TRÍPTICO DQP – Uma, renascente a cada dia – Ao som Klavierkonzert in G-Dur zum, de Maurice Ravel,
com a pianista russa Anna Vinnitskaya em Abschluss der Asien-Tournee des NDR Elbphilharmonie
Orchesters. Es dirigiert der designierte Chefdirigent Alan Gilbert. - O dia amanheceu e é maravilhoso viver!
Não sou mais o mesmo, outro sorriso, outras caminhadas: um malabarista na corda
bamba e no jazz. Sei que é outro dia, nova data, mas se me parece ontem ou
anteontem. E o sorriso da Inês Pedrosa
reafirmava que estávamos no século XXI: ...espero
que seja o século do desaparecimento do gênero, ou seja, o século da invenção
da paridade entre homens e mulheres. Quase que esqueci com o seu sorriso
que tem gente que vive noutros séculos passados, enquanto eu retornava à estaca
zero, recomeçava sempre, todos os dias. E Dany Laferrière me dizia: Nenhum retorno é
temporário... Como a gente não sabe a data de nossa morte, não temos como saber
o que é de fato temporário.... população viva em uma diáspora. Sigo adiante, teimosia minha e a vida
como êxodo: de cara pro caos, viver em areias movediças. Renascente a toda
hora, em todos os momentos, a cada dia todos os dias.
Duas, escapando do genocídio – A notícia era o zunzum de cochichos:
cheio dos quequeos, meteu-se em bravata, vingou-se esfaqueando a amásia e, num
acesso de raiva extrema, enfiou o dedo no cu, assoprou forte e entrou em
combustão! Como é que é? Isso mesmo. Nem deu tempo dos milicos pegar o tal corcunda
glutão, prendê-lo e atirá-lo num camburão. Restou um tolotinho de nada dele. Ela
estava só pele e osso, botou os bofes pela boca, sugada pelo astuto. Morreu?
Evidentemente. E o réu? O cara era tão pirangueiro, que nem deu para
transportar sua desgraça pro calvário. Dizia não ter tempo nem para respirar,
quanto mais pruma diversão, só atos repulsivos. Que história é essa? Foi, já
deu. É peta! Estão falando. Mas, ô Doro,
como é que você está escapando da pandemia? Oxe, eu tomo os cachetes da
cloroquina e daquele outro pra lombriga, dia sim, dia não. Mas não protege
nada! Ah, tem vacina por acaso? Está faltando. Pois tá, o Coisonaro falou, tá dito, ele é o mito! Das costas ocas? Nada, você
já viu ele tossir, tá cheio de gogo nos broncos lá dele, meu! Vixe! É cada uma
que dá dez! Dou onze, só não dou mais porque a madama me botou de casa pra
fora! Por qual motivo? Ela mandou eu lavar os penicos do cagador no banheiro,
não fui. Oxe! E aí? Já viu homem limpar merda? Já. Onde, só se for esgotando
fossa. Não, ajudar nos serviços domésticos não tira a homência de ninguém!
A-rá, isso é papo de oposição, comunista da porra! Vôte! Fazia coro ao Belfagor do Maquiavel, só sendo misógino! Mais falava como se saísse daquele
clube secreto de A gula do beija-flor
(Bertrand Brasil, 2006), do escritor boliviano Juan Claudio Lechin: ...historicamente
apenas a presença da mulher fez o homem gaguejar, desviar o olhar e
estremecer... É verdade, meu! Nada. Concordo com aquela de que violá-las dou
o caminho da liberdade... Só se for o caminho da casa da peste, seu folgado! Eu
mesmo me aproveito delas: Um doente
sempre comove as mulheres. Cada uma delas tem uma enfermeira do por dentro.
Para ele, isso é amar as mulheres, fodendo beldades na solidão da punheta! E
você acha isso justo? Ah, meu, qual é a sua, de qual lado você está? E saiu
mais puto que antes.
Três, o Recife: “...entre
as palmas dos coqueiros, meu amor, eu me lembro”... (ao som de Coqueiros, Geraldo Azevedo).
– É noite no Recife, mesmo de dia – como na pintura de Dani Acioli: De pecado o céu tá cheio! E aqui em baixo está tudo
muito pior. Antes, havia o cheiro de sargaço e o que beirava os olhos dela era
festa na pracinha do Diário. Hoje não mais, as trevas da barbárie. Não sei quando
parti descalço, nem como foi que cheguei pela Imbiribeira e foi por ela que saí
pro sul, choro da chuva solfejando a canção enquanto sangrava pelos quatro
cantos. Sonhava cabelos soltos à espera de um disco-voador qualquer, outras
paragens para quem restou qualquer sorte, expiando todas as culpas e penas
infligidas. Sempre pus tudo a perder e quase nem havia tempo de piscar o olho,
iminente encruzilhada, cada esquina ocupada sem ter nem como escapar. Era outro
tempo e agora a polícia militar ainda solta cães, jatos de pimenta e tiros de
borracha como se quisesse tapar a boca da multidão, abafar os gritos, esconder
o genocídio. Alguém disse e é mesmo: sujeitos dessa têmpora padecem de
problemas diversos, repressão, obscurantismo, estupidez. Não há como conter, o mundo
era... o Recife.