sexta-feira, janeiro 22, 2021

KOBO ABE, JORGE IBARGÜENGOITIA, GRAMSCI, STRINDBERG, CHIHARU SHIOTA & JULIANA NOTARI

 

 

TRÍPTICO DQC: PAISAGENS DO SILÊNCIO - Ao som de Tout un monde lointain...(1967/70), do compositor francês Henri Dutilleux (1916-2013), inspirada na poesia de Charles Baudelaire, na interpretação performática da violoncelista alemã Konstanze von Gutzeit & Orchestra of the University of Music, conductor Nicolás Pasquet (Weimar, 2016). – A minha solidão e todo um mundo distante... Todas as belezas e a paixão... Todo universo...  e a vida sempre por um triz... A esta hora as cores do poente ardem nos meus olhos e o mundo que a morte e o azul e a ausência em si resume no vivo clarão das horas estivais. Os sonhos partiram em caravana e estou daqui a ver os que se matam no tédio cruel de singulares jogos. Sou hóspede da noite que já se avizinha num país sem igual, o Sol morre no céu nebuloso e o egoísmo humano é descoberto no paroxismo dos seus concretabstratos invadindo todos os meus sentidos entre ruinas e desgraças, como quem órfão paterno não perdoa a mãe pelas segundas núpcias e odeia os credores infames da minha saúde debilitada. Fui deserdado e passo por todas as farsas ímpias, abrindo caminho ao coração e perplexo com a degradação ultrajante das cidades com suas fachadas de banheiro para descaracterizá-las em nome do moderno dos submersos em seus labores desumanos e os excluídos que nadam nos horrores. É tudo muito deprimente, enquanto os remorsos roem como vermes a vida dos donos insaciáveis que saem dos seus suntuosos escritórios como uma manada de demônios com força e virulência para a todos com a espuma do ódio envenenado e assim beberem todo sangue do mundo que é para eles a infame carcaça da carniça. Para minha surpresa aparece Gramsci que parecia mais ler meus pensamentos: Somos criadores de nós mesmos, da nossa vida, do nosso destino e nós queremos saber isto hoje, nas condições de hoje, da vida de hoje e não de uma vida qualquer e de um homem qualquer. Do outro lado, Strindberg: A verdade é sempre desaforada. Com o amor não se brinca sem castigo. Logo desaparecem para que minha alma seja um sepulcro em que habita um reles cenobita e anseio flor nova no chão estragado por chuvas e trovões dos infernos no castigo do orgulho a quem despenca da vergonha e da glória. E quando eu me perder na universal memória saberei que o tempo é curto, a arte é longa, nas fundas solidões do meu coração tambor.

 


DOIS: O TESOURO DA PEDRA, O SIMULACRO DO RISCO - Imagens: Wall (2010), da artista japonesa Chiharu Shiota, ao som do álbum Finding Gabriel (Nonesuch, 2019), do pianista estadunidense Brad Mehldau Noite alta e na parede das profundezas erguerei os meus clamores e ninguém me livrará do maldito cativeiro. Sou mártir sem culpa, dócil condenado, o meu suplício choca os mortos e a farsa que sou se ocupa com tolices e culpas, erros e sovinices que sequer tenho. O escritor japonês Kobo Abe (1924-1993) me chama a atenção: A liberdade não consiste só em seguir a sua própria vontade, mas às vezes também em fugir dela. O mais assustador do mundo é descobrir o anormal naquilo que está mais próximo de nós. Sim, eu sei do homem livre amigo do mar espelho da alma, a desvendar o fundo sorvedouro humano, são meus irmãos com seus fogos de diamante e no íntimo tesouro guardado nos segredos de cada um. Sim, eu sei com a minha índole libertina, talvez ouse além do destino humano e me embebedo a arder de essências confundidas de óleo de coco, almíscar e alcatrão, florão das minhas noites. Quando não estou aqui encerrado, lá estou acenando para ciganos em viagem num céu sem destino, quisera poder segui-los, outras são as condições. Só não quero encontrar rosas frias, só a flor vermelha do ideal. Ao poeta das anemias as graças de hospital e o inferno de amigos povoado, não poderão jamais satisfazer um sonho como o meu do fundo do abismo em que agora sucumbo no nosso penoso holocausto. Mesmo que eles se indignem comigo pelos repudiados hemistíquios dos meus versalexandrinos, porque doído sou cru e maldito, caí na esbórnia afogueado pelo que comi e bebi, o absinto, o haxixe e o ópio, santa boemia na melancolia de Paris, porque o poeta é o albatroz exilado na terra e impedido de voar na ambição de decifrar o segredo da dor da vida anterior, me ensina a arte de evocar as horas mais ditosas. Mas o final do episódio apenas eterniza que quem ama corre o risco de não ser feliz.


 

TRÊS: ELA DENTRO D’ÁGUA, A POESIA DE TUDO – Imagens: Becoming Light (2005), do videoartista estadunidense Bill Viola, ao som Alcaline, le concert (2016), do trompetista, pianista, compositor, arranjador e professor franco-libanês Ibrahim Maalouf, no Trianon, em Paris. - Quando ela vem do céu ou do inferno dentro do vestido ondeante e nacarado, chega como quem dança lânguida amante tonada luz incandescente nos meus olhos sequiosos dela. Ela chega pro meu voo ascensional pelos límpidos espaços para entender a linguagem da flor e da matéria bruta. Leva-me ao templo das cores, sons e perfumes no regaço do linho e do cetim, a natureza toda é ela bela como um sonho de pedra e inspira o poeta e nem sei o que é rir ou chorar. Ela sorri sem medo, solitária e calma ao meu amor profundo e a sua beleza é sua e sempre quase vinho, beleza de Fortuna encantada, joia fulgente dos meus poemas, verdadeiro desacato e a persigo como um cão, recitando Jorge Ibargüengoitia (1928-1983): Ó doce luxúria da carne! Refúgio dos pecadores, conforto dos aflitos, alívio dos doentes mentais, diversão dos pobres, diversões dos intelectuais, luxo dos idosos. A arte de amar se reduz a dizer exatamente o que exige o grau de embriaguez do momento. E ela sorri mergulhando fundo todas as águas oceânicas para me guardar ao seio generoso de Cibele, a loba terna que afaga o meu coração abismado por florescente dama com seus olhos de fogo, o seu ser dotado de realeza, blasfêmia da arte, divina mulher. Sou cativo da sua face sincera que vive o que será amanhã como agora, amanhã e depois e sempre; na sua nudez que me diz não ser vedado amar, súcubo encanto e foi lá que vivi volúpias e mergulhei na imagem que o olhar beija e o coração abraça, sua voz é música, seu hálito é perfume e o amor para meus olhos, ação para meus braços, e percorrer devagar seus flancos espreguiçada no meu peito aos pés de uma colina, confidente de sonho infinito. Para o meu amor ela está sempre nua e faíscam joias do seu corpo recostado para que eu a possua repetindo Sed non satiata e a sua carne de tigresa domada e olhar fixo e contemplo seu esplendor de graças, o sorriso esguio: a volúpia me chama, a paixão me coroa na minha solitude a levar meu nome aos mais longínquos anos. Enfim, sobre seu ventre danço amorosamente para nela infundir o meu veneno com as frases roubadas das Flores do Mal. Até mais ver.

 

A ARTE DE JULIANA NOTARI



“Na cidade, imersos nesta conjuntura de sociedade neoliberal e neste mundo precário onde todos lutam pela sobrevivência e o tempo se torna dinheiro, me emocionam gestos e pequenas atitudes de pessoas que eu não imaginaria que teriam tal sensibilidade, a gente vive tão pressionado por este sistema capitalista que a sensibilidade vira essa poesia que há no ser humano. Na natureza, ela vem dos animais e das árvores, principalmente quando estou só”

A arte de Juliana Notari, doutoranda e mestre em Artes Visuais pelo PPGARTES/UERJ, graduada em Artes Visuais pela UFPE (2003) e que trabalha com as mais diversas linguagens (instalações, performances, vídeos, fotografias, desenhos e objetos) com abordagem multidisciplinar. A sua pesquisa visual tem criado um corpo de trabalhos que encaram suas singularidades, transitando por entre a biografia, o confessional, a catarse ou práticas relacionais, com ênfases e modos de operação diversos, traumas, desejos, fantasias e medos que são recolocados em suas obras instaurando relações entre subjetividades que, por sua vez, configuram o eixo central da obra da artista. Veja mais aqui e aqui.