LIÇÃO DO FOGO - O elemento e as dúvidas de Shakespeare, os rituais e a poética de Bachelard, o ponto de ignição e a mente de Plutarco, a língua e a orgia de Artaud. A reação, a pólvora chinesa e a sabedoria de Yourcenar. As chamas, a casa de Horácio e o sofrimento de Gandhi. O combustível e os livros de Valery. A combustão e as carruagens de Vangelis. A limpa da terra e os escondidos de Neruda, o cozinhamento e as brasas de Tagore, o calor e a passagem de Dante, a luz e o amor de Rilke, a propulsão e os impulsos de Poe, a fundição e a arte de Brecht, a forja e a poesia de Maiakoviski, a incineração e Gransci de Pasolini, os incêndios – da homérica Troia, das bombas de Guérnica, dos napalms do Vietnã, das guerras descabidas. Os riscos de queimadura e as vantagens de Wilde, a poluição e Gonzagão cantando Chico Mendes, a erosão e a Terra de Eliot, arma inexorável de destruição – ambição e desumanidade, as diversas formas de fanatismos dos autos-da-fé, a barbárie da inquisição secular renovada de sempre, o interior de Castañeda. As cinzas e a cremação, os pássaros de Stravinsky. Assim aprendemos a nos queimar ardentes de paixões, a nos aquecer do frio na solidão, a nos proteger de invasores e equívocos, a queima nossos fantasmas e esperança, a anunciar onde estamos ou se nos perdemos na primeira certeza, a cuidar de nós e de tudo, dominá-lo nem sempre dá certo. Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - As palavras podem, através da devoção, da habilidade, da paixão e da
sorte dos escritores, provar ser a coisa mais poderosa do mundo. Elas podem
levar os homens a falar uns com os outros porque algumas dessas palavras em
algum lugar expressam não apenas o que o escritor está pensando, mas o que um
grande segmento do mundo está pensando... Precisamos de mais humanidade, mais
cuidado, mais amor. Há quem espere que um sistema político produza isso; e
outros que esperam que o amor produza o sistema. Minha própria fé é que a
verdade do futuro está entre os dois e que nos comportaremos humanamente e um
pouco humanamente, tropeçando, aleatoriamente generosos e galantes, tolamente e
mesquinhamente sábios, até que o estupro de nosso planeta seja visto como a
loucura absurda que isso é... Pensamento do escritor e dramaturgo William Golding (1911-1993), autor da
obra O senhor das moscas. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU - É
melhor agir e correr o risco de se arrepender do que se arrepender de não ter
feito nada... Nada é tão indecente que não possa ser dito a outra pessoa se as
palavras certas forem usadas para transmiti-lo... Pensamento do poeta e
crítico literário italiano Giovanni
Boccaccio (1313-1375), autor de Decameron, que é uma coleção de cem
novelas escritas entre 1348 e 1353. O livro é estruturado como uma história que
contêm 100 contos contados por um grupo de sete moças e três rapazes que se
abrigam em um castelo próximo de Florença para fugir da peste negra, que
afligia a cidade. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
TEORIA DO ROMANCE –[...] Afortunados os tempos para os quais o
céu estrelado é o mapa dos caminhos transitáveis e a serem transitados, e cujos
rumos a luz das estrelas ilumina. Tudo lhes é novo e no entanto familiar,
aventuroso e no entanto próprio. O mundo é vasto, e no entanto é como a própria
casa, pois o fogo que arde na alma é da mesma essência que as estrelas;
distinguem-se eles nitidamente, o mundo e o eu, a luz e o fogo, porém jamais se
tornarão para sempre alheios um ao outro, pois o fogo é a alma de toda luz e de
luz veste-se todo fogo. Todo ato da alma torna-se, pois, significativo e
integrado nessa dualidade: perfeito no sentido e perfeito para os sentidos;
integrado, porque a alma repousa em si durante a ação; integrado, porque seu
ato desprende-se dela e, tornado si mesmo, encontra um centro próprio e traça a
seu redor uma circunferência fechada. [...] a
épica, por colar-se à vida, eleva-a à imanência do sentido ("como pode a
vida tornar-se essencial?"); o drama, por intensificar o sentido, desperta
a essência para a vida ("como a essência pode tornar-se viva?") [...]
Ainda que a vida não mais contasse com um sentido imanente, o drama logrou
equilibrar-se na corda bamba da forma, o que lhe garantiu uma sobrevida negada
à epopeia. Por virtude de suas leis internas, e não por fechar-se à nova realidadé1,
é que o drama pôde perpetuar-se ao longo do tempo, encastelado numa redoma
formal que o amarrava, por outros meios, à vida moderna. [...] De causa
em causa, sobe-se à causa última, incondicionada, que não é efeito de outra
causa. Ao longo de toda a série, a estrita necessidade que une os elos permite
indagar o porquê do vínculo, a razão pela qual algo ocorre. Somente essa causa
última dá uma resposta incontrastável à pergunta pelo motivo. [...] Trata-se,
portanto, de uma luta levada a extremos, que simboliza num único embate o
conjunto da vida, e na qual o homem tem sempre de sucumbir. [...] Não é
com resignação melancólica que o herói aceita a ruína, mas de cabeça erguida,
certo de realizar sua essência concreta no momento em que assume a fatalidade,
sem os disfarces da vida comum, subindo ao degrau mais alto da existência [...].
Trechos extraídos da obra A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico
sobre as formas da grande épica (34, 2000), do filósofo, crítico
literário e pensador marxista húngaro Georg Lukács (1885-1971), autor,
entre outras obras, de O estilhaçar da forma em contato com a
vida (1909) e do Ensaio sobre Kierkegaard - A alma e as formas (1911). Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
CONTRA NOSSA VONTADE - [...] A violação é nada mais nada
menos do que um processo consciente de intimidação através do qual todos os homens
mantêm todas as mulheres num estado de medo. [...] Todo estupro é um exercício de poder, mas alguns estupradores têm uma
vantagem que é mais do que física. Operam num ambiente
institucionalizado que funciona a seu favor e no qual a vítima tem poucas
hipóteses de reparar a sua queixa. A violação na
escravatura e a violação em tempo de guerra são dois exemplos. Mas
os violadores também podem operar num ambiente emocional ou numa relação de
dependência que proporciona uma estrutura hierárquica e autoritária própria que
enfraquece a resistência da vítima, distorce a sua perspectiva e confunde a sua
vontade. [...]. Trechos extraídos da obra Against Our Will: Men, Women and Rape
(Ballantine,
1993), da jornalista e escritora estadunidense Susan
Brownmiller, que na obra Femininity (Ballantine,
1985), expressa que: [...] Dependendo
do que estava disponível num determinado clima, uma variedade de fibras porosas
eram usadas (e ainda são usadas na maioria dos países) para estancar o sangue
mensal: enchimentos improvisados de raízes e cascas, tampões caseiros de papel
amassado, algodão ou lã, e fraldas reutilizáveis feitas de pedaços de tecido grosso
dobrados, os vergonhosos e volumosos trapos menstruais da geração da minha avó
que eram furtivamente esfregados em água fria e deixados para secar em um lugar
secreto [...] O aspecto
animalesco dos pêlos corporais, para uma sensibilidade muito refinada, e o fato
de as mulheres detidas não terem acesso às suas navalhas, levaram sem dúvida um
criminologista pioneiro do século XIX, chamado Cesare Lombroso, a propor que o
tipo de corpo da mulher infratora era caracteristicamente
hirsuto. [...] Os pelos das pernas não eram um problema para as
mulheres americanas antes da década de 1920 porque as pernas da maioria das
mulheres nunca estavam à vista do público. Quando uma mudança de atitude em
relação à recreação, moda e emancipação feminina durante a próspera Era do Jazz
do pós-guerra tornou socialmente aceitável para mulheres de todas as idades e
classes exporem seus membros, a modéstia em relação à propriedade de mostrar as
pernas foi transformada com surpreendente rapidez em uma delicada
autoconsciência em relação ao cabelo “feio”. [...] Biologicamente,
uma mulher tem menos glândulas sudoríparas funcionais do que um homem e também
tem um limiar de transpiração ligeiramente mais elevado, exceto durante a
gravidez. Assim, as mulheres, em regra, transpiram menos que os
homens, mas esta pequena diferença não foi considerada suficientemente grande
para distinguir os sexos. Uma senhora não deve suar nada. [...]. Ela ainda expressa que: Um mundo sem violação
seria um mundo em que as mulheres se movimentassem livremente sem medo dos
homens. Que o estupro de alguns homens representa uma ameaça
suficiente para manter todas as mulheres em constante estado de intimidação,
sempre conscientes do conhecimento de que a ferramenta biológica deve ser
respeitada, pois pode se transformar em arma com rapidez repentina, nascida de
intenções prejudiciais... Em vez disso, do que os aberrantes
da sociedade ou"estragadores de pureza", os homens que estupram
servem na verdade como tropas de choque masculinas na linha de frente,
guerrilheiros terroristas na mais longa batalha sustentada que o mundo já
conheceu. Veja mais aqui e
aqui.
MIGRAÇÕES - Longe das grandes migrações animais: \ os
salmões que regressam à sua casa de água doce, \ as tartarugas marinhas que
depositam os seus ovos na praia \ onde nasceram. \ Aqui falta-nos magnetismo, \
uma certa noção de espaço e tempo que nos diz para onde ir. \ Uma bússola
dentro das borboletas \ faz com que elas viajem milhares de quilômetros sem se
perderem. \ Os ursos farejam a vida a quilômetros de distância \ e os elefantes
sempre se lembram de seus mortos. \ Nós, temos uma memória frágil \ e uma marca
nos cromossomos \ que nos faz fugir por mar por terra. \ Então, migramos de um
esquecimento para outro guiado pelo instinto. Poema da poeta costarriquenha
Carolina Quintero Valverde, autora da obra Little Death in the Arctic (Perro
Azul, 2010).