

OUTROS DITOS
Ser poeta é um dos empregos
mais insalubres: não há horários regulares e muitas tentações!...
Pensamento da
poeta estadunidense Elizabeth Bishop (1911-1979). Veja mais aqui, aqui,
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PODERES DO HORROR, DE JULIA
KRISTEVA
[...] Junto com a tontura que turva a vista, a náusea me
faz hesitar diante daquele creme de leite, me separa da mãe e do pai que o
oferecem. "Eu" não quero nada daquele elemento, sinal do seu desejo; "Eu"
não quero ouvir, "Eu" não o assimilo. "Eu" o expulso. Mas
como a comida não é um "outro" para "mim", que sou apenas
no desejo deles, eu me expulso, eu me cuspo, eu me abjeto com o mesmo movimento
pelo qual "eu" pretendo me estabelecer. Esse detalhe, talvez
insignificante, mas que eles descobrem, enfatizam, avaliam, essa ninharia me
vira do avesso, as entranhas se espalhando; é assim que eles veem o
"eu" em processo de se tornar um outro às custas da minha própria
morte. Durante esse curso eu sou que "eu" me torno, eu dou à luz a
mim mesmo em meio à violência dos soluços, do vômito. Protesto mudo do sintoma,
estilhaçando a violência de uma convulsão que, certamente, se inscreve num
sistema simbólico, mas no qual, sem querer nem poder integrar-se para lhe
responder, abjeta. Abjeta.
[...] O fóbico não tem outro objeto senão o abjeto. Mas
essa palavra, "medo" — uma névoa fluida, uma viscosidade elusiva —,
mal surge, se esvai como uma miragem e permeia todas as palavras da língua com
a inexistência, com um brilho alucinatório e fantasmagórico. Assim, o medo
tendo sido colocado entre parênteses, o discurso só parecerá sustentável se
confrontar incessantemente essa alteridade, um fardo ao mesmo tempo repulsivo e
repelido, um poço profundo de memória inacessível e íntimo: o abjeto. [...] A abjeção está acima de toda
ambiguidade. Porque, ao mesmo tempo em que libera um domínio, não isola
radicalmente o sujeito daquilo que o ameaça — pelo contrário, a abjeção o
reconhece em perigo perpétuo. [...]
Quando o céu estrelado, uma
vista de mar aberto ou um vitral que lança raios púrpura me fascinam, há um
conjunto de significados, de cores, de palavras, de carícias; há toques leves,
aromas, suspiros, cadências que surgem, me envolvem, me transportam e me
arrastam para além das coisas que vejo, ouço ou penso. O objeto
"sublime" se dissolve nos êxtases de uma memória sem fundo. É uma tal
memória que, de ponto de parada em ponto de parada, de lembrança em lembrança,
de amor em amor, transfere esse objeto para o ponto refulgente do
deslumbramento em que me perco para ser. [...] O limpo e apropriado (no sentido de
incorporado e incorporável) torna-se imundo, o desejado transforma-se em
banido, o fascínio em vergonha. Então, o tempo esquecido surge de repente e
condensa num relâmpago, uma operação que, se pensada, envolveria a aproximação
dos dois termos opostos, mas que, por conta desse relâmpago, é descarregada
como um trovão. O tempo da abjeção é duplo: um tempo de esquecimento e trovão,
de infinito velado e o momento em que a revelação irrompe. [...].
Trechos extraídos da obra Powers of
Horror: An Essay on Abjection - European Perspectives: a Series in Social
Thought & Cultural Ctiticism (Columbia
University Press,1982), da escritora, professora e
psicanalista búlgara Julia Kristeva. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui,
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A RIQUEZA DE POUCOS BENEFICIA
TODOS NÓS?
[...] o
aumento da “riqueza total” caminha com um aprofundamento da desigualdade social
[...] compromisso, aceitação de riscos, presteza para o autossacrifício;
representa escolher um caminho incerto e não mapeado, árduo e acidentado, à
espera de -e determinado a -partilhar a vida do outro. O amor pode ou não
caminhar com a felicidade serena, mas quase nunca caminha com o conforto e a
conveniência; ele jamais espera isso com confiança e menos ainda com certeza.
[...] pode nosso desejo de desfrutar os
prazeres da convivialidade, por mais “natural”, “endêmico” e “espontâneo” que
ele seja, ser buscado dentro do tipo de sociedade hoje predominante,
contornando-se a mediação do mercado e sem cair, consequentemente, na armadilha
do utilitarismo? [...] Pessoas que são ricas estão
ficando mais ricas apenas porque já são ricas. Pessoas que são pobres estão
ficando mais pobres apenas porque já são pobres. Hoje a desigualdade continua a
aprofundar-se pela ação de sua própria lógica e de seu momento. Ela não carece
de nenhum auxílio ou estímulo a partir de fora – nenhum incentivo, pressão ou
choque. A desigualdade social parece agora estar mais perto do que nunca de se
transformar no primeiro moto-perpétuo da história – o qual seres humanos,
depois de inumeráveis tentativas fracassadas, afinal conseguiram inventar e pôr
em movimento [...].
Trechos extraídos da obra A riqueza de poucos
beneficia todos nós? (Zahar, 2015), do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt
Bauman (1925-2017), no qual analisa as premissas que sustentam a convicção
de que a riqueza de poucos beneficia todos nós, desvendando as falácias que se
ocultam por trás dela, mostrando o individualismo do mundo de consumo é a
ideologia que justifica o enriquecimento sem freios dos já muito ricos,
apresentando como estratégia de vida o modelo das celebridades. Veja mais aqui,
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