quarta-feira, outubro 18, 2023

AKIKO YOSANO, KOSTAS AXELOS, MOLLY CRABAPPLE, HERMILO & FLIARP

 Imagem: Acervo ArtLAM.

A alquimia e a magia tratam de como materiais mundanos, benignos e abundantes podem ter um efeito maior do que a soma de suas partes. Para mim, criatividade é alquimia. Quero ter um efeito benéfico em sua fisiologia, mas não é da minha conta o que acontece depois disso... É meu presente para você.

Ao som do Tribute to Wayne Shorter - ARTE Concert (Festival Bielska Zadymka Jazzowa à Gliwice, Pologne, 2023), da contrabaixista e cantora estadunidense Esperanza Spalding.

 

RENASCINZAS... – Um dia e outro o mesmo: não fosse minha inquietude das estrelas, jamais discerniria entre o dilúculo e o ocaso, incólume pelas conflagrações, como se pisasse sobre os ossos dos que fracassaram. Desconfortável andança, mas seguia em frente. Um tanto de vezes sentia-me imerso às tramas do Replay de Ken Grimwood, como se já tivesse feito não apenas doze ou quinze a mais dos trabalhos de Hércules, com o dobro das mil faces de Campbell n’O Groundhog Day de Harold Ramis: não era o que parecia, mas era o amor fati no meu eterno retorno de Nietzsche – e a cada degrau, deserdado e enlouquecido. Tudo revivia a todo instante: era 31 de março e eu só tinha 4 anos no aniversário do meu pai, ou 8 de janeiro e a minha filha pedia atenção pro futuro enquanto estampava a foto de Herzog pendurado pelo pescoço e o dia D pra sindemia de fogo nas Amazônias e Pantanais, um dia e tantos os mesmos como os que doíam nas Filhas da Dor – e uma delas a heroina de Maureen Murdoc: O segredo do seu futuro está escondido na sua rotina diária... Então embarcava na aventura e me jogava de olhos fechados; ao despertar era como se nada houvesse, nada acontecido – pior: parecia mesmo a porta dos infernos aberta e estragasse tudo, porque Andie MacDowell apontava para a procissão da idiocracia – a pandemia de idiotas cheios de razões folgazãs. Era ela Doris Lessing: Aprendizado é isso: de repente, você compreende alguma coisa que sempre entendeu, mas de uma nova maneira... Não é a inteligência que escasseia, mas a constância... Eram outros fevereiros, nada que desse vontade de frevar ou cair na gandaia, muito menos recorrentes dezembros que me causavam asco de tanta hipocrisia. Louise Gluck ali me avisava: Olhamos para o mundo uma vez, na infância. O resto é memória... Eu te aviso como nunca fui avisada, você nunca vai desistir, você nunca ficará saciado... Resolvi então voltar pra casa... Tudo por consertar, tudo, já sabia. Pode ser tarde, mas agirei, tentarei pelo menos. Era como buscasse onde está você que sou eu e restava o mesmo dia e uma charge de Bob Mankoff: Tudo bem, a vida é sórdida, brutal e curta, mas você sabia disso quando se tornou um homem das cavernas... Caminhei sozinho e senti o pulso de Deus: não espero que ninguém me dê a mão, dou as minhas... Não espero que ninguém me dê abrigo, oferto o meu... Do nada nem nenhuma, renascinzas, o amor assim... Até mais ver.

 

UM POEMA... TRÊS...

Imagem: Acervo ArtLAM.

I – segurando os seios; \ entre as mãos, silenciosamente, \ ele remove o véu do mistério: \ aqui estão flores \ de uma cor escarlate intensa!

II – Seu senso de pecado, \ Este é você compassivo; \ Tudo o que estou dizendo é, \ Isso vai me deixar louca, \ Sua criança inocente.

III – A primavera encurta, \ E para a vida imortal! \ Há poder, para tocar, \ Há sangue em meus seios, \ Um bom lugar para a mão dele.

Poemas da poeta, feminista, pacifista e educadora japonesa Akiko Yosano (Yosano Shiyo – 1878-1942).

 

TIRANDO SANGUE - [...] Os radicais muitas vezes suspeitam da beleza da corrupção. Embora às vezes sejam filhos da puta tensos, eles estão certos em uma coisa: a arte por si só não pode mudar o mundo. As canetas não podem enfrentar espadas, muito menos drones Predadores. Mas à medida que a decepção e a violência se espalham, o antídoto é uma generosidade que a melhor arte ainda pode inspirar. [...] O talento é essencial, mas o dinheiro compra a oportunidade de descobrir esse talento. Fingir o contrário é cuspir na cara de todo gênio falido. [...] Para fazer alguém amar você, veja-o como a pessoa que ele deseja ser. [...] Sob lâmpadas nuas, os artistas pintaram fantasmagorias poderosas o suficiente para ameaçar exércitos.[...] A arte é esperança contra o cinismo, criação contra a entropia. Fazer arte é um ato de amor e desafio. [...] Garotas como eu usavam a Web de todas as maneiras que nossos pais temiam. Lemos manifestos anarquistas e trocamos pornografia chocante com homens adultos. Estragamos garrafas de vodca perfeitamente boas tentando fazer absinto com receitas que aprendemos na gótica Martha Stewart. [...] O globalismo dá menos margem de manobra aos filhos brilhantes de um país pobre. [...] Quando pensei em cada proposta ou ameaça que recebi andando pela rua com meu corpo de menina, decidi que poderia muito bem ser pago pelo problema [...]. Trechos extraídos da obra Drawing Blood (Harper, 2017), da escritora e artista estadunidense Molly Crabapple. Veja mais aqui.

 

A TÉCNICA – [...] o Jogo, sem que exista, perpassa toda e qualquer técnica e a técnica mundial em geral em sua totalidade fragmentária e fragmentada. A técnica procura tomar posse do tempo. O Tempo – o jogo do Tempo – é que supera a técnica por inteiro. O futuro da técnica destinado a reger o tempo por vir é ultrapassado pelo Jogo do Tempo que esmaga igualmente a técnica. Se o que está em jogo na técnica é o mundo, a própria técnica constitui uma constelação figurativa e não figurativa do que se joga sob o horizonte do Mundo. Ela é o andaime planetário, a última figura – até agora – do Mundo. Depois da Natureza, Deus e o Homem, é ao Andaime técnico a quem cabe tentar jogar o destino do mundo. Mas o Mundo permanece aberto. [...] Não é a reflexão – ainda que fosse técnico-científica – que pode situar-nos em relação à Abertura do Mundo; é o pensamento. Com a ironia mais penetrante, não se trata somente de apreender as obras visíveis da técnica, mas de encontrar um certo acesso ao Invisível [...]. Trechos extraídos da obra O futuro da técnica - Signos da técnica (Tempo Brasileiro, 1981), do filósofo grego Kostas Axelos (1924-2010), que na obra Horizontes do mundo (Tempo Brasileiro\EdUFC, 1983), expressou que: [...] a luz de cada escrito vem de outros escritos [...] Desde certo tempo, os homens - como indivíduos, como membros da sociedade, como fragmentos da História do mundo - procuram viver e amar, falar e pensar. Eles trabalham, lutam, morrem. Pelo quê? Pelo prazer problemático e pelo bem-estar a ser instalado - para o qual, cada vez mais, tudo se torna muito pouco - pelo reconhecimento - que se faz, de maneira crescente, perspectivista - pela realização da liberdade na terra e pela condição mediada de todos? O que os move e para onde se movem? E para que? O que há com as razões lógicas e mitológicas, com as forças do processo histórico, com os fins humanos? Articulam-se em oscilações ou oscilam articulando-se? Consolidam-se e dissolvem-se na história já jogada, repetem-se continuamente e são constantemente superarticulados. Será que só nos resta - sem saudosismo retroativo, sem desvalorização simplória do presente e sem utopia escaltológica - continuar, aprofundar e alargar o jogo? [...] as perspectivas do pensamento inscrevem nos horizontes do mundo, no horizonte do tempo – com horizontes sempre unitariamente tridimensionais –, porque os horizontes do jogo do Mundo são ao mesmo tempo horizontes do jogo do Tempo. O mundo, o tempo e o Jogo deles obedecem ao mesmo ritmo [...] cada um dos diferentes mundos do Mundo tem seu horizonte específico e só os horizontes do ‘próprio’ Mundo são ilimitados, a saber, podem ultrapassar seus limites. [...]. Já na entrevista Mondialisation without the world (Radical Philosophy, 2005), ele assinalou que: [...] A globalização nomeia um processo que universaliza a tecnologia, economia, política e até civilização e cultura. Mas permanece um pouco vazio. Falta o mundo como abertura. O mundo não é o físico e totalidade histórica, não é o conjunto mais ou menos empírico de conjuntos teóricos e práticos. Ele se implanta. A coisa que é chamada a globalização é uma espécie de mundialização sem mundo [...]. A ele são atribuidos os pensamentos: Perdemos o sagrado da saúde sem termos descoberto o da loucura... Não conheço ninguém que saiba falar do corpo. Apenas se balbuciam banalidades ou coisas enfadonhas.

 

PALMARES & O CORAÇÃO

Ficou o convite, que me lavou o peito, porque afinal de contas neste meu coração despedaçado estão os restos das noitadas no Alto Lenhador, das fritadas de Doroteu, das cachaças de Guará, dos amores de Quiterinha, das fomes periódicas, das humilhações constantes, das revoltas sufocadas, das noites de lua, das líricas namoradas, dos sonhos, das leituras até alta madrugada à luz de candeeiro, das mortes, do que escrevi, do que menti, do que amei, do que me mentiram, que tudo foi Palmares e que Palmares é, na minha obra, mito e realidade...

Trecho extraído da obra Palmares e o coração (FCCHBF, 1997), do advogado, escritor, crítico literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-1976). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

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FEIRA DE LITERATURA & ARTES DOS PALMARES (FLIARP)

Acontecerá entre os dias 19 e 21 de outubro, em Palmares – PE, com a participação de Murilo Gun & Admmauro Gommes lançando diversos livros do poeta e escritor Vital Corrêa de Araújo. Veja mais aqui.