segunda-feira, março 27, 2023

NURIA AMAT. SUSAN NEIMAN, MARIE UNDER & LADJANE BANDEIRA

 

 Ao som dos álbuns Kronos (Paradoxx, 1998), Um Outro Silêncio (Eldorado, 1999); Oriki (Saga\Trama, 2003). Presságios (Sonhos e Sons, 2007), Mae Inini (Wante, 2008), Layers of Now (Akasham, 2013), A Way Beyond (Akasham, 2015) e Enchanted (Wante, 2016), do violonista e compositor Eduardo Agni.

 

TRÍPTICO DQP: Uma: Baião das encruzilhadas - O que sou de ressurreto entre ambívios e malogros, meus sentimentos gotejam no caos, no meio de um torneio de ventos. Errei demais da conta e, da jornada do herói, a única lição: errar sempre para acertar. Não há fórmula mágica. Afinal, já dizia Umberto Eco: Nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais... Assino embaixo. Claro, viageiro das estrelas nuas, com todos os escombros e precipícios: porque todo ato é imperfeito e implora por ajuste – pior os casuísticos, já nascem natimortos. Resta ouvir Susan Neiman: O banal não despedaça o mundo, o compõe... Há quem desespere da bifurcação e do ambíguo, o medo do sacrifício. Ah, não! Encruzilhadas tantas quantas, prefiro adiante e pro leste, se possível; senão, fazer por onde. Já me julguei preparado para o que nem precisava. Aprendi o silêncio e me encontrei inteiro: uma vírgula e eu, outras a mais... Estava pronto para ficar só, a emendar, ou melhor, empiorando mais o já ruim. Pois é, ainda tem como ficar péssimo além da conta. Torço pelo contrário, vambora...

 


Pelo rio mais deteriorado... – (Imagem Acervo ArtLAM) - Sim. É o caso do vizinho que vivia só no final de semana. Nos dias de feira só o via às noites das sextas, não mais. Era casado, segundo ele mesmo, com a Víbora da sobrancelha violinista, esse o apelido dela: a vozinha aguda de rabeca desafinada aos resmungos das calçadas. Mantinha com ela uma quebra de braço, dizia reiteradamente. É que pra ele ela era careca e viúva negra, quando cerrava o cenho era a hora do golpe. Ele esperto, ora, não baixava a guarda. Tomava umas e outras quase todas só para o exercício de esquentar a mão no maluvido alheio e torcer que, com isso, surgisse, no mínimo, um canivete que fosse para renovar o sangue. Para ele: sangue preso mata, tá doido! Ficava em forma para enfrentar a megera! A filha do casal, a menina dos olhos dele. Sim, até o dia em que ela brincou de escrever com uma pedra pontiaguda na lataria do automóvel recém comprado, zero quilômetro. Oxe! Ela tinha apenas dois anos. Ele chegou nela com um safanão bruto, pisou-lhe a mão com fúria, esmagando-a. No pronto socorro: Por mim amputava! E foi isso mesmo. Quase três anos depois, separado da esposa e morando longe, a filhinha chorosa foi visitá-lo e aproximou-se dele: Papai, quando minha mão crescer de volta, eu vou trabalhar para comprar outro carro novo pro senhor, viu! De soslaio, nenhum remorso, nem deu ouvidos, indiferente como o Pirangi de Pelópidas. Disfarçou o pior - ódio, cada qual seu jeito, como dizia Nuria Amat: Cada povo se comporta como se tivesse chegado ao fim da história... Agora eu não sei quem você é. Se você existe, se você não existe, se você é um homem fantoche ou pesadelo... Era a vez de Marie Under: Uma pessoa nunca repara o que foi feito, mas sim o que ainda precisa ser feito... E Perse queria levar belas palavras ao coração humano. Ah, o horror de viver passou da conta até a exaustão do deus de todos na paz tumular dos inimigos insones com suas formas de copular amálgamas levados pela desfiguração do cenário. Ademais, como diz Caio Fernando Abreu: O resto é engano, meu filho, é perdição. Nada demais, não são apenas os outros, cada um de nós, coisa complicada...

 


Intermezzo... – (Imagem: Acervo ArtLAM) - Havia o intervalo e ela Chloé era o improviso: ela havia chegado como se tivesse visto a esperança brilhar na rua Sol. Mas não disfarçou a profecia: confusão das estações, corrupção dos homens, decadência das classes sociais, maldade, relaxamento dos costumes. Eita, resumo das manchetes do noticiário de hoje? Não, há milênios profetizou a deusa trina da religião da Wicca e da guerra celta, Morrigu, durante a narrativa das vésperas da Segunda Batalha de Moytura! Parece com os dias atuais, né! Sim, como nos salvaremos, ora, o Doomsday Clock está aí contando os segundos que restam. Ou façamos como o historiador romano Sofrônio Eusébio Jerônimo, o Jeronimo de Estridão: Quid salvum est si roma petit... Ironicamente citou o epitáfio do Rubem Braga: De volta às cinzas... Respondi-lhe Dorothy Parker: Desculpe a poeira... Ela tentou disfarçar e recitou A mão – esse pássaro digital, de Ladjane Bandeira: Te sou limite de exigências e ansiedades \ se me constrange a servidão quando te afastas \ por meu domínio temporal. \ Minha lucidez te fere e injusta sou\ se em confusão também me gastas.\ Se hesito, vens a mim\ e na firmeza \ tenho inteira e súbita tua luz carnal \ no limiar do acontecer de transgredir-me\ nessas tão nossa hegemonia instrumental... Parecia um tanto desolada, não se conteve e me abraçou pressurosa sussurrando palavras enlouquecidas para que eu a amasse ali mesmo, urgentemente. Tomei-a em minhas mãos, e soletrei o seu nome infinito com todas as minhas confissões à socapa. Suas mãos viçosas rondavam o que amanheceu em mim, misturando suores e salivas, e tocou minha alma com o hausto de êxtase lambendo o meu sexo na alvorada dos seus lábios de pajem magnífica, a me determinar levá-la lauta ao ergástulo, confiscando-a, rechaçada e fausta pro meu apetite, enquanto investia a dilapidá-la por baixo das suas vestes, desnudando-a para ter-lhe a cachoeira de sua fonte hibernando a volúpia – da vilegiatura ao êxtase, arqueando triunfal para que eu me enterre na sua terra pura que hoje tem e depois também. Aí lavrei em sua carne noturna o poema com meus versos mortais por suas margens curvas, o convexo ventre e sua joia côncava rutilante, a brindar no seu cálice auspicioso, o seu alvo imperecível, seu hangar - bendita seja a sua peçonha porque sou viciado Príapo para acicatá-la plenipotenciária, destra e retesada, atravessada adepta nas proezas que nunca envelhecerão, porque nela sou constante estado de graça, amanhã eu não sei. Até mais ver.

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segunda-feira, março 20, 2023

ALICIA KOZAMEH, ANDREE CHEDID, PRUDHOMME, HEYSE & O BICHO DO VAU

 


Ao som dos álbuns Vinha da Ida (2017) e Apneia (2022), da instrumentista, cantautora, circense e bacharel em sociologia, Livia Mattos.

 

TRÍPTICO DQP: Das lâminas e labaredas de Érebo... - O poeta sentiu a lâmina do tempo no corte profundo: a cicatriz guardava o sangue perdido e o fez singrar qual Odisseu pela névoa funesta de pesadas nuvens. Sabia desde Homero: A noite é terrível sobre os mortais infelizes. Não era o seu caso e nem se intimidou: enfrentou as labaredas de Érebo que emergia do caos e do esquecimento, saído das profundezas do Aqueronte com o coro das moiras e horas, fugindo do cárcere no Tártaro. Visível o seu ressentimento pela emboscada urdida por Nix, havia se libertado sozinho e era a primeira vez depois da Titanomaquia. Com ele as trevas da primeva escuridão nos ventos das belas tranças de Circe. Era então o vulcão da Ilha de Ross prestes a explodir sua erupção na Antártida, se agigantando como a cratera de Marte a mostrar o rio da morte e a fronteira entre dois mundos. Trouxe mulheres e homens despidos de seus legados, regurgitando a memória e lamuriando o luto dos vivos. Falsamente gentil ofereceu a imortalidade dos deuses por ser o universo, senhor dos cosmos e dos buracos negros. Não havia como escapar, todos haviam de passar por ele, como afirmara Hesíodo e os ditos das órficas e rapsódicas. Viu-se então Sully Prudhomme: Na minha alma trava-se um combate sem vencedor entre a fé sem prova e a razão sem encanto... Mais dissera Paul Heyse: Se a cabeça e o coração se contradizem, o coração acabaria por dizer: a pobre cabeça cede sempre, porque é a mais prudente... Um descuido do deus e subiu ao Monte como se recitasse o Poema em Linha Reta de Pessoa. E no topo cerziu seus poemas com a queimadura: transformava a dor em grandiosa mudança. Era como se salvasse aos primeiros raios da manhã. Sabia-se ainda vivo e voou nos versos de itinerância: até que tudo se esvaia na navalha do tempo...

 


Apocalipse lírico... - O que nunca tive não faz falta nenhuma, nem mesmo do que perdi ou ignorei. O que sei de mesmo: tudo pra ser revirado e refeito. Sim e refaço todas as horas de todos os dias. Em cada amanhecer já sou outro, tudo ficando para trás consumindo-se nos instantes e já era. Guardo comigo as palavras de Alicia Kozameh: Pego na mão o que sinto como beleza e, então, posso incluir a música que me é indispensável e o jogo de palavras... É sim o que me basta, os tons das cores musicais em cada uma das minhas vértebras. Aos poucos esqueço até de mim mesmo, só recomeço nos versos do Poema final de Andree Chedid: Onde estão as palavras, \ O fogo eterno, \ O poema final? \ A fonte da vida?... Esteja sabe-se lá onde, jamais serei o mesmo e até nem precise existir depois da desconstrução por que sou apocalipse lírico...


 

O bicho do Vau... - Um choro de menino e perscruto à toa. Logo uma das lavadeiras do lajedo: Não vá! Demorei a entender, até que ela, pálpebras baixas, olhar no vazio: Eu já tinha nascido quando a Sinhá nos trouxe para serviçais na casa grande. O coronel marido dela nunca gostou de mim: era como se eu fosse uma afronta e desconfiava do segredo da minha mãe, seria ele meu pai. Confesso: também não gostava dele e cresci assim, até tomar corpo e ele abusar de mim na volta do Vau. Fui mandada pra longe, escondida à sete chaves e tomaram-me o recém-nascido jogado na enchente do rio Jacuípe. Quantos não se afogaram investigando os gemidos pungentes. Hoje meu filho ainda chora nas profundezas do açude. É a maldição que atormenta todos aqueles que querem encontrá-lo. Silenciou... Fitou-me com insistência e me disse KateBornstein: Acho que há pouca compaixão no mundo agora, então precisamos desenvolver a nossa própria para compensar isso... Pude sentir sua dor e dela apenas o sumiço e as fatídicas notícias. Até mais ver.


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segunda-feira, março 13, 2023

PARVEEN SHAKIR, ANNIE DILLARD, IVO ANDRIĆ, ZELDA FITZGERALD & J. ORLANDO ALVES

 

Ao som do Concerto Grosso (2014) pelo Quarteto Radamés Gnattali e Fantasia para violoncelo (2022) interpretada pela violoncelista Eleonora Rodrigues, ambas do premiado compositor J. Orlando Alves (José Orlando Alves), atualmente professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPb) e coordenador do Laboratório de Composição Musical (COMPOMUS-UFPb).

 

TRÍPTICO DQP: - Invenção do visinvisível - O poeta olhou e viu: o cio do amanhecer. Durante o espetáculo ouviu o vento varrendo as ondas, poeiras e chão para aprumar pedras e caminhos; mais escutou do diálogo entre as gotas d’água se avolumando na correnteza dos rios e oceanos, e muito mais atentou com o desabrochar das sementes, a expansão dos tentáculos das raízes, a ramificação dos caules, o florescimento dos galhos, a pujança do fruto, mais as vozes e lamentos humanos que o fez sentir as entranhas da vida em cadeia e a sua reverberação. O poeta assistiu atento ao caos e distinguia o que dissera Parveen Shakir: Uma gota de chuva ficou presa em meus cílios e afundou no olho... Faça o que quiser, mas tenha isso em mente: o sol também foi acusado de ter beijado e abraçado a noite... Era o apocalipse lírico a sua estesia. E sabia que a vida real era essa, não a que seus olhos flagravam pelas ruas e cotidianos, cruzando seres hipnotizados como se estivessem vendados dentro de milenar mitologia. Em si comungava a invenção do visinvisível...

 


Retratos de identificação... – Inspirado no documentário homônimo de Anita Leandro (2014). Imagem: "Não esquecer, nem perdoar", mural em homenagem às Mães da Praça de Mayo, em Buenos Aires – Vidoutra essa, muito diferente da que presenciava pelos amanheceres e minguantes crepusculares. O que sei, onde moro qualquer lugar igual mesmice e falsas impressões. Na minha solidão falava alto Annie Dillard: Eu desço até a água para refrescar meus olhos. Mas em todos os lugares que olho, vejo fogo; o que não é pederneira é isca, e o mundo inteiro faíscas e chamas... E expôs entre as mãos: Este é o verdadeiro crânio perdido de Schiller, os demais são todos apócrifos. E mais mostrou das cartas de mortos, revelavam o que temia: os tribais sorielisarb. Ora, porque éramos e os nossos, tão antagônicos quanto assemelhados com seus anseios de bunkers fortificados protegendo-se de si e de nós mesmos. Fez-se então Filha da dor no Efeito Genovese, agora a sua foto com uma quina sobre o peito na hora da pose, o clique, e a minha face em todas as fotos de outros desaparecidos mundafora. Uma lágrima rolou sobre a face dela. E disse que não era hora de chorar. Sei que todos ignoram, os que se dizem vizinhos são tão estranhos quanto na horagá, os que trabalham e apenas isso, ou seja lá o que for, alheios a tudo. Era como se ouvisse Ivo Andrić: Entre o medo de que algo aconteça e a esperança de que ainda não aconteça, há muito mais espaço do que se pensa. Nesse espaço estreito, duro, vazio e escuro, muitos de nós passamos nossas vidas... E dizia que era preciso tomar pé dos batentes falsos, das emboscadas por muitos e quantos descaminhos. Em cada abraço um ato de amor entendido como loucura ou delito. Para quem vive havia de se cuidar, não será nada fácil passar por onde quer que seja. O que sei é que ela não deixou nenhuma carta, disse adeus e se matou sob um trem que passava numa estação de Berlim.


 

Cantarolava Mariazé... – Imagem: Quietude (2017), da artista plástica Marcia Gebara, integrante do Grupo Ateliê Virtual 2022. – Sim, cantarolava efusiva Mariazé a Sabiá de Zé Dantas e Gonzagão: A todo mundo eu dou psiu \ Perguntando por meu bem \ E tendo o coração vazio \ Vivo assim a dar psiu \ Sabiá, vem cá também \ Tu, que andas pelo mundo, sabiá \ Tu, que tanto já voou \ Tu, que fala aos passarinhos \ Alivia a minha dor \ Tem pena d'eu \ Diz, por favor\ Tu, que tanto andas no mundo\ Onde anda o meu amor, sabiá? E era pra lá e pra cá, fstiva, radiante. Acompanhava seus passos atentamente, sua vozinha, seus afazeres, sua disfarçada consternação. Por ser ruiva era apelidada pelos parentes de Boadicea; pros estranhos era reiterada Boadica. Não, não era, tinha certeza. Fui tirar isso a limpo e indaguei a razão pela qual tratavam-na pela tal. Respondeu-me tal Zelda Fitzgerald: Olhe mais perto e você verá algo extraordinário, mistificando algo real e verdadeiro. Nunca fomos o que parecíamos. Estranhei e só muito depois ela achegou-se reveladora: tornou-se o que a chamam ao tomar as dores de uma sua amiga que foi esquartejada pelo marido ciumento. Ninguém sabia a razão pela qual o crime ocorrera. E a notícia não demorou: explodiram também a cabeça dela, irreconhecível. Durante o enterro ouvi alguém soltar sigilo entre dentes com desdém, de que ela presenciara um crime e denunciou o assassino que foi preso; mas, pouco tempo depois, conseguiu fugir e foi à forra: tiros esfacelaram seu belo semblante. Dias depois um irmão dela também foi alvejado por balas até agora anônimas e está sepultado no silêncio de décadas. Comigo a dor de cada qual, dores pelos descaminhos. Mas o mundo pode ser diferente e melhor. Viver pode ser bom, necessariamente. Enquanto isso, até mais ver.

 

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segunda-feira, março 06, 2023

MARIA RESSA, MACLEISH, FILIPA MELO, CHANTAL THOMAS & TEJUCUPAPO

 

 Ao som de Umbrales (2018), Le Repas du Serpent (2004), Retour a la Raison (2004), Espectros de Água (2021), Rabeca (2021), Céu da Boca (2021) e Ronín (2021), da premiada violoncelista, compositora, musicista, pesquisadora e docente Iracema de Andrade.

 

TRÍPTICO DQP: - Cio do amanhecer... - O que é da vida (vem de, vai pra) outra! E eu com as perguntas de Gauguin nos lampejos do dia em plena madrugada. Que segunda ou sei lá relógio ou calendário, sem hoje nem onde, tudo se consome em erros e enganos. Quanta rebordosa na lição de Archibald MacLeish: Só existe uma coisa pior do que aprender com os erros - é não aprender nada com eles... Mesmo assim entoei o Hino de Akhenaton ao ver a estrela de Bandeira, como se vivesse no campo de Auta de Souza ou na palidez do inverno de Pessoa. E na do futuro de Sophia Breyner fui pelas quatro e meia de Bukowski e por toda de Affonso Romano de Sant’Anna, pensando com José Godoy Garcia e tecendo com João Cabral. Mudagora: destampou chuva de enxurrada lavando o meu país, enquanto assobiava as estranhezas dos lugares, a ligeireza do tempo e sentia o que jamais entendi. Sim, o sorriso se tornou espasmo com Maria Ressa: Sempre faça a escolha de aprender... Durante toda a minha vida, quando me deparo com uma decisão difícil, sempre me pergunto - onde posso aprender mais. Faça a escolha de aprender... E eu só pedia que não arrancassem minhas pálpebras, não fincassem dores no meu peito, não vazassem meus olhos, nem triturassem minhas unhas e dedos, não me dissessem de adeuses, nem fustigassem cem por cento meu coração, senão, sóis e lás, larilarás, bemóis, frases sem aspas, hemistíquios no impasse: nada cessava tampouco, pelo menos precisamos viver um pouco de paz...


 

A todo vapor... – Imagem: Report from Rockport (1940), do artista estadunidense Stuart Davis. - Maneiroutra: tinaceso, espreitubíqua; senão, cochilo de cachimbo entre pequenidades, era quase meio dia. Bem o diz Filipa Melo: Morremos todos de excesso ou falta de amor, que morremos todos do coração, acreditem!... Sim e isso porque o humano morre em cada um, essa a surpresa no meio do flagelo: todo o mundo vasto de desunião fundamentalista, feições desafinadas, os escarros da sorte se mantem tanto de besta e miserável, mais do que nunca. Melhor a tirada de Chantal Thomas: Na sociedade moderna há muito lazer e pouco prazer... Sim, todas as carências na supremacia, como se fossem dilacerados sábados pelas esquinas medievais, com suas palavras estranguladas e nenhum nome ficou ao exorcizar a história infame no charco silencioso, ocos ouvidos pelas labaredas dos pesadelos e eu apenas viver no que resta, sem querer saber o que será de mim...

 


Ares de Tejucupapo... – Imagem: arte de Tereza Costa Rêgo. – Quandepois, a vida triunfa de tarde. Afinal, nem só de inferno se vive, vezoutra o paraíso pouquinho, mas vale a pena. E era Clara entre outras anônimas Marias, jeito pontual, havido e devido, um sorriso de quem solta balões em festa. Olhou-me de seu, marisqueira unhas na terra: livrou-se da pilhagem holandesa apenas com pedras, pano, chuços e água quente com pimenta no Monte das Trincheiras, era a insurreição do Porto do Ferreira, muito tempo atrás. Hoje não, agora dia de sururu, ostra, aratu, mariscos outros no chão da maré, as cacimbas em que só eram abris recorrentes, alma senão feliz, satisfeita. E me dizia Langston Hughes: Agarre-se a seus sonhos, pois, se eles morrerem, a vida será como um pássaro de asa quebrada, incapaz de voar... A vida é para os vivos. A morte é para os mortos. Deixe a vida ser como música. E morte uma nota não dita... Ajeitou os afazeres, lavou as mãos e com afeto redobrado deitou os ombros ao poente enquanto eu apenas fagulhas das narinas de setembro, os suores lascivos e ela se enramava imantada com as ancas ondulantes de sibila ungida. Sorvia seu jeito, servo a servia. Lá pras tantas tudo descansava boquinha da noite, foi aí um lance na paisagem escura e seu púbis orvalhado abriu meu cofre fálico com um beijo no crepúsculo da garganta. Ah, perdi meu rosto no solfejo brando dela e me fiz por suas pálpebras celestes, o seu delíquio tirando fino à beira do Aqueronte, a vida breve e vã, os prazeres ficaram na promessa da eternidade, nada esqueceria. E dela a hestória e o amor. Até mais ver.


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