TRÍPTICO DQP:
- Os sonhos renascem muitos… - Naquela
manhã chovia torrencialmente e o rio ameaçava transbordar como no dia em que
nasci. Eu vi, fui embora aos dois anos de idade... Ali minha mãe dissera o mesmo da do Sonho de Kurosawa. O meu quintal
crescera naquele exílio, árvores imensas e, lá no fundo, a estrada de Badalejo. Embaixo do arco-íris as
raposas não acasalavam, apenas o pife do Papafigo
soava de não sei onde, trazendo todos os meus mortos em desfile. Eles ignoravam
minha presença ali, parecia, pelo menos não tive que pedir perdão pelo degredo
nem por nada. Quando se foram me vi nos labirintos de Borges: O sonho não passa de um mistério. E lá longe os estrépitos de Água Preta. No meio apareceu Deus que
encarei como se fosse Shakespeare e
só queria ser eu mesmo. Baixei as vistas e ao revê-lo era Esther Vilar com um meio sorriso: Ainda jogamos hoje os
mesmos jogos da
nossa
infância? Claro que não. E mesmo, enquanto
crianças,
não tínhamos sempre
as mesmas brincadeiras,
brincávamos até nos apetecer. Não sabia como respondê-la, queria naquele
dia fosse apenas uma criança, nada mais. E eu me reconciliasse: era a vida, os
sonhos renasciam muitos...
O banquete
do exílio... – Imagem
do artista e ilustrador estadunidense Edward
McGinnis – Atravessando as minhas proscrições de xexéu e meu desterro Arrabal,
tudo ali me parecia como se eu cumprisse a maldição de Narciso na fonte, condenado ao Dorian Gray do retrato de Wilde no Reading.
No meu desamparo foi Babette quem
fez a festa e me acolheu: era apenas uma artista. E me contou a anedota do
destino de Karen Blixen, e me chamou
atenção para o que dissera António Agostinho Neto: Para
alcançar a liberdade e sem o qual o comportamento do homem será o de quem sai
de uma forma de discriminação para cair numa outra forma tão negativa como a
primeira, uma simples inversão dos fatores intervenientes... Não
entendia nada porque adolescia como quem perdia a inocência no seu decote. Logo
chegaram os convidados do Discreto Charme de Buñuel e eram muitos e se pareciam meus algozes, eu só queria
privar da intimidade dela. A primeira a se achegar atrapalhando todo meu
intento foi Grace Aguilar, que logo me advertiu: Simpatia é o charme da vida humana. Poesia é um presente perigoso. Ao
lado dela o antipático religioso francês Jacques-Bénigne
Bossuet (1627-1704) com seu ar severo: Entre todas as paixões
da mente humana, uma das mais violentas é o desejo de conhecer... Eu não tinha nada a ver com tudo
aquilo, apenas fora levado pela generosidade da anfitriã, um peixe fora d’água
que sonhava pelas anáguas e momentos íntimos dela na sua solidão. Mais satírico
de todos Julos Beaucarne me puxava insistentemente
quebrando o encanto: Anarquista, estou até o fundo dos meus sons!
Anarquista, na minha opinião, isso significa que outros caminhos ainda não
exploram as portas que ainda não foram abertas. Isso é o que estou fazendo há
cinquenta anos. E gargalhava desbragadamente. Todos me
pareciam fantasmas famintos na noite longa, sequer eu tinha para onde ir. No
meu flagelo ela então apareceu como se fosse Nix e me fez Erebus para que eu soubesse do caos de sua íntima clausura.
Neia
GabinetArte... – Imagem
do escritor e pintor sul-africano Breyten
Breutenbach - Amanheci de pé diante da porteira e dentro do cercado a
inquieta e sorridente Neia me
recepcionava de braços abertos. Naquela placidez pude respirar fundo e reviver
o gosto de sentir-me em casa, outra vez menino que se esgueirou pelo mundo com
todos os esconjuros. Ofereceu-me água quente para o café solúvel e nos
aboletamos numa poltrona amigável. Ela se parecia com a comediantescritora
estadunidense Rita Rudner: Eu amo dormir. Você? Não é ótimo? Realmente é o melhor dos dois mundos. Você fica vivo e
inconsciente... E depois de mostrar suas traquinagens artísticas,
arrematou ainda incorporada: Os homens
esquecem tudo; as mulheres se lembram de tudo. É por isso que os homens
precisam de repetição instantânea nos esportes. Eles já esqueceram o que
aconteceu. Já
passava do meio dia quando me convocou a atravessar o pântano: Vamos! Desbravamos
passagem escorregadia e me exigiu perícia às marqens do primeiro pequeno açude.
Meus pés se encharcaram nas proximidades do segundo e dei graças quando venci o
terceiro. Foi então ela colher goiabas, eu restabelecia a respiração. Que coisa!
E seguimos pelo caos e atravessamos umbrais como se recitasse a Face do amor de Ingrid Jonker. Quando enfim divisamos a liberdade ensolarada, ela
se parecia a linda atriz Maria Casadevall como Guia Turística da Usina de Arte e lá eu me perdi
entre as obras de Regina Silveira, a Diva da Juliana Notari, Frida
Baranek, Os cabanos da Liliane Dardot,
Os mandacarus da caçamba de lixo de Paulo Bruscky, O hangar das Ligas de José Rufino, A cabeça bandeirante
de Flávio Cerqueira, A árvore de Hugo França, o Átrium de Marcelo Silveira,
Data Vênia e Casa imaginária de Ricardo Pessoa de Queiroz, o Jardim Botânico, a
Escola de Música, as três lagoas, a torre da Rádio Catimbó e o Festival Gastrô que virá. Ali eu sei o que já foi dor
hoje paragem arejada para saltar aos olhos e entender que a vida é outra.
Ainda bem que não sou nada, era mais eu que nunca...
Até mais ver.
[...] A educação, como um valor social, extrapola
os interesses circunstanciais de grupos isolados e passa a ser uma preocupação
da sociedade global. Por que a decadência do ensino? Por que a perda do status
do professor? Por que, aos poucos, a educação deixou de ser prioridade
nacional, apesar do discurso político? Há toda uma rede de fatores confluentes
e que se interpenetram gerando uma rede de causas, fatos e efeitos...
[...].
Trecho
extraído da obra Avaliação educacional:
teoria, planejamento e modelos (Ibrasa, 2000), do educador, professor e pesquisador
Heraldo Marelim Vianna (1927- 2013).
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