segunda-feira, janeiro 12, 2015

TANELLA BONI, ANNE HÉBERT, FREYTAG-LORINGHOVEN, MUSIL, ESOPO & BONHOEFFER

 

ELSA BARONESA - O pai cruel, a mãe religiosa, motivos para fugir do jugo do pai até Berlim com um trabalho num cabaré entre boêmios. Era um teatro e foi corista, dançarina, acumulava amantes num casamento aberto. Separou-se e casou de novo para ser abandonada. Passeou pela Itália, Suíça e França, para depois ancorar exilada em New York, chamando atenção por seu estilo pouco convencional de vida. Casou-se com um falso barão alemão, um dândi que desapareceu no Canadá: este, o terceiro se suicidara para deixar-lhe apenas o nome. Passou a viver entre a miséria e o dandismo, tornando-se modelo provocativa de fotógrafos e artistas no despudorado Body Sweats: The Uncensored Writings of Elsa von Freytag-Loringhoven. Provocadora na libertação da linguagem e sexualidade livre, atuava em meio a profiláticos, brinquedos sexuais e orgasmos femininos. Era sempre presa pela polícia por roubo ou por vestir-se como os homens. Declarou guerra aos burgueses, causava escândalo com sua maquiagem brilhante, penteado raspado e tingido, trajes extravagantes e influentemente radicais. Ela se vestia com desenhos próprios, reunindo trapos e objetivos colhidos do lixo. Logo viu-se: a Baronesa era bizarra, cleptomaníaca, promíscua, precursora transcendental da vanguarda, causava perplexidade e fúria com suas performances e poemas: uma expoente Dada até a alma, a excêntrica pioneira performática de toda vanguarda. Possuía um pseudônimo: R. Mutt, um certo Richard, proprietário do vaso sanitário, um dos tantos codinomes dela à beira da loucura. Foi dela a ideia da The Fountain de Duchamp. Ela já usava despojos e objetos escatológicos. God se mostrou – um tubo de drenagem que é montado sobre uma serra de esquadria de madeira, o falo ligando a peça diretamente à deidade, o criador de um mundo androcêntrico, uma blasfêmia de canos retorcidos e enferrujados - e era a luz na fonte para ela. Dela o Hardened Ornament, seu ready-made, um pedaço de ferro encontrado tornou-se o Símbolo de Vênus invertido: o cachimbo é o pênis dominando a Terra, o patriarcado opressor. O enfeite tilintante Limbwish que ela usava acompanhando o ritmo da sua cintura, o apito do membro. Era ela dominatrix e inventou Dada, a heroína de muitas fantasias esbanjadoras, o sufrágio feminino e a decadência religiosa nos happenings e performances, invadindo o Gabinete Secreto do Museu Arqueológico de Nápoles, quebrando normas sexistas e os papéis de gênero, desfilando entre objetos fálicos e afrescos eróticos. A poeta experimental foi protagonista de Man Ray & Duchamp, raspou os pelos pubianos nua numa intervenção artística, fez versos sexuais com sons e críticas religiosas - Uma dúzia de coquetéis – por favor, exaltava a felação com seu paladar lascivo pelos versos optofonéticos nos pirulitos de solteirona: Correntes de ar serpentinas \ – – – \ hhhhphssssssss! \ A própria palavra \ penetra! \ ('correntes de ar serpentinas \ – – –  \ hhhhhphsssssss! \ A própria palavra \ penetra! Em Aritmética Cósmica ela se lança contra a religião cristã: onde a mulher na santíssima trindade? E quem diria dela o urinol de Duchamp, hem? Ela sabia da falsidade. O seu corpo reinventou a crítica artística vigente, latas de tomate cobrindo-lhe os seios, uma gaiola por colar, frutas e legumes roubados nos adereços vestimentais: era uma colecionadora de tudo, a sua arte viva – chutava o balde da arte convencional e o seu mercado. A sua voz de muitos nomes com seu corpo nu onde menos se esperava. A sua marca: EvFL. O desejo pelo orgasmo e os materiais perecíveis, os restos e suas assemblages, o retorno da deserdada à terra natal com os estragos da estúpida guerra, o retorno à Paris para ser mais uma vez incompreendida. Rompeu com as fronteiras entre a arte e a vida, e fez de si sua própria arte: Woman Art House, a transgressora por excelência suicidou-se asfixiada por um vazamento de gás em sua própria casa. Viva a deusa-musa Elsa Hildegard, a Elsa von Freytag-Loringhoven (1874-1927).


 

A VOZ DE ELSE, A ELSA BARONESA - Todos que me querem gostariam de me devorar, mas sou muito expansiva e estou aberta a todos os lados, desejo isso aqui e aquilo ali. Eu implantei sexologia e usei. Todo artista é louco pela vida cotidiana. Eu tinha avançado para um sexo espiritual: a arte - que ninguém protege tão prontamente quanto um encantador corpo amoroso de carne. Éramos pessoas de um círculo de conduta de vida supostamente altamente cultivada pela moralidade intelectual – superior à sociedade em suas malhas hipócritas. Tudo o que é emocional na América torna-se um mero espetáculo e faz de conta. Os estadunidenses são treinados para investir dinheiro, dizem que correm riscos desesperados nisso, mas nunca investem em beleza nem correm riscos desesperados nisso. Com dinheiro tentam comprar a beleza – depois que ela morreu – famintos – com caretas. A beleza está sempre morta na América. Pensamento da poeta e artista polonesa Elsa von Freytag-Loringhoven (1874-1927), autora dos poemas: A sedutora tenacidade do disco de borracha do amuleto do polvo \ - sugando \ suavemente - enérgico \ em \ sistemas móveis \ Malha \ Ceasar's \ Digging \ Point \ Beijo afiado \ Plenishing \ Estalando a sede Corte de \ broca \ Rimflush \ Desejo de sangue rubi \ Igual \ de \ qualidade verdadeiro - \ Jorrando - \ Ejaculando silenciosamente \ Alto \ para \ manchar brilhos perseguidos \ Temperado \ dolorido \ Namoradeira \ Carmesim de Ceasar Bainha Cardeal \ Suprema No feixe de Hedges Of Pride – Ponto de inflamação da lâmina corajosa – Aço do punhal Marte \ adormecido No Hearth Olympic. II - Almofadas de amor de polvo Capacidade \ de recuperação \ Discos de sucção agarram-se ao braço afiado dentro da elasticidade extática feminina. III - Aumenta! \ Vale do torneio – \ Colchão \ do Victor \ extremamente laureado\ Maturesmiled – \ Rosestrewn – \ Gaping – \ Openpetalled – \ Abandonflushed – \ Profundo – saciado – vermelho \ Por: O \ ousado brilho da virtude \ – Adornado. IV - Afrodite a Marte \ Lâmina intermitente – \ Punhal enterrado – Teia de ternura \ altamente flexível Abdominal de sistemas \ Aço igual em formato feminino\ A agudeza da lâmina enterrada de Aflirt \ Mars é agressiva no ajuste aristocrático receptivo de Keenness. V - Ouça!\ Garanhão \ Whinny está \ em \ matagais. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Pratique atos aleatórios de bondade e atos de beleza sem sentido... As bibliotecas o ajudarão em tempos sem dinheiro, melhor do que o dinheiro o ajudará em momentos sem bibliotecas... Pensamento da escritora canadense Anne Hébert (1916-2000), que na obra Le Temps Sauvage; Suivi De La Mercière Assassinée; Et Les Invités Au Procès (HMH, 1967), expressou: [...] Aqui me escondo quando quero. Posso me esconder por dias e dias, sem que ninguém saiba se existo ou não, e sem que eu mesmo saiba. Eu me tranco lá. Eu leio, durmo, sonho. Eu não me movo mais. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Um camelo atravessava um rio de rápida correnteza. Defecou, e viu então seu excremento passar por ele, levado pelas águas ligeiras. E disse: "o que vejo? O que estava atrás de mim ainda agora, eu vejo passando a minha frente! Pensamento do escritor grego Esopo (620 a.C. - 564 a.C.). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

FALANDO DE ESTUPIDEZ & A ESTUPIDOLOGIA – [...] A estupidez é mais perigosa que a maldade. Contra o mal se pode protestar; o mal pode ser exposto, revelado; pode também ser evitado, se necessário, até pela força; o mal sempre carrega o germe da autodecomposição, deixando pelo menos um desconforto naquele que o pratica. Diversamente, não há como se defender da estupidez. Nada pode ser feito aqui com protestos ou com violência; razões não a convencem; simplesmente não se dá crédito a fatos que contradigam o próprio preconceito – em tais casos, o estúpido se torna ainda mais resistente – e se esses fatos são incontestáveis, podem com facilidade ser postos de lado como casos isolados e sem sentido. O estúpido, ao contrário da pessoa má, sente-se completamente satisfeito consigo mesmo; sim, ele até se torna perigoso, enfurecendo-se facilmente quando é refutado. Portanto, a relação com o estúpido exige muito mais cautela do que com a pessoa má. Nunca se há de convencer o estúpido pela razão – é inútil e perigoso. Para saber lidar com a estupidez, é preciso antes procurar entender sua natureza. Não se trata essencialmente de um defeito intelectual, mas algo que atinge a humanidade do sujeito. Tanto é assim que existem pessoas de inteligência extraordinariamente ágil que são estúpidas e pessoas intelectualmente pesadas que podem ser tudo, menos estúpidas. Para nossa surpresa, chegamos à seguinte conclusão: parece que a estupidez não é propriamente um defeito congênito, mas um processo em que as pessoas se tornam estúpidas sob certas circunstâncias, ou deixam-se fazer estúpidas de forma recíproca. Também observamos que a estupidez aparece mais em pessoas ou grupos propensos ou condenados a viver em comum do que em pessoas mais fechadas, reservadas e solitárias. Assim, parece que a estupidez é um problema mais sociológico do que psicológico. É uma forma especial de influência das circunstâncias históricas sobre o homem, isto é, uma consequência psicológica de certas circunstâncias externas. Em uma análise mais detalhada, verifica-se que toda forte expansão externa do poder, seja política ou religiosa, golpeia um grande número de pessoas com estupidez. Sim, parece que é uma lei psicológica e sociológica. O poder de alguém precisa da estupidez de outrem. O processo não é que, de repente, algumas faculdades – como a intelectual - definhem ou fracassem, mas sim que a independência interna da pessoa vai sendo roubada pela impressão esmagadora do desenvolvimento do poder, até que - mais ou menos inconscientemente – essa pessoa renuncia a encontrar seu próprio comportamento em relação às situações que a vida lhe apresenta. O fato de o estúpido ser muitas vezes teimoso não significa que ele seja independente. Conversando com ele, você quase pode sentir que seu discurso nem sequer tem a ver com ele mesmo, com aquilo que o constitui. Trata-se de frases de efeito, slogans e chavões que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, abusado e maltratado em sua própria natureza. Tornando-se assim um instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre. Disso decorre que somente um ato de liberação – e não um ato de instrução – poderá superar a estupidez. Na grande maioria dos casos, para superar a estupidez, a pessoa terá de aceitar que uma genuína libertação interior só se tornará possível após a libertação externa; até então, sem essa condição, teremos que desistir de todas as tentativas de convencer os estúpidos. A propósito, nesse estado de coisas, fica bem claro que em tais circunstâncias é vão tentar saber o que "o povo" realmente pensa, mesmo porque, ao mesmo tempo - nessas dadas circunstâncias – qualquer resposta seria supérflua para o pensador e realizador responsável. A Palavra da Bíblia que diz que o temor de Deus é o começo da sabedoria (Salmos 111: 10); diz que a liberação interior dos humanos, para uma vida responsável diante de Deus, é a única verdadeira superação da estupidez. De resto, esses pensamentos sobre a estupidez são reconfortantes, pois não permitem tratar a maioria das pessoas como estúpidas a todo custo. Realmente, isso dependerá da tendência dos Poderes Instituídos, vale dizer, se querem tornar seu povo estúpido ou se buscam a independência interior e sabedoria de seus governados. Tornando-se assim um instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre. [...]. Trechos extraídos da obra Widerstand und Ergebung. Briefe und Aufzeichnungen aus der Haft (Gütersloher Verlagshaus, 2005), do teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), que na sua obra Letters and Papers from Prison (Touchstone, 1997), expressa que: [...] Devemos aprender a considerar as pessoas menos à luz do que elas fazem ou deixam de fazer, e mais à luz do que elas sofrem [...] Julgar os outros nos torna cegos, enquanto o amor é iluminador. Ao julgar os outros, cegamo-nos para o nosso próprio mal e para a graça a que os outros têm tanto direito como nós. [...] Graça barata é a graça que concedemos a nós mesmos. A graça barata é a pregação do perdão sem exigir arrependimento, do batismo sem disciplina eclesiástica, da comunhão sem confissão... A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo, vivo e encarnado. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

SOBRE A ESTUPIDEZ - [...] Em geral, os sistemas educativos são estúpidos, baseiam-se na repetição, memorização e seu conseqüente esquecimento. Em geral, porque eu não deveria ou não iria manchar a memória de alguns professores que nem sequer tentaram dominar para domar seus alunos; professores que negam a sua profissão e que Provavelmente não são professores, pois não professam nada, ou seja, não exercem nem eles não ensinam ciência, nem cultivam sentimentos ou crenças de qualquer espécie, nem declaram sua adesão a algum princípio ou doutrina. Professores guardiões que, em vez de ouvem-se falar, milagrosamente fazem com que a turma leia um livro. Claro, que alegria tipologia são uma minoria. Para superar os obstáculos criados pela estupidez do sistema educacional, o aluno desenvolve um tipo de estupidez, digamos, autocomplacente, representado pelo estereótipo do aluno modelo, ou, marginal, que é o do aluno que fica à margem, porque é feito deliberadamente o estúpido, e aquele que acaba marginalizado, pois tudo o que se pretende ensinar é de grande inutilidade. [...] O terreno fértil para a expressão estúpida, definida como expressão cristalizada por uso cotidiano e atualidade, um lugar comum, um ditado sem rima nem razão, nem pensamento, é sem dúvida no campo da paixão. Existe alguma diferença entre o ridículo e o idiota? Sem dúvida, o ridículo pode ser original, provocativo, engenhoso, transgressor, Por outro lado, a estupidez, coitado, é como aquela imagem de Machadon do burro dando gira em torno de um moinho. Se a estupidez é, em parte, falta de jeito para compreender coisas, o que você pode pedir de um amante, que perdeu até mesmo o capacidade de falar? E o que pode ser ajudado senão nas frases usadas, o frases surradas, que provavelmente meia dúzia de milhões de pessoas estão usando ao mesmo tempo? Mais uma vez, você tem que se proteger da estupidez como manobra de resgate, quase se poderia dizer neste momento que a expressão estúpida É o recurso do estupefato [...] Não há nada de estúpido no desejo, se o desejo for cego, muito menos. Faz tempo pensei que o comportamento do professor Inmanuel Rath, em The Blue Angel, de Josef von von Sternberg foi estúpido por ter se submetido aos caprichos de Lola-Lola, uma estrela sem escrúpulos, até que se viu denegrido diante de seus alunos, vestido com palhaço. Eu me absolvo do que pensei. Não há nada de estúpido no desejo, e se for cego menos ainda, será numa área onde não há inteligência, nem ingenuidade, nem maléfico, nem o beatífico, nem o econômico, nem o errôneo, é um excesso e, como tal, não pertence ao raciocínio. Que Bouvard e Pécuchet de Flaubert desejem saber, e que acabam apenas com uma massa de dados inúteis, como o seu próprio jardim deteriorado, isso não os torna estúpidos, mas sim fracassados, como todos os outros que busca o estado perpétuo de desejo e, por ser de natureza efêmera, deve desaparecer renovador, em detrimento do conhecimento das coisas, que exigem mais tempo e dedicação, valores que não lhes podem ser atribuídos porque sem vontade pararam têm interesse e, portanto, não valem mais tempo e esforço, e por isso, Eles não podem mais ser conhecidos, tornaram-se opacos, então é melhor ir em busca de outro objeto novo e inexplorado, pois não importa conhecer, mas sim manter o desejo até a sua extinção, fim e origem da aventura de Bouvard e Pécuchet, convertida no Don Juan do diletantismo. [...]. Trechos extraídos da obra Sobre la estupidez (Tusquets, 1974), do romancista e dramaturgo austríaco Robert Musil (1880-1942). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

DEZ POEMAS - LÁ ONDE ESTÁ TÃO BRILHANTE EM MIM - Eu quero fazer parte deste mundo \ Eu quero dormir profundamente\ Eu quero continuar vivendo\ Alma tranquila coração sereno\ O verme está na fruta\ Desde o início dos tempos\ A verdade da humanidade está em outro lugar\ Aqui talvez\ Escrito na pele\ Como se a vida preferisse\ Apenas uma única cor\ Em um mundo tão diverso\ A pigmentação da pele\ Requer uma compreensão\ Isso continuamente escapa\ Acontece na sua cabeça\ A ameaça\ Como uma árvore em chamas\ Florescendo na sombra da mente. NOVE POEMAS – I - Sonho o poema de um mar sem fronteiras \ danço na pele uma música acolhedora \ primeiro chão para qualquer lar \ enquanto as mãos da abundância as almas corpulentas \ tecem seu arame farpado \ Não sei se vivemos juntos \ numa encruzilhada de distribuição igualitária\ aqui esqueça a alquimia dos sonhos \ o sentido de uma mistura essencial. II - Olhe para os matizes e contornos desta terra para você que parte, \ o nome de cada peregrino que se move \ para o duro vale da vida \ não está mais gravado no topo da montanha\ quem gosta de quebrar a pedra \ sempre se reuniu de madrugada \ no rodeio dos feiticeiros \ que mergulham a mão no fogo \ porque ninguém remodela \ mil vezes os mesmos princípios \ sem sacrificar o melhor da alma \ num cesto de interesses provisórios \ distribuídos por aqueles \ que prometem manter o vento sob controle. III - E o vento sobe e o tempo esculpe \ um redemoinho que revela que sobe \ e desce os degraus do templo de areia \ como se os doze trabalhos de Hércules \ outrora um fato \ fossem apenas uma história de ninar para as pessoas \ depois de um árduo dia de esperança. IV - Mas devo-te toda a história \ desde a primeira sílaba da madrugada \ até ao centro desta espiral violenta \ que nos chama\ a história havia se lançado em sua \ corrida louca \ e, como acontece com uma brincadeira de criança, \ o bem e o mal estavam colegas de escola \ brincando de esconde-esconde, brincando de amarelinha, \ praticando com as palavras e armas dos fortes \ em um celeiro tranquilo \ onde o riso era desencorajado. V - Ontem foi um gato preto\ hoje um cavaleiro branco\ depois uma Mercedes preta com aquela primeira pedra O mal inaugura\ seu reino subterrâneo \ entre o branco e o preto \ só o solo onde o homem caça o homem \ exala o cheiro do tapete vermelho. VI - Há cabeças grossas \ adormecidas nos corredores do poder \ assinando uma edição da história \ que traça seu círculo \ em torno do mesmo umbigo, \ como se ninguém \ exceto os inquilinos do Palácio, \ pudesse nascer sob o olhar do sol. VII - Eles contaram histórias de pessoas \ inocentes em todos os sentidos \ que, à primeira luz do dia, teriam permissão \ para sustentar as folhas das palmeiras sobre a esperança.\ aqui a preguiça assume-se como a lei \ descansando nas redes dos escritórios \ esparramados nas salas de espera \ lá onde o trabalho outrora inspirou a Lei. VIII - Meu Deus, livra-nos das hienas \ das cabeças morenas desses vândalos dos sonhos \ porque a educação não é uma armadilha \ inventada por peregrinos que chegam \ para quebrar os alicerces \ tenho certeza agora que ela trança \ a grandeza da alma à auréola da sinceridade \ o acoplamento fundacional que nos une \ em torno da fonte da Bondade. IX - Como posso lhe dizer que o dia \ cai \ sob a chuva de lágrimas \ porque o mandado emitido \ dos picos do poder \ carece de termos de reconciliação? \ amanhã o futuro tem encontro marcado com a madrugada \ e não sei que enfant terrível \ assustado com a claridade da aurora \ aproveitará para atirar a primeira pedra \ no fosso que circunscreve o poder. Poemas da escritora, ensaísta e filósofa marfinense Tanella Boni.

 

SACADOUTRAS

 

HANNAH ARENDT - A filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975), em seu livro A condição humana, destaca que: [...] Vistos como parte do mundo, os produtos da obra – e não os produtos do trabalho – garantem a permanência e a durabilidade sem as quais o mundo simplesmente não seria possível. É dentro desse mundo de coisas duráveis que encontramos os bens de consumo com os quais a vida assegura os meios de sua sobrevivência. Exigidas por nosso corpo e produzidas pelo trabalho deste último, mas sem estabilidade própria, essas coisas destinadas ao consumo incessante surgem e desaparecem num ambiente de coisas que não são consumidas, mas usadas, e às quais, à medida em que as usamos, nos habituamos e acostumamos. Como tais, elas geram a familiaridade do mundo, seus costumes e hábitos de intercâmbio entre os homens e as coisas, bem como entre homens e homens. O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do homem. É destes que os bens de consumo derivam o seu caráter de objeto; e a linguagem, que não permite que a atividade do trabalho produza algo tão sólido e não-verbal como um substantivo, sugere a forte probabilidade de que nem mesmo saberíamos o que uma coisa é se não tivéssemos diante de nós 'o trabalho de nossas mãos'. [...] É esta durabilidade que empresta às coisas do mundo sua relativa independência dos homens que as produziram e as utilizam, a 'objetividade' que as faz resistir, 'obstar' e suportar, pelo menos durante algum tempo, as vorazes necessidades de seus fabricantes e usuários. [...] Em outras palavras, contra a subjetividade dos homens ergue-se a objetividade do mundo feito pelo homem, e não a sublime indiferença de um a natureza intacta, cuja devastadora força elementar os forçaria a percorrer inexoravelmente o círculo do seu próprio movimento biológico, em harmonia com o movimento cíclico maior do reino da natureza. Somente nós, que erigimos a objetividade de um mundo que nos é próprio a partir do que a natureza nos oferece, que o construímos dentro do ambiente natural para nos proteger contra ele, podemos ver a natureza como algo 'objetivo'. Veja mais aqui, aquiaqui

 Imagem: Academia, da pintora e desenhista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973). Veja mais aqui e aqui.

Ouvindo: Concerto para Piano e Orquestra em Lá Menor, Op. 16, do compositor norueguês Edvard Hagerup Grieg (1843-1907), com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), Regência de Marcelo Lehninger e piano de Lígia Moreno.

OS PROFESSORES DE GRÁMATICA E CONCURSOS PÚBLICOS – O jornalista e escritor modernista brasileiro, Rubem Braga (1913-1990) desabafou em sua crônica Nascer no Cairo ser fêmea de cupim, do seu ótimo livro Ai de ti, Copacabana (1960), contra o purismo dos professores de gramática e as esdrúxulas alternativas apresentadas em provas de concurso público: Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo? O leitor que responder "não sei" a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Alias, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão. Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua. Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma "página de bom vernáculo, exemplar". Tive vontade de responder: "Mera coincidência" — mas não o fiz para não entristecer o homem. Espero que uma velhice tranquila - no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?). Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. "Cada dia você parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua". Mas acho que isso é exagero. Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinquenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção. Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar. Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa unia série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para "pegar" as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da "Última Hora" ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de "O Globo?". No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, ruas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros. Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim! Veja mais aqui, aqui e aqui. 

OBSTINAÇÃO DE MULHER  - A psicóloga e professora norte-americana, Eleanor Jack Gibson (1910-2002), na década de 1930, ao se candidatar ao programa de pós-graduação na Yale University, recebeu a informação de que o diretor do laboratório de primatas não permitia a presença de mulheres em suas instalações. Ela também foi impedida de participar de seminários sobre a psicologia freudiana, tendo em vista que as mulheres eram proibidas de usar a biblioteca dos estudantes e a lanchonete porque era de uso exclusivo dos homens. Só depois de 1932, quando se casou com o também psicólogo James J. Gibson que ela se doutorou em Psicologia pela Universidade de Yale e passou a lecionar no Smith College e na Universidade de Cornell. Os seus estudos envolveram investigações sobre a aprendizagem humana e animal, analisando o desenvolvimento das capacidades de leitura e o desenvolvimento perceptual em crianças e adolescentes, desenvolvendo o processo de diferenciação. A partir da década de 1970, ela passou a se dedicar à causa ambiental desenvolvimento estudos na área de Psicologia Ambiental, passando a ser membro da Sociedade Internacional para a Psicologia Ecológica. Veja mais aquiaqui.


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