terça-feira, abril 21, 2020

HILDA HILST, AUGUSTA SAVAGE, BENEDICTA DE MELLO & EL HOYO


UM DIA & OUTRO, A VIDA - UMA: PRONTO PRA VIVER – Meu coração amanheceu inchado. Apesar do sorriso, dói esse tempo triste de tantas incertezas. Enquanto alguns tantos dormem para nunca mais nas garras da celerada pandemia, outros vão apreensivos sem saber para onde, enquanto estúpidos sonegam a vida evocando irresponsavelmente por uma treva totalitária. Não há o que dizer diante disso tudo. Resta o alento da canção e Nina Simone me diz: Esse é o mundo que vocês construíram, agora vão ter que viver nele. Guardo-a comigo e ainda ouço a me embalar: Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido. Eu te digo o que a liberdade significa para mim: não ter medo. E vou adiante enquanto ela eterna e pronta pra cantar. DUAS: NEC MORTEM EFFUGERE QUIS, QUAM, NEC AMOREM POTEST - Sim, pronto para viver! Não poderia ser doutra maneira. Passos, dias, tudo segue uma trajetória imprecisa pelo que foi e o que virá. Enquanto respiro, o meu coração incha de amor, apenas. Mesmo que as cenas diárias sejam bolas para fora de campo, é preciso viver e amar. Ou como diz Publírio Sírio: Ninguém pode fugir nem ao amor, nem à morte. Vivo e persevero. TRÊS: A PEITICA DE TODO DIA & O DIA TODO – Barulhada no pé do ouvido: Essa ocupação de ler o dia todo só endoida. Escrever não é profissão, fazer arte não é emprego certo! Esse negócio de música autoral é baboseira, não faz sucesso! Ganhou quanto para passar o dia todo só tendo ideia? O cigarro fede, a bebida é pra irresponsável; se sabe, não aprendeu direito, vá orar que é melhor. De que adianta estudar tanto para não dar em nada! Ufa! Ah, quem aguenta tanta buzina no olho da insatisfação, hem? Chatura braba, reclamações. Nem ligo. Vou de Mário Quintana: Das ilusões / meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. / Com ele ia subindo a ladeira da vida. / E, no entretanto, após cada ilusão perdida... /Que extraordinária sensação de alívio! E o coração inchado de amor. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] XVIII - Palomita, lembras-te que mergulhavas o meu pau na tua xícara de chocolate e em seguida me lambias o ganso? Ahhh! tua formosa língua! Evoco todos os ruídos, todos os tons da paisagem daquelas tardes… cigarras, os anus pretos (aves cuculiformes da família dos cuculídeos… meu Deus!) e os cheiros… o jasmim-manga, os limoeiros… e teus movimentos suaves, alongados, meus movimentos frenéticos… Ahhh! Marcel, se te lembras, sentiu todo um universo com as dele madeleines… Deve ter sugado aquela manjuba magnífica do dele motorista com madeleines e avós e chás e tudo… Ah, irmanita, as cortinas malvas, a jarra de prata, os crisântemos dourados, algumas pétalas sobre a mesa de mogno, tu diluída nos meus olhos semicerrados, teu hálito de chocolate e de… “solução fecundante” como diria aquele teu juiz. Ando me sentindo um escroto de um escritor e quando isso começa não acaba mais. O que me faz pensar que eu talvez os seja é toda aquela minha história-tara do dedão do pé do pai. Pulhices de escritor. Outro dia contei ao Tom a história do dedão do pai, como se fosse a história de outro cara, não a minha. Sabes o que me respondeu? “Se algum filho meu tivesse a tara de me chupar o dedão eu dormiria armado.” Ciao. Petite chegou. Apaixonou-se. Uma maçada. Continuo daqui a pouco. [...]. Trecho da obra Cartas de um sedutor (Globo, 2001), da escritora e dramaturga Hilda Hilst (1930-2004), que juntamente com A obscena senhora D (Globo, 2001) e O caderno rosa de Lori Lambi (Globo, 2001), integram a trilogia erótico-pornográfica da autora. O volume das cartas conta o cotidiano de um homem rico, amoral e culto, que busca a explicação para sua incompreensão da vida através do sexo. Ele escreve e envia vinte cartas provocativas para sua casta irmã, textos que se misturam à vida de Stamatius, um poeta que encontra no lixo os manuscritos dele. Após a primeira leitura, percebe-se que ambos – o autor das cartas e o poeta leitor - são a mesma pessoa em tempos e condições diversos, mas com posturas diferentes diante dos mesmos questionamentos. Da mesma autora destaco o poema: Ama-me. Ainda é tempo. Interroga-me. / E eu te direi que nosso tempo é agora. / Esplêndida de avidez, vasta ternura / Porque é mais vasto o sonho que elabora / Há tanto tempo sua própria tessitura. / Ama-me. Embora eu te pareça / Demasiado intensa. E de aspereza. / É transitória se tu me repensas. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

EL HOYO – O POÇO
A ficção suspense/terror El Hoyo (O poço, 2019), dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, tem como cenário um grande Centro Vertical de Autogestão, em estilo de torre, onde os moradores, que são trocados periodicamente aleatoriamente entre seus muitos andares, são alimentados por uma plataforma, inicialmente cheia de comida, que desce gradualmente pelos níveis . É um sistema destinado a causar conflito, pois os residentes nos níveis mais altos podem comer o máximo que podem, deixando cada vez menos para os que estão abaixo. Todo mês, as pessoas são aleatoriamente transferidas para um novo nível. Cada residente pode trazer um item, um deles, o protagonista, escolheu uma cópia de Dom Quixote e um outro uma faca auto-afiável chamada Samurai Plus. O filme estreou e ganhou o People's Choice Award no Festival Internacional de Cinema de Toronto de 2019. As críticas classificaram o filme como um thriller distópico inventivo e cativante. Veja mais aqui.

A ESCULTURA DE AUGUSTA SAVAGE
Ouço tantas reclamações no sentido de que os negros não aproveitam as oportunidades educacionais oferecidas. Bem, uma das razões pelas quais mais da minha raça não se dedica ao ensino superior é que, assim que um de nós coloca a cabeça acima da multidão, existem milhões de pés prontos para esmagá-la novamente àquele nível morto do lugar-comum, criando um prazo racial da cultura em nossa República. Pois como devo competir com outros artistas americanos se não tiver a mesma oportunidade?
AUGUSTA SAVAGE - A arte da escultora e professora estadunidense Augusta Savage (1892-1962), que instruiu uma geração de artistas de reputação internacional e foi grande ativista pelos direitos civis dos negros. Veja mais aqui.

PERNAMBUCULTURARTES
Não vi ciscar a terra o pintainho, / nem vi no lago espreguiçar-se a lua. / Não vi num ramo balouçar-se o ninho, / nem no dorso do mar vi a falua. / Não vi, em frente, o rumo ao meu caminho... / Vi ruidosa e deserta cada rua... / Meu ser em toda a parte vi sozinho... / Não vi o mato verde, a pedra nua... / Mas se não vi a graça de uma flor, / Nem  plumagem de pássaro cantor, / Bendigo o que não vi, para bem meu... / Não vi o olhar de quem renega... / E a dor de minha mãe ao ver-me cega... / E o rosto de meu pai, quando morreu...
Bendita cegueira, soneto da escritora e educadora Benedicta de Mello (1906-1991), que era cega de nascença e fundou instituições sociais para cegos, tendo publicado diversos livros de poemas.
A obra do médico, professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do Brasil na ONU, Josué de Castro (1908-1973) aqui, aqui, aqui & aqui.
A música do o saudoso arranjador, maestro, compositor e multi-instrumentista Moacir Santos (1926-2006) aqui & aqui.
A poesia de Lelé Correia aqui.
O cordel de Manoel Monteiro aqui.
Cantador aqui.
São José da Coroa Grande aqui & aqui.