domingo, novembro 28, 2021

LÁZARO DROZNES, PEDRO JUAN GUTIÉRREZ, VERA ALBERS, BRONOWSKI, ILANA YAHAV, ANITA CARRIJO, AORU AURA, NADIA BATTELLA GOTLIB & FÁTIMA FERREIRA

 

 

TRÍPTICO DQP – É aqui. É agora. O primeiro degrau... Ao som de Violina, do compositor húngaro Frigyes Hidas (1928-2007), na interpretação da premiada violinista argentina Betina Stegmann, integrante do Quinteto D’Elas, com a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, Marcos Sadao Shirakawa, conductor. - Uma escada e não sei onde vai dar. Não é a que dá acesso à minha casa, íngreme e, ao que parece, vai dar por várias camadas e dobras, desconfiado olho entre o falsificador e o autêntico, uma coexistência com as tramas hipercomplexas e híbridas, quando não cíbridas e glocais, prenhe de plurivalência, o que me fazia não poder descurar de sobreposições e complementaridade. Dali me afastei e, de repente, algo parece que havia desprendido do cinturão de asteroides e eu tentei a todo custo voltar para casa, pois sabia que ia piorar aquela situação de fedentina e ar fúnebre que se abateu no meu país inteiro há tanto tempo por conta do golpe que deu no Fecamepa do Coisonário. As ruas desertas de um outro lugar que sequer sabia e, na primeira esquina, esbarrei na criança de Taung que me disse ter vindo para uma conferência dos gorilas de Dian Fossey, a festa dos patos de Lorenz e dos camundongos de Tsien. É? Sim, um evento e tanto, pois haverá um show dos macacos de Jane Goodall, o malabarismo dos ratos de Skinner, a festa do céu do sapo Aderbal com todas as feras e mansas e que o Camonge aprontou e deu a maior treta! Bem movimentado, hem? Ah, sim, bastante. E logo me disse que havia chegado de uma longa viagem feita entre o Taj-Mahal e Machu Pichu, contando-me da experiência de reviver a Utopia de More, a Atlântida de Bacon, da Aurora de Boehme, da Loucura de Erasmo, e com ar de extrema comiseração e mãos de Budha, comentou-me sobre a indecisão do jovem Hamlet. Ela não era mais que uma antropoide do sul, australopithecus, nem parecia e disse-me: Vamos logo que ainda quero ver o acasalamento dos pombos de Dan Lehrman. Quem? Não conhece o psicólogo naturalista estadunidense? Não. Af! E foi me levando até divisarmos com o risonho matemático húngaro John von Neumann (1903-1957) com sua teoria dos jogos: A vida real não é como no xadrez. A vida real consiste em blefes, em pequenas táticas de despistamento, em pergunta a si próprio o que o parceiro está pensando sobre qual será nosso próximo movimento. É esse o tipo de jogo sobre o qual minha teoria se interessa. Ele era engraçadíssimo e logo travou uma conversa animada com ela sobre hestórias. Como? Logo ouvi sobre A escalada do homem (M.Fontes/UnB, 1979), do historiador polonês Jacob Bronowski (1908-1974), no qual estava inscrito que: História não são eventos, mas, sim, pessoas. Além disso, não são pessoas apenas recordando; é o homem vivendo seu passado no presente. História é o ato instantâneo de decisão do piloto, que cristaliza em si todo o conhecimento, toda a ciência, tudo aquilo que foi aprendido desde o surgimento do homem. Conversaram efusivamente e logo saíram os três de braços dados, me deixando sozinho no ermo da rua. Outra escada e resolvi subir: era a vez do próximo degrau.

 


A balança & a gangorra... Imagem: a arte da artista israelense Ilana Yahav. – Umoutro: estava eu perdido, deveras; o que foi e virá, a centopeia das horas e o cheiro da noite na notícia encenada do assassinato da dentistescritora e militante Anita Carrijo (1900-1957) e eu chocado com as condições em que ela foi encontrada em seu apartamento. Tudo registrado como latrocínio na crônica policial, e apenas foram levadas das suas posses uma máquina de escrever, os originais de um livro que estava escrevendo sobre tóxicos em São Paulo envolvendo personalidades da alta sociedade e um pequeno aparelho de diatermia. O principal suspeito, um seu ex-assistente italiano, aspirante a ator e insatisfeito com a sua demissão, justo porque ela defendia os direitos das mulheres, ressaltando a emancipação feminina, o direito ao divórcio, a creche para as crianças de mulheres trabalhadoras. Depois de sua morte, uma forte campanha de difamação logo ocorreu, acusando-a de traficante de drogas e prostituição. E era ela, na verdade, Mira Sorvino ao meu lado a me dizer Virginia Woolf: A liberdade intelectual depende de coisas materiais. A poesia depende da liberdade intelectual. E as mulheres sempre foram pobres, não apenas nos últimos duzentos anos, mas desde o começo dos tempos. As mulheres têm sido menos liberdade intelectual do que os filhos dos escravos atenienses. As mulheres, portanto, não têm tido a menor oportunidade de escrever poesia. E logo me envolveu na trama onírica de Lulu on the Bridge (1998), de Paul Auster, com sua voz suave a me mostrar fotos de beldades sensuais e a me perguntar pelo saxofone. Qual? Ela insistia na indagação e a lhe dizer que jamais tive tal instrumento, quando testemunhamos a cena no bar de frente: um louco que atira no músico e depois se mata. Que coisa! Ela me disse: Era você, felizmente sobreviveu ao atentado. Cadê a pasta? Que pasta? A do número de telefone, a boceta de Pandora e a pedra brilhante que levita? Não sei do que está falando! Você ligou pra mim e me trouxe a pedra! Como assim? Vou embora, preciso ir para as filmagens na Irlanda e quanto a você, se cuide, vai terminar preso. Por que? Deu-me um beijo e saiu. Logo desconhecidos apareceram e me sequestraram: A pedra ou a sentença de traição! Jogaram-me um exemplar do livro De Traidor a Herói: O falsificador de Vermeer de Göring que enganou a Holanda e os nazis (Babelcube, 2019), do dramaturgo e escritor espanhol Lázaro Droznes. Escolha! Como assim? E insistiam no interrogatório. Além da pedra que jamais vira, fora imputado contra mim o crime de Han van Meegeren por falsificar quadros do pintor Vermeers (1632-1675). A pedra ou a condenação por alta traição! Você falsificou para mais de 50 pinturas. E logo me vi nas cenas do The Last Vermeer (2019), dirigido por Dan Friedkin, e tudo parecia um pesadelo interminável. Ao despertar era a atriz inglesa Olivia Grant dizendo-me de Fritz Perls: Se você odeia algo que existe, isso é você, embora seja triste... Ao lado dela, ele emergiu do nada como se me lesse um trecho do seu Escarafunchando. Ouvi atento e ao procurá-la era Jenny Holzer: A propriedade privada criou o crime... Proteja-me do que eu quero. Um homem jamais saberá o que é ser mãe. Justiça eu sei não há nem aqui nem sei onde mais – mera extensão de poder dos sabidos e salafrários, vendida e vendável. De mesmo só gangorra. O tempo apaga os ardis e só resta a ameaça da variante Omicrom. Agarrei-me a ela para me proteger.

 


A aventura humana...- A arte da multiartista Aoru Aura. - Átimímpeto, ela múltipla; se uma ou outra sinuosa jamais a mesma e me pedia perdão porque perdoava tudo ensandecida de paixão e tão vulcânica com suas mãos de artesã na minha pele e um difuso arrepio tocava a alma com a emanação do seu sexo vivo energizando o meu ser desarvorado latejante coma revelação que fez da professora Nadia Battella Gotlib: Estórias há de conquistas e perdas. Estórias que seguem para frente. Ou para frente retornando. Variam de assuntos e nos modos de contar. Até quando? Às vezes invisível na minha obstinação, a incoerência extravasava e evaporava o mistério das asas nas unhas dela a me reter no seu casulo onde escavacou meu ser e me disse do suor na clareira ao contar aos matos verdes e pedras de ponta nossas confidências e queria fazer tudo feito louca fugidia, nômade na verdade, reinventando as ausências nas corredeiras do tempo. Virou-se e foi até à porta, trouxe-me não sei como o escritor e jornalista cubano Pedro Juan Gutiérrez: Gosto de ser belicoso, como bom filho de Ogum. Quando me virem tranquilo, é que já estou apodrecendo. Não entendi direito e logo me presenteou os volumes da sua Dirty Havana Trilogy (FSG, 2001) e arrematou: Não tenho motivos para ser amável, nem para fazer concessões. O escritor no fundo é um sujeito amargurado, confuso, sem explicações para nada, e pouco lhe importa se o compreendem ou não. Se é bem ou mal recebido. Se é simpático ou antipático. Se tem dinheiro ou é um morto de fome. Se você é escritor, tem que saber que essas são as regras do jogo. Do contrário, você é um palhaço. E vai ter sempre alguém por perto tentando transformar você em palhaço. Disse-me e saiu tal como aparecera. Ela foi, trancou a porta e voltou com um trecho do transconto Verba (Reformatório, 2021) da escritora Vera Albers: Existem quatro comportamentos básicos no homem: consumação, gratificação, punição (fuga e luta) e inibição (quando o siri chia)... Existem quatro cérebros no homem: sobrevivência; alimentação e cópula; memória; associação criativa... Sorriu solto e da poeta recitou o poema Vida: Virás ensolarada / pela estrada das pedras. / Postes hão de pontear / os teus passos poeirentos. / E caracóis eternos colarão / sua baba a teu intento. / Arrasto-me no lodo seco / e fujo. / Tu, cão sabujo, / segues-me. Sim, nem sabia que perseguia seus passos e, abraçando-me, recitou-me Fátima Ferreira: Eu vim do mar... “Qual as águas do mais turvo oceano, nada apagará de minha mente a certeza de que te amo”. Lembra? Perguntou-me e prosseguiu terna: Nada como um náufrago tentando salvar-se. Chego sã à margem contrária. Mas já sem fôlego... Disfarço e engulo seco, molhada e turva. Estranhas as cartas de amor que continuam a existência independente do alvo. Amarro-as com uma fita de cetim cor-de-rosa pela delicadeza... Não brinco mais de duvidar. Só brinco agora de ostra guardando pérolas. Esse náufrago não sabia mas era eu mesmo; essas cartas talvez, não sei, minhas... Prestei atenção, encarei toda panorâmica, ela era mais que real e linda, a minha cidade era o embuste e tanto barulho, onde o silêncio? Até mais ver.

 

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