova maneira... Não é a inteligência que escasseia, mas a constância... Eram outros fevereiros, nada que desse vontade de frevar ou cair na gandaia, muito menos recorrentes dezembros que me causavam asco de tanta hipocrisia. Louise Gluck ali me avisava: Olhamos para o mundo uma vez, na infância. O resto é memória... Eu te aviso como nunca fui avisada, você nunca vai desistir, você nunca ficará saciado... Resolvi então voltar pra casa... Tudo por consertar, tudo, já sabia. Pode ser tarde, mas agirei, tentarei pelo menos. Era como buscasse onde está você que sou eu e restava o mesmo dia e uma charge de Bob Mankoff: Tudo bem, a vida é sórdida, brutal e curta, mas você sabia disso quando se tornou um homem das cavernas... Caminhei sozinho e senti o pulso de Deus: não espero que ninguém me dê a mão, dou as minhas... Não espero que ninguém me dê abrigo, oferto o meu... Do nada nem nenhuma, renascinzas, o amor assim... Até mais ver.

 

UM POEMA... TRÊS...

Imagem: Acervo ArtLAM.

I – segurando os seios; \ entre as mãos, silenciosamente, \ ele remove o véu do mistério: \ aqui estão flores \ de uma cor escarlate intensa!

II – Seu senso de pecado, \ Este é você compassivo; \ Tudo o que estou dizendo é, \ Isso vai me deixar louca, \ Sua criança inocente.

III – A primavera encurta, \ E para a vida imortal! \ Há poder, para tocar, \ Há sangue em meus seios, \ Um bom lugar para a mão dele.

Poemas da poeta, feminista, pacifista e educadora japonesa Akiko Yosano (Yosano Shiyo – 1878-1942).

 

TIRANDO SANGUE - [...] Os radicais muitas vezes suspeitam da beleza da corrupção. Embora às vezes sejam filhos da puta tensos, eles estão certos em uma coisa: a arte por si só não pode mudar o mundo. As canetas não podem enfrentar espadas, muito menos drones Predadores. Mas à medida que a decepção e a violência se espalham, o antídoto é uma generosidade que a melhor arte ainda pode inspirar. [...] O talento é essencial, mas o dinheiro compra a oportunidade de descobrir esse talento. Fingir o contrário é cuspir na cara de todo gênio falido. [...] Para fazer alguém amar você, veja-o como a pessoa que ele deseja ser. [...] Sob lâmpadas nuas, os artistas pintaram fantasmagorias poderosas o suficiente para ameaçar exércitos.[...] A arte é esperança contra o cinismo, criação contra a entropia. Fazer arte é um ato de amor e desafio. [...] Garotas como eu usavam a Web de todas as maneiras que nossos pais temiam. Lemos manifestos anarquistas e trocamos pornografia chocante com homens adultos. Estragamos garrafas de vodca perfeitamente boas tentando fazer absinto com receitas que aprendemos na gótica Martha Stewart. [...] O globalismo dá menos margem de manobra aos filhos brilhantes de um país pobre. [...] Quando pensei em cada proposta ou ameaça que recebi andando pela rua com meu corpo de menina, decidi que poderia muito bem ser pago pelo problema [...]. Trechos extraídos da obra Drawing Blood (Harper, 2017), da escritora e artista estadunidense Molly Crabapple. Veja mais aqui.

 

A TÉCNICA – [...] o Jogo, sem que exista, perpassa toda e qualquer técnica e a técnica mundial em geral em sua totalidade fragmentária e fragmentada. A técnica procura tomar posse do tempo. O Tempo – o jogo do Tempo – é que supera a técnica por inteiro. O futuro da técnica destinado a reger o tempo por vir é ultrapassado pelo Jogo do Tempo que esmaga igualmente a técnica. Se o que está em jogo na técnica é o mundo, a própria técnica constitui uma constelação figurativa e não figurativa do que se joga sob o horizonte do Mundo. Ela é o andaime planetário, a última figura – até agora – do Mundo. Depois da Natureza, Deus e o Homem, é ao Andaime técnico a quem cabe tentar jogar o destino do mundo. Mas o Mundo permanece aberto. [...] Não é a reflexão – ainda que fosse técnico-científica – que pode situar-nos em relação à Abertura do Mundo; é o pensamento. Com a ironia mais penetrante, não se trata somente de apreender as obras visíveis da técnica, mas de encontrar um certo acesso ao Invisível [...]. Trechos extraídos da obra O futuro da técnica - Signos da técnica (Tempo Brasileiro, 1981), do filósofo grego Kostas Axelos (1924-2010), que na obra Horizontes do mundo (Tempo Brasileiro\EdUFC, 1983), expressou que: [...] a luz de cada escrito vem de outros escritos [...] Desde certo tempo, os homens - como indivíduos, como membros da sociedade, como fragmentos da História do mundo - procuram viver e amar, falar e pensar. Eles trabalham, lutam, morrem. Pelo quê? Pelo prazer problemático e pelo bem-estar a ser instalado - para o qual, cada vez mais, tudo se torna muito pouco - pelo reconhecimento - que se faz, de maneira crescente, perspectivista - pela realização da liberdade na terra e pela condição mediada de todos? O que os move e para onde se movem? E para que? O que há com as razões lógicas e mitológicas, com as forças do processo histórico, com os fins humanos? Articulam-se em oscilações ou oscilam articulando-se? Consolidam-se e dissolvem-se na história já jogada, repetem-se continuamente e são constantemente superarticulados. Será que só nos resta - sem saudosismo retroativo, sem desvalorização simplória do presente e sem utopia escaltológica - continuar, aprofundar e alargar o jogo? [...] as perspectivas do pensamento inscrevem nos horizontes do mundo, no horizonte do tempo – com horizontes sempre unitariamente tridimensionais –, porque os horizontes do jogo do Mundo são ao mesmo tempo horizontes do jogo do Tempo. O mundo, o tempo e o Jogo deles obedecem ao mesmo ritmo [...] cada um dos diferentes mundos do Mundo tem seu horizonte específico e só os horizontes do ‘próprio’ Mundo são ilimitados, a saber, podem ultrapassar seus limites. [...]. Já na entrevista Mondialisation without the world (Radical Philosophy, 2005), ele assinalou que: [...] A globalização nomeia um processo que universaliza a tecnologia, economia, política e até civilização e cultura. Mas permanece um pouco vazio. Falta o mundo como abertura. O mundo não é o físico e totalidade histórica, não é o conjunto mais ou menos empírico de conjuntos teóricos e práticos. Ele se implanta. A coisa que é chamada a globalização é uma espécie de mundialização sem mundo [...]. A ele são atribuidos os pensamentos: Perdemos o sagrado da saúde sem termos descoberto o da loucura... Não conheço ninguém que saiba falar do corpo. Apenas se balbuciam banalidades ou coisas enfadonhas.

 

PALMARES & O CORAÇÃO

Ficou o convite, que me lavou o peito, porque afinal de contas neste meu coração despedaçado estão os restos das noitadas no Alto Lenhador, das fritadas de Doroteu, das cachaças de Guará, dos amores de Quiterinha, das fomes periódicas, das humilhações constantes, das revoltas sufocadas, das noites de lua, das líricas namoradas, dos sonhos, das leituras até alta madrugada à luz de candeeiro, das mortes, do que escrevi, do que menti, do que amei, do que me mentiram, que tudo foi Palmares e que Palmares é, na minha obra, mito e realidade...

Trecho extraído da obra Palmares e o coração (FCCHBF, 1997), do advogado, escritor, crítico literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-1976). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

&

FEIRA DE LITERATURA & ARTES DOS PALMARES (FLIARP)

Acontecerá entre os dias 19 e 21 de outubro, em Palmares – PE, com a participação de Murilo Gun & Admmauro Gommes lançando diversos livros do poeta e escritor Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui.

 



quarta-feira, outubro 11, 2023

BIRUTĖ MAR, KRISTIN HANNAH, NARGES MOHAMMADI & PARADOXOS AZUIS.

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

O som pode realmente atuar como um gatilho para a memória e, em seguida, trazê-lo de volta a um lugar e hora específicos. Eu queria trazer essas vozes do passado para o presente.

Ao som do premiado We Shall Be All (Prêmio Turner de 2010) e Pledge (2002), instalações sonoras da artista escocesa Susan Philipsz.

 

 

PONTO DE DEBREAGEM, ARS ENVENIEND... - Versos soavam dos meus ossos, poema da carne – quantos pesos e muitas medidas. Nunca fui poeta, apenas vitimado. Sempre enfrentei o perigo da estagnação e do nada, embora imerso numa sufocante estase nada revigorante. Nunca temi a roda do arrependimento, era o sisifismo: os mistérios são muitos menos novidades, simulações apenas, simulacros do inacessível. O que não era poesia nem música o que seria se mexia dentro da gente e parecia outra coisa, laivos do futuro, talvez. Inaugurei o que poderia ser de festa e o olho no dilema: a jornada do herói imigrante condenado à queda, tal qual Bastian da História sem fim de Petersen – da obra de Michael Ende, quando, na verdade, apenas um leitor voraz na trama da Continuidade dos parques de Cortázar: jamais poderia me safar do sórdido, como se coagido pelos estudantes do colégio Marquês de Arapongas. Talvez essa a minha punição de Prometeu, a sanção nas opções de Camus. Optei por me rebelar à doença niilista e o absurdo, a fugir sobrecarregado – era eu na overwhelmed de Valéria Duca... Não me rendi jamais e fui ter com a imperatriz da fantasia, atingido pelo inesperado: lá estava eu dislálico diante de Nora Roberts: Algumas pessoas querem o simples, o banal e o tranquilo. Isso não faz com que as pessoas que querem o complicado, o extraordinário e o emocionante sejam gananciosas ou egoístas. Querer é querer, qualquer que seja o sonho... Apesar de parecer-me sardônica, não era: incentivava meus sonhos. Qual intrigante, e daí? Pessoas vivem, nenhum extremismo nem empolgação, pausas regulares, humor sombrio no julgamento dos outros. Interpelou-me Harriet Hosmer: Palavras são coisas frias e formais... Eu honro toda mulher que tenha força o suficiente para sair do caminho batido quando ela sente que sua caminhada encontra-se em outro... Tanto quis ao menos beletrista em estado de graça, impossível para quem pretenso Macunaíma – sirvo lá pra grande coisa... Disse-me então Mercè Rodoreda: É bom que, antes de escrever, se viva... Sim, as cartas da vida, o que foi abolido e a pedra de toque. Apesar de sempre tropeçar no meu próprio calcanhar dizia sempre me mandassem a bola que resolveria a parada. Era aquele que se achava pronto e toda vez me atrapalhava mãos pelas pernas. Sei, sempre jogaram às minhas costas, quase me convenci ser eu próprio meu inimigo, dei para isso minha ausência. O amor nunca foi fácil porque não será jamais um jogo. Conto meus botões, até mais ver.

 

COLAR DO SILÊNCIO

Imagem: Acervo ArtLAM.

água pura derramada \ - mas turvo no chão havia gotas - \ algumas - de memória

linda que retorna de viagens distantes \ de cidades desconhecidas sorrindo para si mesmo \ misteriosamente silencioso linda, \ isso só antes da expressão

já está desolado, já amanheceu \ já crepúsculo da manhã \ alguns pensamentos de repente \ alguns pulsos de luz semeando tempo, \ mãos, corpos \ doce perturbação cidade derretendo \ colar do silêncio

de todas as minhas vidas \ Eu me lembro de um outono \ na memória daquele outono \ Eu espio por uma janela ribeirinha \ naquela janela \ Eu vejo um trecho aberto de estrada \ naquela estrada \ Eu encontro uma pegada \ naquela pegada \ Eu construo uma casa naquela casa \ Eu planto minha samambaia de infância \ naquela samambaia \ Eu sonho com uma flor brilhante naquela flor \ Eu vejo uma gota caída naquela gota \ Eu reconheço um rosto velho naquela cara \ - Eu ouço minha própria voz

Poema da atriz e escritora lituana Birutė Mar.

 

O ROUXINOL - […] Se aprendi alguma coisa nesta minha longa vida, é isto: no amor descobrimos quem queremos ser; na guerra descobrimos quem somos. [...] Os homens contam histórias. As mulheres vão em frente. Para nós foi uma guerra sombria. Não houve desfiles para nós quando tudo acabou, nem medalhas ou menções em livros de história. Fizemos o que era necessário durante a guerra e, quando ela acabou, juntamos os cacos e recomeçamos nossas vidas. [...] Mas o amor tem que ser mais forte que o ódio, ou não haverá futuro para nós. [...] As feridas cicatrizam. O amor dura. Nós permanecemos [...] Sempre pensei que era isso que eu queria: ser amada e admirada. Agora acho que talvez eu gostaria de ser conhecido. [...]. Trechos extraídos da obra The Nightingale (11 x 17, 2021), da escritora estadunidense Kristin Hannah.

 

ATIVISMO – Pensamentos e sonhos não morrem. A crença na liberdade e na justiça não perece com a prisão, a tortura ou mesmo a morte e a tirania não prevalece sobre a liberdade. Continuarei os meus esforços até alcançarmos a paz, a tolerância para uma pluralidade de pontos de vista e os direitos humanos. Não estou desesperado nem perdi a motivação. Não podemos parar de tentar. Ainda espero e acredito profundamente que os esforços incansáveis dos nossos ativistas da sociedade civil acabarão por dar frutos. Matar, prender ou negar os direitos de um ser humano não é injustiça contra uma pessoa; ela acorrenta e mata toda uma sociedade. Pensamento da ativista iraniana e Prêmio Nobel da Paz, Narges Mohammadi.

 

PARADOXOS AZUIS

Sobreponha à palavra o abrupto da alma. \ E se livre da ausência de peso \ do verbo abstrato...

Extraído da obra Paradoxos azuis (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo, organização, seleção e prefácio do poeta e professor Admmauro Gommes. Veja mais aqui e aqui.

 



quinta-feira, outubro 05, 2023

NELLY SACHS, MALIKA MOKEDDEM, WENDY BROWN & UBQUB

 

Imagem: AcervoLAM.

Ao som de The House of Bernarda Alba (Festival Ballet Providence, 2016), Band of Sisters (2012), Spinning Plates (2012), The Boat Builder (2015) e The Witcher (2019), da pianista e compositora russa Sonya Belousova.

 

O QUE DA VIDA SENÃO O OUTRO – Quisera não houvesse clamores e alheios padecimentos orbitando a minha solitude, outro seria o ânimo na louca gangorra das horas tão minguantes quanto abissais. Quase desencorajado sigo anônimo a inspecionar o que ninguém levaria a sério na manducação de sonhos, quem dera a minha vida ínfima, inexplicável e sem sentido entre nomes estranhos e a serendipidade. Para quem acha solidão, nunca se está verdadeiramente sozinho, vai que cai das nuvens altiva Leila Guerriero: Aqui estou, mais uma vez longe de casa, esperando por alguém que não conheço numa esquina que nunca mais verei. E esta é exatamente a vida que quero ter... Sorrir foi a nossa repectiva saudação, era o que me restara àquela hora e, diante dela, longe de mim a modorra audaciosa e insana de liquidar, esmagar ou mesmo repelir, enquanto paramixovírus & Nipah & e sei lá mais o quê anunciam de longe a tragédia anunciada. Necessário encará-la com um misto de entusiasmo e perplexidade, isso para dizer o mínimo, melhor me arriscar provocador e sem qualquer pretexto, melhor ouvir aquela ali ao meu lado tal Anne Rice: Nenhum de nós realmente muda com o tempo. Nós só nos tornamos mais o que somos... Poucas pessoas realmente procuram o conhecimento neste mundo. Mortais ou imortais, poucas perguntas de fato. Pelo contrário, eles tentaram arrancar à força do desconhecido as respostas que já formaram em suas mentes… justificativas, confirmações, fórmulas de consolo sem as quais não podem continuar. A pergunta de fato é abrir uma porta para um furacão. A resposta pode aniquilar a pergunta e quem fez... Ouvi-la ladeando seus passos e atravessamos a noite de uma rua erma irreconhecível, talvez à beira do inferno, ninguém sabe – melhor seria fosse ali um istmo crepuscular, passeio plácido pelo arrebol estival, ou coisa que valha, sintoma houvesse para outro esperançar. Ela, então, duma sofreada e um punhado de palavras não deixou por menos Violeta Parra: São teus olhos que busco, não os encontro. São teus lábios que eu quero ver sorrir, mas eles são tão ingratos comigo, mais eles zombam de mim. O ser humano é formado por um espírito e um corpo, por um coração que bate ao som dos sentimentos. O amor é um turbilhão de pureza original... Não fosse calor para lá de 50 graus, o colapso oceânico, o enfraquecimento de Amoc e a glacialização humana, bastaria viver tão simples como um beijo de amor, um abraço terno e um coração batendo mútuo. Sonhar vale a pena, talvez mais que a vida. Até mais ver.

 

POVOS DA TERRA

Imagem: AcervoLAM.

Povos da Terra \ vocês, com a força do desconhecido\ firmamento, envoltos como rolos de fios, \ vocês, que costuram e de novo desfazem o cosido,\ vocês, que adentram o embaraçado das línguas \ como em colmeias, \ para picar o açúcar\ e ser picados –\ Povos da Terra, \ não destrocem o universo das palavras,\ nem retalhem com as facas do ódio\ o som, que nasceu com o sopro.\ Povos da Terra, \ ah, que ninguém pense em morte ao dizer vida – \ e não em sangue, ao falar berço –\ Povos da Terra,\ fiquem as palavras na origem,\ pois são elas que podem\ aproximar os horizontes dos céus verdadeiros\ e, pelo seu avesso,\ como a noite bocejando atrás da máscara,\ ajudar as estrelas a nascer –.

Poema da escritora alemã Nelly Sachs (1891-1970). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

A MULHER PROIBIDA - […] Eu não gostaria de ser uma mulher aqui. Não gostaria de carregar constantemente o peso desses olhares, da sua violência múltipla, alimentada pela frustração. Pela primeira vez, percebo que o ato mais banal de uma mulher na Argélia é imediatamente carregado de símbolos e heroísmo porque a animosidade masculina é tão grande e pouco saudável. [...]. Trecho extraído da obra The Forbidden Woman (University of Nebraska Press, 1998), da escritora argelina Malika Mokeddem, autora de obras como: estão Os homens que caminham (1990), O século das lagostas (1992), Sonhos e assassinos (1995), La nuit de la lézarde (1998), N'zid (2001) e La transe des insoumis (2006).

 

TEMPOS NIILISTAS – [...] A sabedoria popular contemporânea de que a educação em artes liberais está obsoleta só é verdadeira na medida em que a igualdade social, a liberdade e o desenvolvimento mundano da mente e do carácter estão obsoletos e foram substituídos por outro conjunto de métricas: fluxos de rendimento, rentabilidade, inovação tecnológica. [...] À medida que o neoliberalismo trava uma guerra contra os bens públicos e contra a própria ideia de um público, incluindo a cidadania para além da adesão, ele reduz dramaticamente a vida pública sem matar a política. As lutas permanecem pelo poder, pelos valores hegemónicos, pelos recursos e pelas trajetórias futuras. Esta persistência da política no meio da destruição da vida pública e especialmente da vida pública educada, combinada com a mercantilização da esfera política, é parte do que torna a política contemporânea peculiarmente desagradável e tóxica – cheia de discursos e posturas, esvaziada de seriedade intelectual, favorecendo a um eleitorado sem instrução e manipulável e uma mídia corporativa faminta por celebridades e escândalos. O neoliberalismo gera uma condição de política sem instituições democráticas que apoiariam um público democrático e tudo o que esse público representa no seu melhor: paixão informada, deliberação respeitosa, soberania aspiracional, forte contenção de poderes que o poderiam anular ou minar. [...] Trechos extraídos da obra Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution (Zone Books, 2015), da professora e pesquisadora estadunidense Wendy L. Brown, que no estudo Nihilistic Times: Thinking with Max Weber (Belknap Press, 2023), expressou que: […] a vida política formal é um teatro do niilismo: a esfera política é onde o niilismo é representado em sua forma bruta e também um local para superar ou resistir ao niilismo através da busca de causas mundanas. Em nossa época, ambos os potenciais estão presentes e colidem rotineiramente. [...]. Dela também a frase: Não há nada que valha mais a pena fazer do que tentar ser humano num mundo cada vez mais desumanizado. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

TTTTT & ATELIÊ VIRTUAL GENTAMIGA NO UBQUB

&

Luiza (Ases da Literatura, 2023), da jovem escritora Ana Júlia Pereira Carneiro & Una & Unari: a saga (Rascunhos, 2023), da escritora e professora Rute Costa. Veja mais aqui, aqui e aqui.