quinta-feira, fevereiro 06, 2020

RACHEL DE QUEIROZ, GERTRUDE STEIN, ANTONIO GARDUÑO, JESUISIS DO JEGUE & ARTE PERNAMBUCANA


JESUISIS DO JEGUE – Um dia lá, não sei quando, em plena noite dum céu de lua cheia, deu-se em Alagoinhanduba de presenciar o alinhamento dos planetas! Óóóóóóóóó! Dois asteroides do nada apareceram – parece mais que estavam assistindo o espetáculo do alinhado todo, só que cada qual vinha em sentido contrário. E acharam de colidir. Teibei! Pense num estrondo ineivado! Foi mesmo. Do espatifado deles lá apareceu uma estrela radiante daquelas tão chamativas de cair o queixo de quem viu. Danou-se! Eis que três reis momos comemoravam o que não sabiam, ao darem fé do ocorrido, pronunciaram em uníssono: nasceu Jesuisis! Vivaaaaa! Vai ser carnaval dagora em diante! Vamos seguir! Vambora! E foram brindando os birinaites e vira vira virou. Lá pras tantas, já trocando as pernas e línguas enroladas, deram num matagal espesso nas paragens de Paul: um jegue carregava uma mãe amamentando uma criança, puxado pelo pai que fugia por motivo lá não muito bem explicado. Quem podia entender? Estavam meio lá meio cá. Pronde vocês vão? Procurar uma manjedoura. Oxente, a gente ajeita. Fiquem aqui. E ficaram. Logo se afeiçoaram do Jegue que, a partir de então, passou a ser chamado o de Paul. Passaram a noite virando goles e copos, entraram dia de sol claro e perderam a hora e o calendário de tão entretido que ficaram com as façanhas do jegue. Passaram-se os anos, o menino cresceu ensinado pelos pais e os três tios postiços que o botaram a perder. Pense num bruguelo virado! Era queixa atrás de pulha com o capetinha. Ninguém aguentava mais tantas aprontações, só o jegue o protegia. Porém, na adolescência, achou o danado de ter uma epifania num pé de goiabeira e tudo mudou do vinho para água. Ao descer, ele largou reprimenda pro trio arrumar uma lavagem de roupa, enxotando-os; chamou na grande para, depois do maior sermão, abençoar os pais e saiu fora, puxando pelo jegue, claro. Ficaram cabisbaixos e cada um picou a mula pro seu lado. Tempos depois a trindade bebarrona reencontrou os pais e, pelas novidades, tiveram a notícia que uma multidão seguia o menino. Eita! Será que ele está inaugurando o carnaval por onde anda? Não, agora ele é santo. Como? Já deu até discurso na missa. Num pode! Foi! Só que os padres não gostam dele não. Ih! E, em conluio, armaram para cima dele: Quem ele pensa que é? Oxe, dizem que é o novo Jesuisis! Sacrilégio! Só se for de araque! Pode não. Vamos desmascará-lo. E armaram muitas e tantas que, um dia, defendendo pobres e oprimidos numa via por aí, quase se viu sem saída num cerco intransponível. O jegue avisou logo, aos cochichos: Zzzzzzzz. E Jesuisis que não era besta nem nada, aprontou a manha para sair dessa. E saiu. Envultou-se. Na horagá: Cadê o homem? Oxe, sumiu! A gente ia enterrá-lo vivo! Ia, escapuliu, meu. Excomungaram, então. Os pastores aos esconjuros; os pais de santos e outros catimbozeiros se juntaram com a patuleia toda e jogaram duma vez só o nome dele dentro dum sapo cururu inchado que estava por todo escancarado e costuraram a boca do batráquio. Pronto, tome azarão pras bandas dele. Ainda hoje, coitado, anda todo desajeitado como se tivessem torado o corpo caloso na junção dos hemisférios cerebrais lá dele. Um horror de tronchura. Por conta disso, o jegue vingativo apareceu do nada botando a população inteira para correr noites e dias e tardes e madrugadas pelo resto do tempo. Vez em quando Jesuisis reaparece todo desmantelado com seu sermão ali ou acolá, mas ninguém mais ouve. Ele fica sozinho pelas esquinas, todo entronchado e pregando a justiça, os direitos, a paz, a irmandade. Ninguém ouve, também quem entende: O Jesuisis do jegue endoideceu. Isso é uma aberração! É, e o jegue de Paul dando carreira no povo pra cima e pra baixo. Só em pleno carnaval, tanto o Jesuisis como o Jegue de Paul reaparecem para a festança. Na verdade mesmo só o jegue, Jesuisis que é bom, nunca mais deu as caras por essas bandas. Por onde é que ele anda, hem? Quem sabe! Agora corre que lá vem o jegue virado na gota! Vixe! Simbora, gente! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Mas o que fazem mesmo é respeitar a arte e as letras, se você é escritor tem privilégios, se é pintor tem privilégios e é agradável ter privilégios. Sempre me lembro de quando cheguei do campo à garagem onde habitualmente guardava meu carro e a garagem estava cheia mais do que cheia, era o momento do Salão do Automóvel, então perguntei eu o que eu posso fazer, bem disse o encarregado, verei e depois voltou e disse em voz baixa há um canto e nesse canto coloquei o carro de Monsieur o acadêmico e junto dele colocarei o seu os outros podem ficar do lado de fora e é inteiramente verdadeiro mesmo numa garagem um acadêmico e uma mulher de letras têm precedência até sobre milionários ou políticos, têm sim é inteiramente inacreditável mas têm [...] Uma vez escrevi e perguntei do que adianta ser menino quando se é criado para ser um homem do que adianta e do que adianta. Mas na França um menino é um homem da sua idade que ele tem e então não vem ao caso um menino crescer para se tornar um homem e do que adianta porque a cada etapa de estar vivo ele é inteiramente um homem vivo naquele tempo. [...] Quando um país se acha num estado tal que as pessoas que gostam de comprar coisas não conseguem encontrar nada para comprar há alguma coisa errada. [...] Realmente nunca conheci Paris durante uma declaração de guerra. As guerras sempre acontecem em período de férias e em clima de férias, então não estamos em Paris. Paris se encontra sempre lá, pelo menos nós no campo supomos isso embora não estejamos numa ocasião dessas muito conscientes da sua existência, o início da guerra é tão absorvente onde a pessoa está, que mesmo Paris não está lá. Assim é a concentração de isolamento que é a guerra. [...]. Trechos extraídos da obra Paris França (José Olympio, 2012), da escritora e feminista estadunidense Gertrude Stein (1874-1946). Veja mais aqui.

A BEATA MARIA DO EGITO
[...] Cabo: Ai, Beata, seu eu me governasse! Se eu não fosse cativo desta farda, soltava a senhora agora mesmo. Com que gosto estas mãos haviam de abrir aquela porta! Beata (esperançosa): Os santos anjos do Céu e o nosso Padrinho do Juazeiro haveriam de lhe pagar em dobro, Cabo Lucas! Cabo (abana a cabeça): Mas... a senhora não vê? Hei de fazer isso com o Tenente? Quem pagava o pior era ele, que é o chefe. Beata: Quem obedece ao mau, aos maus se iguala. Cabo: Mas eu não posso, Beata! Aquilo é como um filho – ando com ele desde rapazinho, quando sentou praça. Enganar – não tenho coragem. E pedir – não adianta. Nem que eu me arrastasse de joelhos no chão! É homem de cabeça dura que só pedra. Beata (suspira): Enfim... quem sabe se ele não há de enxergar a luz, mais cedo ou mais tarde? Cabo: Sei lá! Mas pode ser... A senhora pedindo, Deus escuta... [...] Tenente: Maria... Mas que loucura é essa? Será que você esqueceu? Então, esta noite... [aproxima-se mais, segura-lhe os braços] Como é que você vem falar de novo em Juazeiro? [tenta beijá-la] Maria... Vai começar tudo outra vez? Meu bem, você esqueceu? Beata (repele-o): Não, não me esqueci de nada. Você, sim, é que parece ter esquecido tudo. Ou pelo menos o que me prometeu. Tenente: Que lhe prometi? Mas o que foi que eu lhe prometi? Meu Deus, Maria, você não entendeu o que houve? Pensou que fosse só por uma noite? Não, para mim você é tudo! Ontem, hoje e toda a vida! [Tenta novamente abraça-la]. Beata (afasta-o friamente): Chega. Não me toque mais. Esta noite, foi porque eu pensei que você cumpria o trato. Tenente: Mas você será mesmo louca? Depois desta noite... depois de tudo! [Segura-a nos braços, sem se importar com a repulsa que ela mostra.] Maria, agora tudo mudou! Beata: Eu não mudei. Abra aquela porta e me solte [...] Beata: Não me importo com o que você fique pensando. Só queria que me soltasse. Tenente: Mas não! Eu vi, eu senti... Conheci! Você era moça! Nunca homem nenhum tinha lhe tocado. Diga, não é verdade? Você nunca... nunca, não é mesmo? Beata: Nunca. Você sabe. E agora – depois de tudo – pensa que estou diferente? Não me tocou. Foi como o sol passando pela vidraça [...] Beata: Esta noite, você me cobrou um preço e eu paguei. Como se pagasse uma passagem de trem – ou como se pagasse a carceragem! Pensei que, se eu lhe desse tudo que você queria, em troca você me soltava, deixava que eu fosse cumprir a minha missão. Tenente: Não sei como pensou isso. E não me fale em missão! Eu não lhe prometi nada, estava iludido. Julguei que fosse amor também [...]. Beata: – O senhor pode pensar essas coisas – mas eles, sei que não pensam. Debaixo deste pano... [pega no hábito]... eles não enxergam nada – nem imaginam. [O Tenente baixa a cabeça]. – Quanto a guerrear – serei a primeira? E eu nem arma tenho: só este rosário. – Eu não brigo, Tenente, eu rezo. Tenente: – Sim, reza. É santa. A santa cangaceira! [...]
A BEATA MARIA DO EGITO - Trechos da premiada peça teatral em 3 atos e 4 quadros, A beata Maria do Egito (José Olympio, 1058), da escritora, jornalista, dramaturga e tradutora Rachel de Queiroz (1910-2003). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A FOTOGRAFIA DE ANTONIO GARDUÑO
A arte do fotógrafo e fotojornalista mexicano Antonio Garduño (1882-1958), fundador da Sociedade de Fotógrafos da Imprensa. Veja mais aqui.

A ARTE PERNAMBUCANA
A arte do artista cordelista J. Borges (José Francisco Borges) aqui e aqui.
A música de Antônio Madureira aqui e aqui.
A literatura de Luiz Berto aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
A poesia de Cicero Melo aqui e aqui.
Maria & Mucunã da cineasta Carol Correia aqui & aqui.
A arte de Jaci Borba aqui.
As escritas de Zezinha Lins aqui.
A Ciranda Feminina na Mata Sul aqui.
Vale do Una aqui
&
Outras do Jegue de Paul aqui, aqui & aqui.