quarta-feira, outubro 11, 2023

BIRUTĖ MAR, KRISTIN HANNAH, NARGES MOHAMMADI & PARADOXOS AZUIS.

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

O som pode realmente atuar como um gatilho para a memória e, em seguida, trazê-lo de volta a um lugar e hora específicos. Eu queria trazer essas vozes do passado para o presente.

Ao som do premiado We Shall Be All (Prêmio Turner de 2010) e Pledge (2002), instalações sonoras da artista escocesa Susan Philipsz.

 

 

PONTO DE DEBREAGEM, ARS ENVENIEND... - Versos soavam dos meus ossos, poema da carne – quantos pesos e muitas medidas. Nunca fui poeta, apenas vitimado. Sempre enfrentei o perigo da estagnação e do nada, embora imerso numa sufocante estase nada revigorante. Nunca temi a roda do arrependimento, era o sisifismo: os mistérios são muitos menos novidades, simulações apenas, simulacros do inacessível. O que não era poesia nem música o que seria se mexia dentro da gente e parecia outra coisa, laivos do futuro, talvez. Inaugurei o que poderia ser de festa e o olho no dilema: a jornada do herói imigrante condenado à queda, tal qual Bastian da História sem fim de Petersen – da obra de Michael Ende, quando, na verdade, apenas um leitor voraz na trama da Continuidade dos parques de Cortázar: jamais poderia me safar do sórdido, como se coagido pelos estudantes do colégio Marquês de Arapongas. Talvez essa a minha punição de Prometeu, a sanção nas opções de Camus. Optei por me rebelar à doença niilista e o absurdo, a fugir sobrecarregado – era eu na overwhelmed de Valéria Duca... Não me rendi jamais e fui ter com a imperatriz da fantasia, atingido pelo inesperado: lá estava eu dislálico diante de Nora Roberts: Algumas pessoas querem o simples, o banal e o tranquilo. Isso não faz com que as pessoas que querem o complicado, o extraordinário e o emocionante sejam gananciosas ou egoístas. Querer é querer, qualquer que seja o sonho... Apesar de parecer-me sardônica, não era: incentivava meus sonhos. Qual intrigante, e daí? Pessoas vivem, nenhum extremismo nem empolgação, pausas regulares, humor sombrio no julgamento dos outros. Interpelou-me Harriet Hosmer: Palavras são coisas frias e formais... Eu honro toda mulher que tenha força o suficiente para sair do caminho batido quando ela sente que sua caminhada encontra-se em outro... Tanto quis ao menos beletrista em estado de graça, impossível para quem pretenso Macunaíma – sirvo lá pra grande coisa... Disse-me então Mercè Rodoreda: É bom que, antes de escrever, se viva... Sim, as cartas da vida, o que foi abolido e a pedra de toque. Apesar de sempre tropeçar no meu próprio calcanhar dizia sempre me mandassem a bola que resolveria a parada. Era aquele que se achava pronto e toda vez me atrapalhava mãos pelas pernas. Sei, sempre jogaram às minhas costas, quase me convenci ser eu próprio meu inimigo, dei para isso minha ausência. O amor nunca foi fácil porque não será jamais um jogo. Conto meus botões, até mais ver.

 

COLAR DO SILÊNCIO

Imagem: Acervo ArtLAM.

água pura derramada \ - mas turvo no chão havia gotas - \ algumas - de memória

linda que retorna de viagens distantes \ de cidades desconhecidas sorrindo para si mesmo \ misteriosamente silencioso linda, \ isso só antes da expressão

já está desolado, já amanheceu \ já crepúsculo da manhã \ alguns pensamentos de repente \ alguns pulsos de luz semeando tempo, \ mãos, corpos \ doce perturbação cidade derretendo \ colar do silêncio

de todas as minhas vidas \ Eu me lembro de um outono \ na memória daquele outono \ Eu espio por uma janela ribeirinha \ naquela janela \ Eu vejo um trecho aberto de estrada \ naquela estrada \ Eu encontro uma pegada \ naquela pegada \ Eu construo uma casa naquela casa \ Eu planto minha samambaia de infância \ naquela samambaia \ Eu sonho com uma flor brilhante naquela flor \ Eu vejo uma gota caída naquela gota \ Eu reconheço um rosto velho naquela cara \ - Eu ouço minha própria voz

Poema da atriz e escritora lituana Birutė Mar.

 

O ROUXINOL - […] Se aprendi alguma coisa nesta minha longa vida, é isto: no amor descobrimos quem queremos ser; na guerra descobrimos quem somos. [...] Os homens contam histórias. As mulheres vão em frente. Para nós foi uma guerra sombria. Não houve desfiles para nós quando tudo acabou, nem medalhas ou menções em livros de história. Fizemos o que era necessário durante a guerra e, quando ela acabou, juntamos os cacos e recomeçamos nossas vidas. [...] Mas o amor tem que ser mais forte que o ódio, ou não haverá futuro para nós. [...] As feridas cicatrizam. O amor dura. Nós permanecemos [...] Sempre pensei que era isso que eu queria: ser amada e admirada. Agora acho que talvez eu gostaria de ser conhecido. [...]. Trechos extraídos da obra The Nightingale (11 x 17, 2021), da escritora estadunidense Kristin Hannah.

 

ATIVISMO – Pensamentos e sonhos não morrem. A crença na liberdade e na justiça não perece com a prisão, a tortura ou mesmo a morte e a tirania não prevalece sobre a liberdade. Continuarei os meus esforços até alcançarmos a paz, a tolerância para uma pluralidade de pontos de vista e os direitos humanos. Não estou desesperado nem perdi a motivação. Não podemos parar de tentar. Ainda espero e acredito profundamente que os esforços incansáveis dos nossos ativistas da sociedade civil acabarão por dar frutos. Matar, prender ou negar os direitos de um ser humano não é injustiça contra uma pessoa; ela acorrenta e mata toda uma sociedade. Pensamento da ativista iraniana e Prêmio Nobel da Paz, Narges Mohammadi.

 

PARADOXOS AZUIS

Sobreponha à palavra o abrupto da alma. \ E se livre da ausência de peso \ do verbo abstrato...

Extraído da obra Paradoxos azuis (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo, organização, seleção e prefácio do poeta e professor Admmauro Gommes. Veja mais aqui e aqui.