domingo, fevereiro 28, 2021

TESSA BRIDAL, ROBERT LOWELL, JOSIE BESZANT, BOHUSLAV MARTINŮ & LUIS SOLER

 

TRÍPTICO DQC: O TRÂMITE DA SOLIDÃO – Ao som da Spring waltz – Mariage d’amour, de Chopin, na interpretação da pianista sul-coreana Sung Chang. - Da janela a vida pulsa em todo canto e o mundo parece sereno. Não, não está, foi mera impressão minha. Bastou apurar e lá longe o zoadeiro indiferente: a farra de vizinhos nas bolhas espalhadas, a ladainha dos fieis nos cultos acolali e alhures, filas de passantes proutras direções, as ruas cheias de pernas e pisadas. Ah, olvidam do genocídio, não estão nem aí; e o desgoverno se ocupa apenas de salvar a própria pele e dos seus. O monstro invisível captura desavisados e precavidos: milhões infectados, milhares sacudidos ao esquecimento. A impressão que tenho é que era uma vez um país... Hoje tudo é tão falso e quase não reconheço o compatriota na atitude selvagem, apesar do riso amigo e da aparência que não esconde a semelhança: são tão estranhos quanto estúpidos, como se feras prontas para me estraçalhar. Lá fora parece que não está acontecendo nada, isso entristece. No meu desolamento solidário, a escritora uruguaia Tessa Bridal: Ainda somos governados por entidades poderosas das quais não participamos de moldar ou controlar e, em lugar de poderes coloniais ou religiosos, agora temos poderes comerciais. Temos que escolher o grau em que queremos nos tornar cientes da injustiça e se e como estamos dispostos a enfrentá-la. Sim, tive sempre comigo ser imoral o desrespeito ao outro, mas como privar o faminto de se saciar diante do fausto, mesmo se o que estiver disposto seja imundície disfarçada; ou como coibir à porta escancarada à fuga do aprisionado, mesmo que dê num precipício e jamais tivera outra opção, nunca se sabe, e escapar às pressas se não quiser ficar no mesmo. Afinal está difícil viver e muito. Da minha parte, não terceirizei a vida moral e corro sempre o risco do desafio amoral, isso porque em mim doem disfarçadas dores alheias, afinal minha raça é todo mundo.

 


DOIS: OUTRA SOLIDÃO NO PAÍS DO FECAMEPA...- Imagem: da artista britânica Josie Beszant, ao som de Carnival of the Spirits (EMI, 1975), de Moacir Santos - O doutor Zé Gulu não sai mais às ruas, se muito chega à porta, toma um gole, espia pros lados, saúda conhecidos e some lá para dentro. Que foi que houve, homem? Está tudo repleto de inocentes macunaímas de mãos dadas com os das qualidades de Musil, de supostos e midiáticos heróis infames e cultores do QAnon com seguidores de algoritmos e evangélicos, afora bichos outros não identificáveis. Como é que é? Ele hesita todo dia em por os pés fora de casa: Não me sujeito a essa correnteza desvairada. Ora, ora, distanciamento social pela pandemia? Não só, era uma vez um país... Hem? Tanta lei, interesses escusos; serviço público, só corrupção; tantas mortes, tanto faz, tanto fez: quem se livrar que viva, o resto que se dane! Não me vejo mais humano, vivo entre feras e eu vitimado com o complexo do Samsa de Kafka. Pode se explicar melhor? Não existe mais o que se possa chamar de povo, só desvalidos; não há como se socorrer, a Nação ruiu à desordem e ao desperdício. Calma, doutor, hoje é segunda-feira, está começando a semana, se anime, homem! Você não deu fé da calamidade ainda, escute Mário Palmério: João Soares estava com a razão: política só se ganha com muito dinheiro. A começar com o alistamento, que é trabalhoso e caro: tem-se que ir atrás de eleitor por eleitor, convencê-los a se alistarem e ensinar tudo, até a copiar o requerimento. Cabo de enxada engrossa as mãos — o laço de couro cru, machado e foice também. Caneta e lápis são ferramentas muito delicadas. A lida é outra: labuta pesada, de sol a sol, nos campos e nos currais. Ler o quê? Escrever o quê? Mas agora é preciso: a eleição vem aí, e o alistamento rende a estima do patrão, a gente vira pessoa. Sim, sim, e daí? Marcial que o diga: É já tarde começar a viver hoje: o sábio começou ontem. As alegrias não ficam; voam e fogem. Não entendo. Ora, escute o Robert Lowell: A luz no fim do túnel é apenas a luz de um trem que se aproxima. No final, não há fim. E se ainda houver tempo é a hora do poema dele Escola de Hipócritas: converse com seu filho sobre amizade / converse com seu filho sobre respeito / converse com seu filho sobre autoestima / converse com seu filho sobre compaixão / e mande seu adolescente para a guerra. O senhor está muito negativo, doutor! Vivo do jeito que posso e sei, pra você: se for por falta de adeus, inté.

 


TRÊS: DAS MEMÓRIAS & SONHOS - Ao som da Fantaisies symphoniques nº 6, do compositor tcheco Bohuslav Martinů (1890-1959). - Daquela vez, quase inesquecível: ela Alma no meu sonho obsessivo de Kokoschka - a paixão a pleno vapor. No meio da traquinagem ela se fez Pasifae e me quis Touro indomável por tardes, noites e dias. E queria mais, muito mais. Assim eu&ela, ela&eu, bocas, mãos e sexo. Ao sair, eu me vi nos labirintos de Borges; e porque não mais voltou, restou-me o dédalo de García Marquez. A ausência e as minhas mãos vazias, coração em chamas, cabeça desencontrada. A solidão e a arte, a busca e o desejo, um projeto de estátua artesanal e nenhum segredo: ela Galateia da minha vida Pigmalião e tornou-se mais que real ao me abraçar, me beijar, dançar comigo e já até vontade própria: quer assim e assado, discorda de tudo e, depois de muito chorar aborrecida de tudo, diz que me ama e me faz feliz. Até parece jamais, fez-se carne e o meu ideal. Até mais ver.

 

AS RAÍZES ÁRABES, NA TRADIÇÃO POÉTICO-MUSICAL DO SERTÃO NORDESTINO



[...] Alguns estudiosos das tradições literário-musicais sertanejas, têm apontado serem possiveis certas influências árabes. Todavia, o comentário é feito quase sempre de passagem e às pressas, o nome dos árabes sendo mais um, na lista sumária dos virtuais contribuintes. Tudo o que até aqui levamos dito, no entanto, tende a demonstrar que esta influência foi muito mais do que isto: ela foi preponderante sobre todas as restantes. [...].

A obra As raízes árabes, na tradição poético-musical do sertão nordestino (Universitária – UFPE, 1978), violinista catalão Luis Soler Realp (1920 - 2011), quando o mesmo lecionou no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Veja mais aqui, aqui & aqui.