Ao som de Disquiet (2005), Until I Become
Human (2006), Hiraeth (2015), Something for the Dark (2016), The
Blue Hour (2017), Embrace (2018), Forward Into Light (2020), Eye
of Mnemosyne (2023) e Drink the Wild Ayre (2024), da compositora
estadunidense Sarah Kirkland Snider.
Sabaribadô:
prodígios de audacioso mitômano... – Sabe aquela mentira cabeluda? Tó Zeca insistia que
era de linhagem aristocrática. Num brinca! Batia o pé. Prova? Timóteo
não-sei-de-quê! Nem ele mesmo sabia pronunciar o nome completo. Mesmo? Lá pelos
17 anos de idade, sua querida vovó chamou num canto de alerta: Chegou a hora,
seja homem! E deu-lhe um livro e um cajado. O que é isso? A macróbia pacientemente
soletrou o nome dele, só entendeu o Timóteo, o resto: blábláblá. Leu e releu os
sobrenomes aos tropeços da língua: Brunsich vun Brunn Munchausen.
Do Barão? A provecta contou que o famoso barão ao enviuvar casou-se com uma
jovem 50 anos mais nova. Ela se chamava Bernardine e era Frederiike e também
Louise e, no meio desse matrimônio conturbado, nasceu Maria Wilhermina, que não
teve por ele o reconhecimento da paternidade. Foram brigas num litígio de
décadas pelos tribunais. No meio das arengas, a filha resolveu torrar a fortuna
paterna em viagens pelo mundo e, ao passar pela costa brasileira, foi
sequestrada por uma tuia de corsários ingleses, usada e abusada. Coitada. Foi
salva por um parrudo quilombola fugitivo, com um providente nocaute dos
branquelos, amasiando-se pruma prole dumas 30 filhas – o pintudo também era
faminto, deu pra ver. Ela viveu mais de 200 anos, o que lhe deu tempo de
escrever um livro sobre seu aprendizado com um cajado herdado da mãe e dado a
ela pelo irreconhecível pai. Na verdade, ela é a sua hexavó que, por sucessivas
Bernardinas, Louises, Fredericas e Wilherminas, como eu e sua mãe, desenharam a
sua árvore genealógica. E minha mãe? Morreu do parto no seu nascimento. Ave! Findava
com ela a odisseia e, de agora em vante, você é o único homem detentor dessa
herança. Aí ele viu-se num delírio edificante: o cajado e o livro - Sabaribadô.
Vôte! Significa o quê? Leia. A partir daí começaram as suas façanhas que foram
muitas e que estão registradas nas páginas dum outro secreto volume ainda
inédito e recôndito em lugar incerto e não sabido até agora. Ciente de ser o
escolhido, aprontou-se para receber o seu chamado. Não tardou e providenciou
alistamento no exército, para compor a tropa dos 25 mil soldados da Força
Expedicionária Brasileira, contra o Eixo, durante a 2ª grande guerra, na
Itália. Estava lá entre os combatentes na conquista de Monte Castelo, de lá foi
todo ufano por ser o único sulamericano a caminho de Castel Nuovo e na ofensiva
da Linha Gótica, ostentando a insígnia da Cobra Fumando. Foi durante os
bombardeios que ele se deu conta de seus poderes transcendentais, fazendo jus
ao epônimo e encarou: Quem mandou? Não bula com quem está quieto! Todo mundo em
pé de guerra! Bastava dizer a palavra mágica: Sabaribadô! E avançava sobre o
inimigo, acabando tudo em três tempos, salvando milhares e só lamentou não ter conseguido
resgatar os 500 que morreram por lá. Era o começo dos seus feitos e retornou festejado
pela bravura de pracinha e valentia de grande heroísmo. Foi daí que ele começou
a bater dos calcanhares e sair voando; balançava os braços, levitava, qual
beija-flor; estava calor, estalava os dedos e fazia chover; era cheio das
mungangas e foco de risadagens: Esse cara é doido! Todo cheio dos pantins, uma
vez mergulhou no rio e, dali a pouco, só se viu ele agarrado aos murros num tubarão,
que ele prendeu duas tábuas amarradas com fiapos do bigode, pra servir de motor,
enquanto surfava subindo as ondas do rio Una. Vixe! Quando não era isso era
contando das aventuras intrépidas com parelhas feito Malasartes, Camonge e Cancão
de Fogo, engrossando os versos do cordel duns tantos cantadores na maior farra.
A conversa era muita e sua notabilidade usurpou estases e êxtases indiscriminados,
aos apupos. Seus prodígios passaram aos do Cancioneiro da Vaticana, notadamente
pelo fato de um dia lá agarrar uma traíra gigante e, de dentro dela,
tirar Calibã que estava louco, para dar-lhe uma pisa bem dada. Muitas ele
contava até o dia em que teve de provar pra si e pra não sei quem mais, ao que
veio. Na verdade, era lua cheia e lá ia na sua fubica Brasinha – uma Brasília
71, incrementada de quase cair em bandas, quando ele que era o piloto de todas
as manobras e circuitos, o astro de todas as plateias, quem já tinha enfrentado
todo tipo de fera, besta, brutamontes, enamorado zis mocreias no xodó pelos
fuás, deu de cara com a mais formosa entre as mulheres na beira da pista. Danou-se!
Ao vê-la quase teve uma polução instantânea, a ponto de dar um cavalo-de-pau e
parar rodando bem ao lado dela na janela do passageiro: Pronde a madame deseja
ir? Ela apoiou os cotovelos cruzados sobre o vidro lateral, os peitões no
decote à mostra, lambeu os beiços, piscou um olho e bafejou: Estava só
esperando você chegar, bonitão! Oxe! Ele puxou bruto da maçaneta, abriu a porta
emperrada, desceu, arrodeou o carro para agir como um cavalheiro de responsa:
Madame dessa tem que ser tratada como rainha! Ela então pegou na beca dele e
tascou-lhe um beijo afetado. Ih! Nem deu tempo de abrir a porta do automóvel, logo
sacou na má fé da frochosa, ao oferecer-lhe uma maçã supostamente saborosa.
Desconfiou, aguçou as ventas e atinou que estava embebida com atropina para
zumbificá-lo e roubar sua memória. Deu ré de um salto e caiu em si: era
Diabolina, a súcubos que destronou o capeta e era da pior qualidade: Al
duwayce - com lâminas afiadas nos lábios vaginais, sabia?! Quer me capar,
é? Viu-lhe a insígnia pendurada no bico de um dos seios dela: a orquídea cabeça
do diabo. Deu outro passo tonto atrás, bateu as mãos para acessar as armas de
Catarina de Bolonha e a armadura de Efésios, nada adiantou. Cascavilhou a salvação
de Papini para abolir de vez aquele inferno e erradicar a diabologia de
vez da face da Terra, não deu. Tentou exorcizar-se, nada. Então, ela armou-se
pro bote com todas as pragas e flagelos multitudinários, aquela catinga de
tiocetona subindo na poeirada, e ele no meio daquela fantosmia, chega a sua própria
sombra acovardou-se e se escafedeu. Valha-me! Foi tomado por todos os temores
pueris, mas segurou a bosta na tripa gaiteira, perscrutou, fungou, a vista
turvou, titubeou, peidou-se todo, perdeu-se de si com aquele fedor nauseante:
Será que virei aquele Inexistente Cavaleiro de Calvino: Cadê eu?!? Nem
em sonho jamais vira tão infligido por tais circunstâncias. Buscou fôlego,
tomou impulso, tombou no caqueado, buscou ideia e na hora deu peleja glosando
motes prum desafio no martelo agalopado. Ela só lá, balançando o pé. Pegou versos
no balaio do quengo e virou-se cabra macho feito o Riachão do Leandro Gomes de
Barros, não arredou e chamou pra quebra-de-braço. Ela no bocejo. Foi quando deu
fé que estava numa encruzilhada: Lasquei-me! Ô desconforto, logo numa hora
dessas! E ela desatou-se em risadas estarrecedoras, rindo-se por mofa e invectivas.
Teve de enfrentar as torpezas, o fogo dos vaticínios, os esgares, de deixá-lo
cego, surdo, mudo, paralisado de tão perdido no meio duma comédia de Goldoni.
Tôfu! Ficou entupido de raiva ao ser qualificado pícaro: Essa não! Ela sentou-se
no capô do carro, abriu as pernas: Venha! Uma ventania puxou-lo de quase não se
segurar em pé. E agora? Ele atinou: Vou pegar a camisinha! Ela deu uma estrondosa
gargalhada. Aí ele provocou: Num vai dar nem uma chupadinha? E ela: Com todo
prazeeeeeer! E abriu a bocarra traiçoeira. Foi aí que se deu ao veloz e danou o
cajado na boca da danada: Sabaribadô! Aí ousou na sua pseudologia fantástica, deu-se
um pipoco de quando a poeira baixou o canto mais limpo. A coisa sumiu de restar
só uma bengalinha envergada quase sem préstimo. Hem, hem. Aí bateu nos peitos: a
astuta foi engalobada pela esperteza do mancebo. Mas foi treta! Pense num
trupé, dele chega ver o outro lado das coisas. Endoideceu? Para quem ganhava a
vida entretendo o povo, tornou-se figura lendária – até se gabava: O que faz um
batuta não é o que se diz dele, mas os seus feitos! Vivia sem perder de vista
um pouco disso, outro daquilo, cobrando contas prometidas, nenhuma promessa
cumprida, só às lorotas, libido e aporias. Vai lá que não tinha nada do Gatsby de Fitzgerald, nem do Iago de Otelo e discordava frontalmente do
Littlefinger: o caos não era uma escada, mas um labirinto. Era tudo no verossímil,
propendia neosofista e se identificava com Pinóquio embalado pela
infância, às gaitadas! Estava mais para Próspero da Tempestade e, diante
de sua avó quase morta pela terceira vez, mencionou: “Não fiz nada além de
cuidar de você”. Quebrou o que restou do cajado e enterrou junto com o livro pra
nunca mais. E aí? Com a definitiva morte de sua avó já contando o vigésimo
velório dela ou por aí, danou-se pelas quebradas do mundo. Dizem que foi pras
bandas Bodenwender, Rinteli, coisa assim pros lados da Alemanha, pra ver se
ainda restava alguma vultosa herança. Afinal, uma cabra cabriolé comeu-lhe
todos os documentos, não deixando a menor prova de que tenha existido. Taí. E
qual é o fim da hestória? Ora, ora. Até mais ver.
Silvina Ocampo: Quando você escreve, tudo é possível, até o oposto do que você é... As casas sonham que são barcos à noite... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.
Cassandra
Clare: Escreva
o que você ama - não se sinta pressionado a escrever prosa séria se o que você
gosta é ser engraçado... Veja mais aqui & aqui.
Geraldine Brooks: Uma coisa que eu acredito completamente
é que o coração humano continua sendo o coração humano, não importa como nossas
circunstâncias materiais mudam à medida que nos movemos juntos através do tempo... Veja mais aqui, aqui & aqui.
QUADRADO
DA DISTÂNCIA
Imagem:
Acervo ArtLAM.
Não
importa se você está \ no palco do verão, \ no centro de sua provocação. \ Longe
de seus incêndios, \ você caminha sozinho \ entre estátuas nevadas, \ ao longo
das pedras da \ Ponte Carlos, infinita. \ Você se vê caminhando, \ observando
como o gelo se coagula \ em ilhas efêmeras, \ correndo rio abaixo, \ se
juntando em um ponto \ distante \ — o quê aqui? — \ entre novas praias. \ O
relâmpago é indizível. \ Retorna, pois, na direção oposta, \ recupera usos e
costumes, \ mar, \ areia morta, \ esta claridade, \ enquanto podes. \ Mas
preserva no teu sangue, \ como um peixe, \ o doce choque da distância.
Poema
da poeta, tradutora, ensaísta, professora e crítica literária uruguaia Ida
Vitale. Veja mais aqui.
A MULHER
& A REPRESSÃO
- Sou apenas uma mulher que passa a impressão de racista quando teme pelo
futuro de outras mulheres... A mente aberta é apenas uma forma de lavar as
mãos... Cada cultura tem sua própria prisão feminina... Pensamento da
jornalista e escritora iraniana-francesa Abnousse Shalmani, que numa
entrevista Estamos pagando por nossa covardia diante da retórica indutora de
culpa e enganosa dos islamistas (Global Watch Analysis, 2024), ela expressou:
[...] Algumas pessoas, muitas demais, na minha opinião, achavam
que podíamos "negociar" com os obscurantistas, que um acordo era
possível. Acordo nunca funciona com radicais, nunca!
[...]. Ela é autora dos
livros Laïcité, j’écris ton nom (Éditions de l’Observatoire, 2024) e Khomeini,
Sade et moi (World Editions, 2016).
GAGUEJA
AO FALAR, FIRME AO PENSAR... - Sou mulher, sou negra, venho de uma família com
dificuldades econômicas e, como se não bastasse, ainda gaguejo impecavelmente... Trecho extraído da entrevista
Eu gaguejo. Isso não me impede de rigorosamente nada (Diário de Notícias,
2019), da historiadora e ativista luso-guineense Joacine Katar Moreira (Joacine
Elysees Katar Tavares Moreira), que foi eleita deputada ao parlamento português
e, em 2020, passou à condição de deputada não-inscrita. Na entrevista citada
ela ainda expressa que: [...] Quando eu nasci, os meus pais tinham 18/19
anos. A minha mãe estudava mas o meu pai já dava aulas, porque o Estado
guineense exigia que os alunos que acabassem um determinado nível de ensino
dessem aulas aos mais novos. A minha avó era uma mulher absolutamente
feminista, embora ela não faça ideia disso. Era uma mulher independente, uma
enfermeira respeitada, divorciada, que, mesmo sem ter altos recursos
financeiros, educou os filhos dela, os filhos dos irmãos, os filhos dos filhos.
Era muito organizada, obcecada com a higiene e muito amorosa. A minha avó nunca
levantou a mão para dar uma palmada a ninguém, mas o olhar dela - nem era de
austeridade, era um olhar de desilusão - era suficiente para nos dizer tudo.
[...] Quando entrei para a universidade nem sabia que eram precisos 25 euros
para fazer a inscrição. Cheguei ao ISCTE e não tinha o dinheiro, tive de
telefonar a tios e amigos. Se eu nem sequer tinha 25 euros para a inscrição,
como é que iria fazer para tirar o curso? Tinha de trabalhar. Eu
autossustentava-me, nunca pedi nada aos meus pais. Pelo contrário. Sempre foi
minha opção ajudar os meus pais e com os meus ordenados comprava bicicletas
para os meus irmãos, levava-os a passear, a ver um filme, a ir almoçar fora -
porque na minha infância eu nunca tinha ido almoçar num restaurante e achava
que essa experiência era importante para eles, para não sentirem as ansiedades
e as inseguranças provocadas pela segregação social, urbana, económica,
arquitetónica. A ansiedade provocada por entrar num edifício enorme, moderno,
espelhado, como se nós não estivéssemos no nosso espaço. Há uns anos isto
inibia-me de entrar em determinados espaços. É a maneira como nos olham, mas
também a maneira como nós nos sentimos, o nosso olhar sobre nós mesmos, a
incorporação da discriminação. Não se fala muito disto, mas os centros
comerciais foram importantes porque contribuíram para democratizar determinados
espaços. E eu achava que os meus irmãos não tinham de atravessar aquele deserto
enorme que eu atravessei. No último ano da universidade economizei dinheiro e
fui para a Guiné, visitar a minha avó. Foi a primeira viagem que fiz. [...] A
Europa debate-se com um problema enorme com os migrantes - que são refugiados,
mas não são chamados assim porque isso iria exigir uma resposta das
instituições. O que nós achamos é que a Europa só pode ser verdadeiramente
democrática quando não excluir ninguém e quando quer o Parlamento Europeu quer
os parlamentos nacionais forem um reflexo das nossas sociedades multiétnicas,
multirreligiosas, multiculturais, com homens e mulheres, heterossexuais,
homossexuais, etc. Não há homogeneidade. Para isso temos de resgatar os valores
da Europa. Porque é nesses valores que vamos encontrar os instrumentos para
combater as ideologias fascistas, ultraconservadoras, misóginas, sexistas,
elitistas.
[...] Sempre gaguejei e isso nunca me inibiu. Os meus pais e a minha avó
relativizaram sempre muito a minha forma de falar, brincavam com a minha gaguez
e sempre me fizeram sentir à vontade. Mesmo no colégio, eu era a apresentadora
das festas de Natal e, em situações importantes, eu era a escolhida para ler em
voz alta e para falar. Todos os meus castigos eram porque eu estava a falar de
mais. Tudo isso alterou-se no 12.º ano com a ansiedade de entrar na
universidade. Comecei a sentir nos ombros o enorme peso de ser alguém de uma
família que não tinha recursos. Tomei consciência de que não estava numa
posição favorável. E, além do mais, gaguejava. Sabia que tinha de enfrentar
situações em que seria avaliada pelo meu aspeto, por aquilo que dizia, pela
maneira como falava. Foi o início de uma inibição. Comecei a optar por ficar
calada. [...]. Ela estreou como atriz no filme Mudança (2020),
realizado pelo cineasta guineense Welket Bungué. Em maio de 2021, Joacine
lançou o livro Matchundadi: Género, Performance e Violência Política na
Guiné-Bissau (Documenta - Sistema Solar, 2020), que tem por base a sua tese
de doutoramento e coloca a luz sobre a dominação dos conceitos tradicionais de
masculinidade na vida política e social da Guiné-Bissau. Em 2023 ela recebeu Prémio
Mulher Referência Chá de Beleza Afro (CBA), depois que foi vítima da mais
violenta e mais vil campanha de ódio, racismo e xenofobia de que há memória na
história da democracia portuguesa.
A
ARTE DE ANTÔNIO NÓBREGA
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