segunda-feira, abril 01, 2024

CECILIA VICUÑA, MELBA ESCOBAR, FREDRIC JAMESON, UMBILINA & AUTOGESTÃO DA MEMÓRIA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Pure (Decca Records, 2003), do DVD Live from New Zealand (Decca Records, 2004) e Pie Jesu – Vietnam no National Memorial Day Concert in Washington (2011), da soprano neozelandesa Hayley Westenra.

 

UMA QUASE CANÇÃO DE AUTOEXÍLIO... - Já morri duas vezes: a primeira aos 10 anos de idade; a outra, aos 23 – afora outras tantas passageiras no meu dia-a-dia. Como a morte se abestalhava, escapulia. Mas antes de anteontem ela reapareceu. Quem não desespera com a presença dela por perto? Ao contrário dos estereótipos todos, ela era fascinantemente sedutora. Achegou-se com elegância, aboletou-se ao meu lado e não perdeu tempo: E a vida, hem? Apesar dos pesares, muito bonita: É bom viver! Além de linda, sabia, era inarredavelmente poderosíssima! Ela, então, estalou os dedos e um caleidoscópio instantâneo fez-se filme com todo inventário humano: guerras, fome, injustiças, misérias. Isso é bom? Não. A quem você quer enganar? Tudo era impressionante e insistia em meus olhos não aceitar nada daquilo: uma flor desabrochava, uma criança estendia a mão, um gesto de solidariedade na esquina... Pode sonhar! Só acontece mesmo na sua cabeça de tolo. Não acredito. Quer subestimar minha inteligência? E disse-me Dorothy Eden: O perigo, claro, residia na sua curiosidade, na sua inteligência e nos seus olhos obstinadamente observadores... Sempre prestei atenção a tudo no mundo e na vida. Lendo-me os pensamentos sussurrou: Memento mori... Ao invés de mim isto deveria ser pronunciado pros que se acham donos do mundo e das coisas, surpreendendo os valentões, os ricaços de todos os mandos e os fanáticos da fé. Fitou-me grave e, novamente, os seus dedos agitaram no ar apontando para um salão que surgiu de repente e, no bico da quina do adeus, lá estava: a rainha neandertal ressuscitara mais agnotológica que antes, com suas muitas formas ageótipas de se mostrar tão bela e metida com seus bruxedos medievais - carecia de espiar direito ali os seus zis e ardilosos disfarces. Estava a dita ressurreta ali envolvida com uma romaria escatológica e um coro tóxico aos berros cantantes: A humanidade fracassou! Glória, Jesus! O além-humano morreu! Aleluia! Era uma louca Babel e tudo girava em delírio, como se o come-cu (STSS) devorasse silenciosa e mortalmente as suas entranhas. Uma cena deprimente aquela, mais uma. E o pior era a constatação de que a arte, a filosofia, as ciências, todas sucumbiram àquele ato, ali enterradas definitivamente. E logo vi todos se aprontarem para possante marcha sob os supostos auspícios do todo-poderoso deles. Oh! Era um sinal de rasga-mortalha: o mundo vai acabar! Arrodeavam o cerimonial de uma cova dantesca com enorme pedra sobre. Se era aterrorizante, o medo a favor. Muito desesperador. Enquanto presenciava tudo aquilo, a atraente parca visitante roubava a cena cochichando ao meu ouvido Cressida Cowell: As ações têm consequências e um preço deve ser pago; há coisas que não podem ser desfeitas... Era um alerta e me fez sofrer tanto de ficar com o juízo meio mole. Coisa boa aquilo não era, a insônia de Cioran. Sim, eu me sentia bipolar: uma montanha russa no escuro, cético, niilista. Tal Mark Twain diante de um urso polar, com minha amnésia infantil - cada um com a sua loucura: incompleto, finito e o inesperado esmagador. A senhora libitina percebeu o quanto tudo aquilo calou fundo dentro de mim: mais uma das minhas tantas quedas num poço sem fundo da já inexistente Alagoinhanduba. Socorreu-me remediável com a presença do Eduardo Marinho que aparecera alheio a tudo e pude levar um lero feito o emancipador conversável do Agostinho da Silva. Toda reunião desconfortável desaparecera. E a madame do exício sorriu com o meu pronto restabelecimento puxando-me a um canto secreto e beijou-me: Vá! Apressei o passo cada vez mais longe, ao deus dará! Sentia-me uma andorinha enfrentando sozinha todos os predadores algozes. Escapei fedendo, a alma quase se perdendo de desencarnar de vez pelo barro batido do caminho estreito e mais não tivesse a esperança inútil, o coração esmagado - a morte só poderia ser vida: o passado e tudo que já foi agora é dela. Ao meu ouvido sua voz ecoava Bella Akhmadulina: Quem sabe - a eternidade ou um momento \ Eu tenho que vagar pelo mundo. \ para este momento ou esta eternidade \ Agradeço também ao mundo... Sobrevivi aos seus múltiplos encantos e estou aqui, pela terceira vez, pronto pra contar hestória. Até mais ver.

 

A CIGANA ADORMECIDA

(Um leão cuida de seu livro de sonhos)

Imagem: Acervo ArtLAM.

La Gitana escreve há anos um trabalho secreto \ que ninguém nunca saberá, \ mas já começou \ para ser realizado na vida real. \ Enquanto ela continua a sonhar \ Seus sonhos compõem o mundo. \ O leão, porém, não posso dormir. \ Se você parar de observá-la, \ ela poderia acordar e nós desaparecemos imediatamente.

Poema da poeta e artista chilena Cecilia Vicuña. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

LA CASA DE LA BELLEZA - [...] A verdade é necessária quando há justiça. Mas a verdade sem reparação envenena a alma [...] Desde que me lembro, tivemos que cuidar de nossa segurança. Eu sou loira, olhos azuis, 1,75 de altura, algo cada vez menos exótico no interior, mas na minha infância tudo um ás na manga para ganhar o carinho das freiras e o tratamento preferencial dos meus colegas, bem como um foco de atenção que no caso do meu pai se tornou paranóia de um sequestro que felizmente nunca aconteceu na família, riqueza e traços Os anglo-saxões contribuíram para o meu isolamento. [...] Sua mãe, apenas dezesseis anos mais velha que ela, já foi a rainha do bairro, então Ela pensou que iria acabar pobre, mas acabou grávida de uma loira que falava pouco espanhol e que ele presumiu ser um marinheiro. Dessa visita furtiva de amor, a mulata que Ela compartilhou com a mãe não apenas seu sobrenome, mas também sua beleza e escassez. [...] Entre os apitos dos carros ele avançou saltando por poças de água até chegar à corrida 11, onde Ele embarcou em um ônibus em ruínas […] Um menino de cerca de onze anos entrou para vender balas. Ele disse que foi deslocado de Tolima. Ele disse que tinha quatro irmãos. Ele disse que era o “chefe da família”. Karen Ele enfiou a mão na bolsa e entregou-lhe quinhentos pesos antes de ligar para o ponto. [...] Ao cruzar a centena, ficou atordoada com as buzinas, a fumaça do escapamento, os ônibus verdes e tão antiga quanto a fome de quem pede esmola […] Algumas mulheres, quase sempre negras ou indígenas, com os filhos pendurados no peito ou nas costas, seguravam a criatura em um mão, o papelão na outra, o pote para receber moedas debaixo do braço, numa lamentável equilíbrio sempre atento à mudança de luz. Ao ficar vermelho, mendigos, deslocados, bandidos, viciados em drogas, aleijados, charlatões, desempregados, analfabetos, Abusadas, mutiladas, crianças e mulheres grávidas assaltam veículos em espetáculo diário tão repetitivo e previsível que já não surpreende ninguém. [...] Minha mãe morreu quando eu tinha onze anos. Sempre fui bastante feio. Em todo caso, nenhuma beleza. Eu sabia pouco sobre homens e relacionamentos, sabia principalmente por meio de livros. Decidi ser psiquiatra porque cresci ouvindo meu pai comentar casos e parecia o mais natural. [...] Ainda me lembro daquela vez em que ele me chamou de “mamãe”. Eu estava distraído olhando o jornal, Perguntei uma coisa para ele, se ele tinha marcado consulta no urologista, alguma coisa assim, e sem levantar O chefe do jornal me disse: “Não, mamãe”, aí ele ficou vermelho de vergonha e o que ele me disse Isso me deu um ataque de riso. [...] A verdade é que Karen Marcela Ardila, por ter nome do meio, era O sorriso permaneceu desde que ela ganhou o prêmio Colombian Girl, aos oito anos. anos. Sua persistência no gesto era tanta que quase não conseguia mais controlá-lo. Ele sorria o tempo todo momento, mesmo quando a situação era triste ou dramática, outra razão pela qual Jamais poderia apresentar algo diferente do segmento de entretenimento. [...] Karen sabia, sua mãe lhe dissera, que o maior infortúnio de sua mãe fora dar à luz uma mulher porque "os homens fazem o que querem, enquanto as mulheres "Fazemos o que temos que fazer." Karen lembra que tinha treze anos quando a ouviu dizer isso. De Então ele se perguntou, com cada mulher que conheceu, se ele realmente fazia o que queria ou o que queria. essa foi a vez dele. [...] Suas conversas com ele estavam se tornando cada vez mais um ritual dominical e ela temia que com a passagem Com o tempo ela se tornou uma daquelas mães que um dia foi trabalhar no capital, com quem aos poucos o tema da conversa se perdia nas ligações todas as vezes mais curto e mais esporádico [...] “Quando você vem, mãe?”, ele disse finalmente. Já fazia tanto tempo Eu não liguei para a mãe dela. Ao ouvir aquela palavra ele se sentiu distante. [...] Aquele cheiro de terra do mar, de água do mar [...] tirando uma soneca na cadeira de balanço e a mãe preparando bolinhas de tamarindo na varanda de casa, e dizendo “menina, não me procure”. porque você vai me encontrar", porque ninguém mais a chama de menina, ninguém mais a procura, muito menos ela. encontra, ela não se encontra mais, muito menos sabe onde está, cada vez mais perdida, cada novamente aqui e ali ao mesmo tempo e ainda em lugar nenhum ao mesmo tempo. [...]. Trechos extraídos da obra La Casa de la Belleza (Planeta, 2017), da escritora e jornalista colombiana Melba Escobar. Veja mais aqui.

 

ANTINOMIAS DO REALISMO - [...] Observei um desenvolvimento curioso que sempre parece definir quando tentamos manter o fenômeno do realismo firmemente em o olho da nossa mente. É como se o objeto da nossa meditação começasse a oscilar, e a atenção para ele se afastar insensivelmente em dois direções opostas, de modo que finalmente descobrimos que estamos pensando, não sobre o realismo, mas sobre o seu surgimento; não sobre a coisa em si, mas sobre sua dissolução. [...] Também perde o grande jogo do narrador onisciente, que é conhecer segredos que nenhum dos personagens envolvidos jamais aprenderá, ironicamente levando para o túmulo sua infeliz ignorância. [...] Esta sinédoque, em que a escaramuça representa a batalha, como recomendou Balzac, é um ataque muito mais directo e enérgico ao problema impossível da representação colectiva do que qualquer coisa na Esquerda, que é reduzida a manifestações e marchas, e cujos dilemas são vividamente dramatizado pelo facto de terem participado nas filmagens de Outubro de Eisenstein mais actores e figurantes do que o número de participantes reais na própria revolução bolchevique. [...] Provavelmente todo o modernismo desperta isso não necessariamente impulso admirável que muitas vezes assimilamos à Interpretação como tal; mas aqui, pelo menos, podemos nos perguntar se o interesse está no conteúdo de tais temas simbólicos e interconexões ou no sentido ontológico primeiro plano do próprio processo. [...]. Trechos extraídos da obra The Antinomies of Realism (Verso, 2013), do crítico literário estadunidense Fredric Jameson, no qual trata a respeito das tinomeias do realismo, das fontes gêmeas e impulso narrativo, do afeto ou o presente do corpo; Zola, ou a Codificação do Afeto; Tolstoi, ou, Distração; Pérez Galdós, ou, o declínio da protagonicidade; George Eliot e Mauvaise Foi; a dissolução do gênero, a Terceira Pessoa Inchada, ou Realismo após Realismo, Coda: Kluge, ou Realismo após Afeto, a lógica do material, as experiências do Tempo: Providência e Realismo, Guerra e Representação, Vou ser o romance histórico hoje, ou ainda é possível, entre outros assuntois. Em seus estudos ainda expressou: Alguém disse uma vez que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que imaginar o fim do capitalismo. Podemos agora rever isso e testemunhar a tentativa de imaginar o capitalismo através da imaginação do fim do mundo. Se tudo fosse transparente, não existiriam ideologias... Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

UMBILINA...

[...] todos os seres da terra são instrumentos de um mistério: tudo começa porque tem que acabar [...] concluiu que nada vale a pena – nem sofrer, nem ser feliz. Viver não é uma coisa nem outra, viver é cíclico. [...].

Trechos extraídos da obra Umbilina e sua grande rival (Autor, 2013), do escritor, dramaturgo e jornalista Cícero Belmar.

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Oficina-vivência Autogestão da Memória, Museus Comunitários e Museologia Política, entre os dias 3 a 5 de abril de 2024, na sede da Sociedade de Cultura Artística 22 de Novembro, no Território Sagrado Ibarema/Paudalho, reunindo 20 articuladores(as) de Iniciativas de Memória, Museus Comunitários e Movimentos Sociais de Aliança, Nazaré da Mata, Olinda, Paudalho, Recife e Tracunhaém. Um evento da ELMP, IBRAM, Funcultura e NEPE/UFPE. Veja mais aqui.

 

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Tem mais:

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