TRÍPTICO DQC: CONTISTÓRIA - Ao som
de Frevo, no álbum Solo
(ECM, 1978), de Egberto Gismonti. - Entre os pariceiros
do Biritoaldo estão os cavernosos carne-e-unha Rolivânio & Penisvaldo.
Eles são do tipo: aonde um vai, o outro vai atrás e vice-versa, se é que me
entendem. No meio da dupla uma única concessão: o primo deles Urinácio. E isso só foi possível por conta
do enrabichamento deles pras bandas de duas irmãs que tinha uma terceira caçula
e que eram do tipo das meninas do sobrado de Hermilo. Para que ela não atrapalhasse acendendo vela no chambrego
deles, fecharam o time com o primo, pronto e só por isso mesmo, mais nada.
Assim fizeram par com as três sonhadoras e inseparáveis irmãs Bucetildes,
Vaginalda e Buceleta – como se fossem as três de Tchekhov, apesar dos
distintos temperamentos e do ódio mútuo e tácito entre elas. A coisa entre os
três casais rolou bem e tanto que ninguém sabe, ao certo, quem é namorado de
quem. Ou seja, rola uma salada na base daquela: onde come um, comem todos, mas
só entre eles mesmos. Além do mais, como dizem todos, parece mais que Deus fez
e o diabo ajuntou: o que há de peculiar na extravagância egoísta em cada um deles,
há de, não sei como, confluírem harmonicamente: todos se completam mesmo que se
estranhem uns às outras e os mesmos reciprocamente e em todo momento. Um
círculo fechado em que cada um tem um rei na barriga e os outros de súditos:
muita soberania para pouco reino. Vá entender. Curiosamente, no final das
contas, se entendiam mesmo entediados um com a cara da outra e os demais. Mas
vamos ao que interessa. Primeiro, deixando esses cuecas fedorentos para depois,
o que importa agora são as dondoquinhas: filhas do sargento Tampinha, um metro
e meio de impudência e bafo de brabeza. Tudo na rédea, benzidas e guardadas.
Desabrocharam para a vida e com o entre-e-sai de meganha, elas vidravam pelos
comandados e sonhavam desposadas em cerimônia engalanada na matriz. Assim se
deu, os três recrutas se candidataram e, por falta de coisa melhor, elas se
engraçaram e entabularam namoro sério, noivado para o devido casório e tudo o
mais, como manda o figurino. No dia de marcação da sonhada data, os caras deram
de farrapar. Elas caíram em si: SantAntonho me enganou. E eles: Isso são umas
megeras, meu! E quem mandava no sexteto? Elas. Chamaram na grande e, depois de
todo tipo de expediente sobrenatural, souberam dum divino Sapo. Quem? Era ele o
último recurso, o milagreiro. E cada qual conseguiu convencer seu parceiro às
bordoadas e foram embaixo de beliscões, tapas e chutes resolver essa pendenga. Assistia
a tudo quando o escritor russo se aproximou de mim, balançando a cabeça
ironicamente e me confidenciou: Nada une tão fortemente como o ódio - nem o
amor, nem a amizade, nem a admiração. As mulheres nunca perdoam os fracos. O
amor mostra ao homem como ele deveria ser sempre. Um homem é aquilo em que
acredita. Bateu com uma das mãos às minhas costas e se foi. Por conta
disso, perdi o espetáculo gratuito dos casais pelas ruas. Recolhi-me ao de
sempre, solidão amena repassando as situações risíveis: como é que pode, hem?
DOIS: DAS GRAÇAS
DO SAPO - Imagens das Graças, dos escultores
Antonio Canova, Jean-Jacques Pradier, Thorwaldsen e autor desconhecido, ao som
do álbum Concerto Cabaré – do espetáculo homônimo de Bertolt Brecht
& Kurt Weill (Dabliu,
1996), da cantora da vanguarda paulista, Suzana Salles. - Dias depois soube do desenrolar imbróglio, foi
assim: lá foram os três casais encherem as ruas de pernas por dias incontáveis,
até definitivamente se apresentarem sequiosos pelas resoluções do famigerado milagreiro.
Estava lá Aderbal, viola na caixa
dos peitos todo metido a Bandeira: Foi, não foi, foi... Vivo
nas estrelas porque é lá que brilha a minha alma. A existência é uma aventura,
de tal modo inconsequente. Uns tomam éter, outros cocaína. Eu já tomei
tristeza, hoje tomo alegria.
Elas se entreolharam: É isso? Os cabras já se arrumavam para saírem fora, quando
elas enganchou-los nelas e tomaram de atrapalhar os devaneios do poetanuro,
enquanto ele lá suspirava: Ah, Nalah,
também sofri de mal de amor... Elas, então, indagaram curiosas: Mas está
curado? Sim, estou; e cada vez mais apaixonado. Ah, assim não serve. Servirá,
verão; mas o que querem as distintas e simpáticas jovens? Aí as gasguitas depuseram
um lero longo, cada uma escalpelando seu amado, tintim por tintim, e que desenganadas
foram orientadas a procurá-lo, por se tratar de afamado consertador de casos e
que fizesse a história delas lindíssimas como aquelas dos contos de fadas. Ele ouviu
atento e pacientemente suportou não sei quantas horas de descascadas, até ser
cobrado por elas: Resolvo se cada uma dormir comigo! As três? Não. E eles?
Primeiro as damas: vamos fazer um cronograma! E saiu distribuindo os dias para
cada uma delas. E eles? Primeiro salvo vocês, depois vejo qual a bronca deles.
E cumpriu-se o acordado. No final de semana, depois que cada uma pernoitou com
o poetanfíbio, viu-se logo a mudança: não eram mais aquelas três filhas do
sargento, agora eram as Graças:
Tália das flores, Eufrosina da alegria e Aglaia da claridade, as Cárites da paróquia.
Rapaz, o negócio é sério! E foram os três malamanhados ter com o providente
divinizado: E aí, véi, e com a gente? Vocês o quê? Você transformou as megeras
em graças, e a gente? Ah, vocês já trocam cavalo-mago demais, vão aprender a
domar mulher, seus brocos! E foi-se
embora para Pasárgada. Ficaram com uma mão na frente e outra atrás: E agora,
gente? Vamos atrás das meninas, ora! Vambora. Como não havia mais nada para
engraçar, apareceu Pirandello com um sorriso no canto pelos
seis personagens à procura de um
sapo: A culpa é dos fatos, meu amigo. Somos
todos prisioneiros dos fatos. Eu nasci, logo existo. Não há uma estrada real
para a felicidade, mas sim caminhos diferentes. Há quem seja feliz sem coisa
nenhuma, enquanto outros são infelizes possuindo tudo. Surpreso, sorri. E ele foi pro palco
que escureceu,
as cortinas fecharam, não havia mais público e eu esperando nem lembro o que
poderia ser, de tão entretido com o desfecho parcial do rolo e a surpresa do
encontro. Nada não... ah, tenho mais o que fazer.
TRÊS: ELA, O REENCONTRO FORTUITO - Imagens: a arte
do fotógrafo estadunidense Terry Richardson, ao som da talentosíssima pianista e
arranjadora israelita Yuval Salomon.
– Na calçada da esquina quase não a vi, só ao chamar-me: Ei, quero falar com
você, vamos ao meu apartamento. E fomos conversando sobre o que eu estava
fazendo, enquanto a empolgação débil com o que me aguardava. Lá chegando:
Sente-se. Aboletei no divã e ela, mão no interruptor, apagou a luz. O silêncio
reinou e pensava o que ela estaria aprontando agora, repassando cada momento
vivido ao seu lado e as nossas peripécias. Fui surpreendido com a luz do
abajur, ela nua a depor Francesca Woodman:
Minha vida neste momento é como antigos
sedimentos que ficam numa xícara de café e prefiro morrer jovem deixando várias
realizações ao invés de apagar todas essas coisas delicadas… Eu mostro o que você não consegue ver – a
força íntima do corpo. Como não vê-la iluminada e radiante contornando cada
canto da sala e ao meu redor, linda&nua como nunca, a recitar do poeta
italiano Sandro Penna (1906-1977): Eu amava cada coisa do mundo. E não tinha senão
o meu branco caderno sob o sol. Na noite profunda consomem-se as estrelas. Um odor
me inunda um amor de coisas belas. E dos seus braços fez-se Terra para me
abrigar. E do seu corpo fez-se mar para embalar todos os meus dias. E da sua
boca fez-se vida, inteira e infinita, para que eu tenha a paz do seu perfume e
nunca mais morrer. Até mais ver.
A ARTE DE NEWTON MORENO
Recife tem dois lugares de produção. Um ligado à tradição, porque existe uma cultura popular muito forte e enraizada, e é bonita em cena. O outro, da metrópole, à questão mais urbana que se comunica com o mundo e faz todas as pontes "internáuticas"...
A arte
do premiado autor, ator, pesquisador, educador e diretor teatral Newton Moreno, que é bacharel em
Artes Cênicas pela Unicamp (1995) e mestre, também, em Artes Cênicas pela USP, integrante
do grupo Os Fofos Encenam. Veja mais aqui, aqui e aqui.