domingo, abril 25, 2021

GOMBROVICZ, VILA-MATAS, CIDA PEDROSA, BEATRIZ BRACHER & WALBER BARRETO

 

TRÍPTICO DQC: UM: No tempo que as coisas tinham graça – Era então menino presepeiro no Caçotinho, isso lá pela segunda metade dos anos 1960. A vizinhança era musical: no quintal ficava ouvindo o sax que soava intermitente pelas manhãs, finais de tarde e no meio da noite. Do lado esquerdo, um menino já solava a guitarra. Aí eu corria e me encostava à porta de sua casa para ouvi-lo: Bito, vamos tomar café? Vambora. A senhora mãe dele, com uma simpatia sorridente que era o maior afago no coração da gente, forrava a mesa, ajeitava tudo e me tinha como um da casa, servindo uma cumbuca de manteiga, pães e um apetitoso prato de batatinhas fritas. Santa mãe: ela achava a maior graça nossa gulodice, armados um duma faca de serra, lascava o pão verticalmente, tascava uma prastada de manteiga na banda do pão e inhac! Tome manteiga pra cima a cada mordida no pão. E isso enfiando o palito naquela que seria a melhor batata frita do universo! Verdade! Ainda hoje sinto o gosto na boca, inigualável. Bucho roliço, a gente corria da mesa para que ele executasse na guitarra os solos de sucessos que faziam a trilha sonora da nossa infância. Às vezes ele sapecava nas cordas umas gritadas raivosas segurando no cabo da distorção, só via seus dedos correndo dum lado pro outro no braço do instrumento e os cachorros uivavam fazendo coro do lado de fora. Nisso a gente ficava o dia inteiro, só suspendendo quando da chegada do pai dele pro almoço ou janta. À sesta, seu Louro sentava do meu lado e ficava apreciando o talento do filho nas cordas de aço. Quando não, era chutando a bola um pro outro, ou aprontando coisas de meninice. Anos de infância e adolescência, até que me mudei de lá e só o reencontrei já na segunda metade dos anos 1980, para integrar a equipe de músicos do meu show Por um novo dia. Ele já era músico prestigiado por todas as bandas e já se assinando Vavá de Aprígio. Festejamos e fizemos bonito, maior barato. Depois do evento, piquei a mula Brasil afora, só revendo o amigo muitos anos depois, para gravar os meus frevos da Folia Caeté. Comemoramos e pintou tudo às mil maravilhas, com a participação do maestro Maurício Malafaia e outros músicos da minha estima. Foi festejo que só em copos e rodadas. Tudo passou e agora é como se ouvisse o escritor espanhol Enrique Vila-Matas: Mais do que o vazio, o que importa é o conteúdo do vazio... Encontramo-nos em uma corrida louca rumo ao nada. Coisas do coração falam mais alto Marguerite Yourcenar: Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana. É a hora nostálgica da qual fala Augusto Roa Bastos: Nesses momentos, quando a humanidade como um todo está em estado de decadência, sempre existem aqueles seres excepcionais como ponto de referência. Hoje vez em quando a gente se cruza, joga conversa fora e fala dos projetos adiados para quando o genocídio e a pandemia folgarem um pouco e a gente mandar ver numas estripolias boas lembrando as presepadas de infância e das últimas curtidas sonoras das nossas audições. Vamos nessa!

 


DOIS: Das lembranças no meio dos livros - Ao som de Saudações – Sertões Veredas (ECM, 2009), de Egberto Gismonti, com a Camerata Romeu, sob a regência de Zenaida Romeu. - Bordejava eu com meus vinte e poucos anos pela rua 7 do Livro, quando ela me deu a edição do Lítero-Pessimsta, com a publicação de um poema do meu primeiro livro. Foi uma verdadeira festa no meu coração. E trouxe junto Francisco Espinhara, Marcelo Mário Melo e Eduardo Martins pra gritaria performática duns versos independentes nos céus do Recife. Ô festa boa! Lá estávamos e eu me aprontava para Piratear recepcionando o abraço de Arnaldo Tobias e Cícero Melo, com a novidade me levaram para uma roda com Jaci, Juareiz e Paulo Caldas que ouviam as cipoadas poéticas de Ângelo Monteiro e Alberto da Cunha Melo. Era cada virada de copo e de noite, de me perder da Boa Vista e errar o caminho de volta para casa. Tempos bons. Ainda tenho entre meus livros nas estantes a coletânea Restos do fim e O cavaleiro da epifania, que são desta época. Depois que adquiri nas minhas passagens pelo Recife os livros Cântaro (2000) e Gume (2005). E agora folheando Solo para Vialejo, revejo na memória viva e verdadeira a premiada e votada poetamiga Cida Pedrosa como se me dissesse desde sempre: Eu acredito que o poema pode mudar o mundo ou uma pessoa, ou o dia de uma pessoa. E é por isso que eu escrevo. Essa é a minha maior militância de todas as minhas militâncias. E depois recitasse... : a mulher virou homem o trabalho / e a desigualdade por baixo da saia: trouxa / na cabeça camisa cáqui de mangas compridas / chapéu de palha quartinha de cabaça e só / calça comprida por baixo da saia / calça comprida por baixo da saia / calça comprida por baixo da saia. Aplausos de sempre. Beijabrações, sucesso & saudades.

 


TRÊS: Medo de fechar os olhos – Imagem do escultor, poeta e artista tcheco Gyula Kosice (1924-2016), ao som Prelude 4, de Heitor Villa-Lobos, na interpretação do violonista alemão Peter Graneis. – O medo de fechar os olhos na escuridão da infância até agora e não sabia. O medo de abrir os olhos e o bicho embaixo da cama e os monstros dos velórios do meu quarto, minha casa meu cárcere na lápide da catacumba de todo fausto que apenas ouvi dizer por que só havia decadência por todo lado desde sempre. Fechar os olhos e abri-los e o Sol tiver roubado o dia para que nunca mais amanheça e não ter como fazer as pazes com Deus no meio das alternativas de escolher e resistir, de errar e não mais. Ou abrir os olhos no fundo do mar ou no oco do abismo, no estômago de um mastodonte e perder a fronteira e cair do outro lado ou me envultar de vez porque perdi a guerra e não estou sozinho, embora não tenha ninguém por perto. Abrir os olhos e ouvir o escritor e dramaturgo polaco Witold Gombrovicz (1904-1969): Eu dei vazão à minha estupidez ... e aqui estou eu, renascido. Nosso elemento é a imaturidade sem fim. E fechá-los com o eco de Platão na cabeça: Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz. E ao abri-los ficar encadeado de doer com Gandhi insistindo: O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não. E eu que nunca fui covarde com o medo de fechar os olhos e ter de retornar para um lugar que não me cabe e nem reconheço mais porque havia não sei quantas maneiras de ser diferente e perder a sinarquia dos mistagogos, inescrupulosamente desesperançado das dúvidas inquietantes por ser derrotado pela ressurreição das arruinadas verdades sagradas nas ondas do ressentimento e no deserto das ausências. E abrir os olhos e não mais ouvir Clarice: Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite... O medo de fechar os olhos como se a vida fosse uma causa perdida e eu nunca me resignei, nem me arrependi e agora é tarde recuperar o que perdi porque vi o que ninguém vu, senti o que ninguém sentiu. E enfim me salvar com a frase de Beatriz Bracher: Nenhuma palavra pode alcançara luz rosa e a transformação das pedras monumentais do amanhecer... E seguir cego sozinho sem ter para onde ir. Até mais ver.

 

A ARTE TEATRAL DE WALBER BARRETO


 

A arte do ator e professor Walber Barreto Pinheiro, que é ator e professor de Língua Portuguesa. Ele iniciou sua carreira no Projeto Arteatro, em 1996, participou do projeto Mais Educação e além de performances de teatro popular, realizou uma temporada exitosa com a encenação da peça O discurso da pura razão, do premiado dramaturgo, pintor e advogado Elmar Castelo Branco, com o qual foi premiado no Festeráguas 2019. Confira a entrevista que ele me concedeu aqui e mais Teatro aqui e aqui.

 

 

sábado, abril 10, 2021

TERESA WILMS MONTT, CORÍN TELLADO, VONNEGUT, BRUNO KIEFER, ČIURLIONIS, MESTRE SOLÓN & GILVAN LEMOS


  

TRÍPTICO DQC: UMA ÚNICA VEZ &ALGUNS DIAS – Ao som de Saudade, do compositor Bruno Kiefer (1923-1987), na interpretação da pianista Liliane Kans e do clarinetista Diego Grendene, no Encontro Brasileiro de Clarinetistas e Claronista, recolhida do álbum O clarinete na obra de Bruno Kiefer (Tratore, 2020). – Aterrissei - aeronave com motor ligado: só para reabastecer, matar um taquinho da imensa saudade e cair no mundo, muito ainda a desenrolar por aí. Não dá para esperar o desfecho do desgoverno genocida – cuido cá de mim e de quem mais no braço elástico por aí. Lamentavelmente tem muita gente que não está nem aí. E a prova é tanta que apenas 25% decidiram e mandam ver se segurando de todo jeito no grito – também, pudera, só: a covardia oportunista e deixa ver como é que fica. Ora, ora. Outros 25% esperneiam titubeando a cama de gato e o contrapé da topada. E os 50% restantes ou roncam ou ignoram. Pode? Pois é. Fazer a minha parte é o que me resta. Confesso estar ainda naquela: umúnica vez & alguns dias. Nada não. Sei que tenho sete vidas e não é a primeira vez, nem a última; se encontrei, reencontrarei, oxalá; só não sei quando. Ainda me surpreendo com a Corín Tellado: Acho que somos muito parecidos. As mulheres param e os homens urinam na parede, só isso. Eu sou homens maravilhosos e sensíveis. Mais ainda com o escritor alemão Kurt Vonnegut (1922-2007): Temos que pular de penhascos continuamente e desenvolver nossas asas durante a queda. Cuidado com o que você finge ser, pois você é o que finge ser. Pois é, ainda muito me surpreendo e me espanto sempre, sigo ressurreto das encruzilhadas, cantarolando do Chico: Vida, minha vida, olha o que é que eu fiz...

 


DOIS: SOU UM BONECO DO MAMULENGO - Ao som de La cesta de flores, op. 9, da compositora e maestrina venezuelana María Teresa Carreño García de Sena (1853-1917), na interpretação da pianista venezuelana Clara Rodríguez, professora do Royal College of Music, de Londres. – Nas minhas andanças, paisagens e indiferença. Encarei meu alter ego e eu que era o boneco do mamulengo – o Tião de Hermilo -, não me reconheci: eu tenho vida, os outros são iguais. Foi o Mestre Solón quem advertiu: Antes de existir o homem, existiu o boneco. E mais Schopenhauer: Às vezes converso com os homens do mesmo modo como as crianças conversam com seus bonecos: embora ele saiba que o boneco não a compreende, usando uma visão agradável e consciente, consegue divertir-se com a comunicação. Então, abri os olhos e a vida às minhas mãos, ventríloquo da Lindanor Celina: Evidente que a vida é tudo entremeado, sal de lágrimas, mel de riso e as amarguras dos desesperos, dos ciúmes... Meu medo é que sigas sempre desse jeito, atraindo abismos. De porta fechada e piso em falso, muito equilibrei, sou não-eu: fiz do outro o que sou.

 


TRÊS: REENCONTRO MARCADO - Imagem: Veiled Woman (1907), do pintor e compositor lituano Mikalojus Konstantinas Čiurlionis (1875-1911), também autor da música Miške (In The Forest/Five Preludes – Marco-Polo, 1990), na interpretação da Slovak Philharmonic Orchestra, maestro Juozas Domarkas. - A solidão dói: talho que não mata. Para quem sabe, criativa: reinvento a mim mesmo e o mundo. A chuva torrencial e invento pouso ensolarado; se calorão, concebo aragem à sombra pitombeira e um poema de Teresa Wilms Montt: Diante da minha janela fechada, pergunto ao tempo quanto mais terei de viver. Sombras inundam minhas cortinas, e a claridade mal marca uma linha tênue. O relógio está hesitando de um coração doente. Em um gesto convulsivo, minhas mãos se contraem no papel. Eles buscam o apoio da terra. E sou encontro e muitos desencontros: aprendi muito – a maior parte desse aprendizado restou inútil, valha-me! Muito mais para aprender e a minha vida é pouca. Se em cima da hora, pronto para outra viagem, um reencontro, o reencontro marcado. Até mais ver.

 

A LITERATURA DE GILVAN LEMOS



Os aventureiros, oportunistas, desonestos, macomunados com o poder conseguem o que pleiteiam; os honestos, classificados de bestas, prosseguem inconformados, em sua vidinha obscura.

A literatura de Gilvan Lemos (1928-2015), autor de obra como Noturno sem música (Nordeste, 1958), Jutaí menino (Cruzeiro, 1968), Emissários do diabo (Civilização Brasileira, 1968), Os olhos da treva (Civilização Brasileira, 1975), O anjo do quarto dia (Globo, 1976), Os pardais estão voltando (Guararapes, 1983), Espaço terrestre (Civilização Brasileira, 1983), Cecília entre os leões (Bagaço, 1994), A lenda dos cem (Civilização Brasileira, 1995), Morcego cego (Record, 1998), entre outros. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.