domingo, outubro 19, 2025

ANA PAULA TAVARES, ELIF SHAFAK, ALAA MURABIT & CLARICE FALCÃO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns O corpo do som (2002), O seguinte é esse (2005), Corpo de som ao vivo (2010), Tum pá (2012), Ayú (2015) e Só mais um pouquinho (2018), do grupo de percussão corporal, Barbatuques, criado em 1995, pelo músico Fernando Barba e formado por André Hosoi, Marcelo Pretto, André Venegas, Giba Alves, João Simão, Lu Horta, Heloiza Ribeiro, Mairah Rocha, Maurício Maas, Renato Epstein, Charles Raszl e Lu Cestari. O grupo propõe música a partir do batuque com o próprio corpo, como palmas, batidas no peito, estalos com os dedos e a boca, assobios e sapateados, resultando ritmos que vão do samba ao rap, mostrando o resultado da coletividade e da brasilidade como tema. Veja mais aqui.

 

A lebre e o coelho, o amor proibido... - A vida vai, corrente de rio, onda de mar, chuva que cai, nuvem que passa, a Terra gira e um reles sujeito, tipo Rabitt de Updike, segue sua vida vã esvaziada. Em suas andanças sem rumo conheceu o tapiti candimba dos Karitiana, Tupi-Arikém, que trazia uma gaiola com um preá e um porquinho-da-índia. Ali algo de interessante ocorrera. Curioso e atento ouvia sobre o Yùtù - O Coelho de Jade da China, que vivia na Lua esmagando ervas com seu pilão para fabricar um elixir da longa vida, enquanto acompanhava a deusa lunar Chang'e. Ficou maravilhado ao saber de Tsukimi no Japão, que se sacrificava queimando seu próprio corpo para alimentar qualquer um viajante esfomeado e, em recompensa, ter sua imagem impressa na Lua. Empolgou-se com a narrativa de Daltokki na Coreia, celebrado no Festival de Outono, Chuseok, o astuto trapaceador que roubou o fogo do Povo do Céu, no Festival do Milho Verde, para compartilhá-lo com sua gente hitchiti e ser celebrado entre os Hopi e o Shawnee, pelos cerimoniais dos Kiowa – a sociedade dos Kasowe e na dança dos Oneida. Ali mesmo presenciou a dança das máscaras cerimoniais dos Kwakwaka’wakw e dos rituais potlatch - um rito de passagem, no qual empunhavam a pata esquerda traseira do Br’er, um trickster e totem dum clã africano, um amuleto da sorte que curava doenças, um talismã que o hoodoo usava no espaço com terra vinda de túmulos. Não sabia que os astecas lançavam um coelho ao céu para encontrar a Lua. E aí teve um estalo diante do testemunho do Popol-Vuh dos Maia-Quiché: a deusa Lua estava em perigo, teria de ser socorrida e salva por um herói. Quem seria esse herói? Revestiu-se duma empáfia e se fez heroico demiurgo de um ancestral mítico. Era só saltar de um lado e outro para encontrar Menebuch dos algoquinos Ojibwa e dos sioux Winebago – porque ele é o possuidor do segredo da vida elementar e ensina as artes manuais para combater os monstros aquáticos das profundezas. Soube: foi ele que, depois de um dilúvio, recriou a terra e, ao partir, deixou-a no seu estado atual. Mesmo? E mais: É dele que receberia a graça do invisível Grande Manitu, do Sheshajataka, de quem terá Bodhisativa no Kampuchea das chuvas fertilizantes. Assim soube de tudo e passou a almejar a Lua para dar sentido à sua vida. Precisava alcançá-la e, para isso, teve de cruzar as águas das feras ululantes. Viu-se ali nu e só, seguindo pela terra de ninguém. Não havia pontes para a travessia e estava hipnotizado com as profundezas do fosso. Sentia-se proscrito, exaurido, se malograsse não valeria nada. E se quisesse privar da Mulher Estrela não poderia mais voltar atrás, havia de suportar a Noite Negra da Alma na Jornada Noturna do mar, como se estivesse na barriga duma baleia. E tudo suportou na cidade eterna: encarou o escaravelho egípcio e a lagosta de ouro da Costa Rica. Atravessou o inferno védico – o Reino de Yama, guardada por dois mastins; teve de enfrentar Cérbero, o cão tricéfalo, servindo-se apenas da lira de Orfeu. No meio do caminho uma sibila o conduziu pelo inferno até se sentir lunático e subiu a colina, era a serra da Prata e lá, mais do que nunca, o medo de morrer. A Lua então apareceu e se aproximou, nascia a paixão e ele enfeitiçado pela Deusa da Noite: era o seu renascimento. Diante dela sentiu-se desolado e ela fez-se sua estrela guia iluminando o céu. Nem mesmo o lado escuro dela não mais o aterrorizava e ela reuniu todas as lembranças jogadas fora e todos os sonhos esquecidos, guardando-os em sua taça de prata e, ao despontar da aurora, foram todos devolvidos à Terra como seiva dos orvalhos que brotavam de suas lágrimas, a nutrir e retemperar a vida no planeta e nada se perdia. Com as memórias repostas, ele soube do seu passado ignorado. Fez-se grato pela descoberta. Por que não estamos no paraíso? Ela então mostrou-se Luna para enlouquecer os homens; e se fez Circe para transformá-los em porcos; e foi Medusa, para petrificá-los. Aos seus olhos ela parecia Ártemis que aguardava o seu amigo camaleão para seguirem as caravanas. E logo encontraram Jacklope, a cornuda, com Jackrabbit que corria como louca. Deram notícias dos cuspes de Wolpertinger da Baviera e trouxeram a Raurakl austríaca, a rasselbock da Turíngia, a Elwedritsche do Palatinado e o Skvader de Sundsvall. Todas se aproximaram para o trabalho à sombra de uma figueira, moendo ervas medicinais num almofariz. E cantavam: Vi na Lua \ três pequenos coelhos \ que comiam ameixas \ bebendo vinho \ demais. Depois da cantoria estavam prontas para a celebração. Eis que apareceu Nanabozho e sua voz soou como uma maldição despótica: Lebre e coelho não são compatíveis, distinguem-se. Todas as cabeças baixaram misantropas, um balde de água fria no evento: estavam condenados a se amarem com os terrores abissais indestrutíveis da tradição, a fustigar seus corpos com os rumores nefastos da execração geral. E se sufocaram com o mormaço dançante aos voos das borboletas movendo o mundo e as correntes dos rios lavrando a terra com a brisa dos ventos amenos. Fitaram-se melancólicos como se indagassem um ao outro: como olvidar da atração fatal do amor que se eternizava, ah, que revolta, e se flagelaram desconsolados, e se revolveram inquietos, e se amarguraram da sina para, de repente, olhos fixos, se encaram destemidos: Por que não? E se desembaraçaram da convenção, com a cumplicidade dos amantes desgarrados e, diante de todos, ali mesmo contraíram as núpcias no mundo do grande mistério da vida que se refaz por meio da morte: a desobediência mútua e se viram felizes até então. Até mais ver.

 

Sylvia Plath: Lembre-se, lembre-se, isso é agora, e agora, e agora. Viva, sinta, apegue-se a isso. Quero me tornar profundamente consciente de tudo o que tomei como certo... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Trudi Canavan: Não só estou conversando comigo mesma, como agora me recuso a falar comigo mesma. Isso deve ser o primeiro sinal de loucura... Os mortais não precisavam de Deus para ordenar que se matassem. Eles eram perfeitamente capazes de encontrar razões para fazê-lo eles mesmos... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Doris Lessing: Só existe uma maneira de ler: folhear bibliotecas e livrarias, escolhendo livros que lhe atraem, lendo apenas aqueles, abandonando-os quando o aborrecem, pulando as partes que o arrastam — e nunca, nunca lendo nada porque você sente que deve, ou porque faz parte de uma tendência ou movimento. Lembre-se de que o livro que o aborrece aos vinte ou trinta anos lhe abrirá portas aos quarenta ou cinquenta — e vice-versa. Não leia um livro fora do seu tempo... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

NOVEMBER WITHOUT WATER

Imagem: Acervo ArtLAM.

Olha-me p’ra estas crianças de vidro \ cheias de água até às lágrimas \ enchendo a cidade de estilhaços \ procurando a vida \ nos caixotes do lixo. \ Olha-me estas crianças \ transporte \ animais de carga sobre os dias \ percorrendo a cidade até os bordos \ carregam a morte sobre os ombros \ despejam-se sobre o espaço \ enchendo a cidade de estilhaços. \ Chegas \ eu digo sede as mãos \ fico \ bebendo do ar que respirar \ a brevidade \ assim as águas \ a espera \ o cansaço.

Poema da poeta, antropóloga e historiadora angolana Ana Paula Ribeiro Tavares, autora das obras: Ritos de Passagem (1985), O Sangue da Buganvília (1998), O Lago da Lua (1999), Dizes-me coisas amargas como os frutos (2001), A cabeça de Salomé (2004), Os olhos do homem que chorava no rio (2005) e Manual para amantes desesperados (2007). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

A ILHA DAS ÁRVORES DESAPARECIDAS[...] Porque na vida real, ao contrário dos livros de história, as histórias não chegam até nós na íntegra, mas em pedaços, segmentos quebrados e ecos parciais, uma frase completa aqui, um fragmento ali, uma pista escondida no meio. Na vida, ao contrário dos livros, temos que tecer nossas histórias com fios tão finos quanto as veias finas que correm pelas asas de uma borboleta. [...] é isso que as migrações e as mudanças de residência fazem conosco: quando você deixa sua casa para terras desconhecidas, você não continua simplesmente como antes; uma parte de você morre por dentro para que outra parte possa começar tudo de novo. [...] Vocês não compartilham uma língua, você pensa, e então percebe que o luto é uma língua. Nós nos entendemos, pessoas com passados conturbados. [...] Algum dia essa dor será útil para você. [...] Cartografia é outro nome para histórias contadas por vencedores. Para histórias contadas por aqueles que perderam, não existe. [...] Gostaria de ter dito a ele que a solidão é uma invenção humana. As árvores nunca estão solitárias. Os humanos acham que sabem com certeza onde termina o ser e começa o do outro. Com suas raízes emaranhadas e presas no subsolo, ligadas a fungos e bactérias, as árvores não abrigam tais ilusões. Para nós, tudo está interligado. [...] As pessoas presumem que a diferença entre otimistas e pessimistas é uma questão de personalidade. Mas eu acredito que tudo se resume à incapacidade de esquecer. Quanto maior a sua capacidade de retenção, menores as suas chances de ser otimista. [...] O amor é a afirmação ousada da esperança. Você não abraça a esperança quando a morte e a destruição estão no comando. Você não veste seu melhor vestido e coloca uma flor no cabelo quando está cercado por ruínas e cacos. Você não perde o coração em um momento em que os corações deveriam permanecer selados, especialmente para aqueles que não são da sua religião, não são da sua língua, não são do seu sangue. Você não se apaixona em Chipre no verão de 1974. Nem aqui, nem agora. E, no entanto, lá estavam eles, os dois. [...]. Trechos extraídos da obra The Island of Missing Trees (Bloomsbury Publishing, 2021), da escritora turca Elif Shafak, autora de obras como Honor (2011), The Bastard of Istanbul (2005), The Forty Rules of Love (2000) e The Gaze (2000). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

SEM AS MULHERES OS OBJETIVOS GLOBAIS NÃO VERÃO A LUZ DO DIA – [...] Os dados comprovam que mulheres e meninas são realmente a chave para que essa agenda se concretize [...] Se falamos de ação contra as mudanças climáticas, a solução mais econômica e prática para as mudanças climáticas é a combinação da educação das meninas com os direitos reprodutivos das mulheres. [...] Temos de perceber que existe um recurso inexplorado e que a única forma de o podermos realmente aproveitar é através da educação e do empoderamento económico. […] Muitas vezes instrumentalizamos as mulheres [...] Raramente empoderamos e permitimos que as mulheres sejam capazes de arquitetar seus próprios projetos. E a única maneira de realmente fazer isso é por meio do empoderamento econômico, porque sabemos que, quando as mulheres são economicamente empoderadas, elas reinvestem 90% em suas comunidades. E a grande maioria desses 90% vai para saúde e educação, então estamos transformando completamente esse cenário para as gerações futuras. [...] Sem mulheres e meninas, essa agenda não verá a luz do dia – nem um pouco. [...]. Trecho de uma entrevista (SDGLive/ United Nations, 2025) concedida pela escritora e médica líbia-canadense Alaa Murabit, co-fundadora do The Omnis Institute, fundadora da The Voice of Libyan Women, co-autora da antologia Feministas não usam rosa (e outras mentiras) e autora de diversos artigos publicados no The Boston Globe, Wired, Carter Center, NewAmerica, Chime for Change, Huffington Post, The Christian Science Monitor e Impakter, contemplada com a Meritorious Service Cross.

 

A ARTE DE CLARICE FALCÃO

Nasci no Recife, com 4 anos vim pra São Paulo. Quando eu tinha 5 anos fomos pro Rio, aí fiquei. Minha mãe era muito paranoica, quer dizer, ela era ótima, mas era meio nervosa com tudo. Isso tem muito a ver com a história dela. Quando eu saía ela fica apreensiva, superpreocupada. Tinha um certo cuidado extremo. Mas ao mesmo tempo eu era muito livre para fazer minhas escolhas. Ela nunca olhou um boletim na vida, não sei se ela sabe como é um boletim... Nasci em uma família em que, se você não brincasse ou entrasse na onda, era engolido... Acho que cantar precisa de um pouco mais de tato, você se equilibra um pouco mais. Atuar é texto e fazer bem; música é atuar, interpretar, fazer bem, ter uma conexão com a plateia, as letras da música, as notas, o tempo. E ainda tem a banda que está junto. Mas adoro fazer os dois, e os dois dão o mesmo tipo de nervoso antes de entrar no palco - além da mesma dinâmica de você entrar mais nervoso do que sai... Ainda fico muito nervosa, mas é uma sensação nova e muito boa... Gosto muito de estar no palco, mas acho que é bom ficar nervosa, quando parar de ter frio na barriga vai ser meio chato...

Palavras da premiada cantora, atriz, compositora, humorista, roteirista e diretora Clarice Falcão (Clarice Franco de Abreu Falcão), que participou de diversos filmes como atriz, entre eles, Fica Comigo Esta Noite (2006), Primeiro Dia de um Ano Qualquer (2012), Eu não Faço a Menor Ideia do que Eu tô Fazendo Com a Minha Vida (2013), Desculpe o Transtorno (2016) e Música para Morrer de Amor (2020). Como diretora, produtora e roteirista trabalhou nos filmes O Segundo Minuto (2006), Dois Menos Dois (2006), Laços (2007) e Chamada em Espera (2008). Atuou também como atriz no Teatro, bem como como roteirista, em espetáculos como Confissões de Adolescente (2009), Inbox (2011) e Especial de Ano Todo (2017). Gravou os álbuns musicais de estúdio Monomania (2013), Problema meu (2016), Tem conserto (2019) e Truque (2023). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

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