NÃO SEI COMO, MAS A GENTE VAI! – UMA: AB JOVE
PRINCIPIUM – Aí o dedo mindinho do pé esquerdo
falou pro do pé direito: Tamofu!
Rapaz, que é que é isso? Abyssus abyssum
invocat! Lascou, deixa de pantim, desenrola a língua, vai! Osmose de golpes
dentro da cilada do espichado embuste dos ardis que quem souber morre inturido
- coisa deles encasacados da gente só boiando sem ter em que se agarrar! Assim
não dá. Esclarece Livia Garcia-Roza:
A
cada encontro, um desencontro; e continuamos a nos lançar na falta que nos
rodeia. Ora, esse papo está tão qualquer coisa que parece mais Mário de Sá-Carneiro: Eu não sou eu nem sou outro, sou qualquer
coisa de intermédio. Perdi-me dentro de mim, porque eu era labirinto.
Tamofu! Dá para ser mais claro aí, ó meu? Morri tantas vezes, bandido de
faroeste: mocinho chega, nem se dá ao trabalho de armar pontaria, atira de olho
fechado e a bala me pega no toitiço, eu na lona, assim desde sempre. Ah, tenho
mais que fazer do que ficar remoendo filosofias, carburando ideias, sai-te! O
galo cego sempre morre de cauda vazada! Birutou, só sendo! Até, até. DUAS: DOIS BIRITADOS NA QUARENTENA – Já
louvei o santo, ligaí. Duzentos. Quanto tá? Quatrocentos? Peraí, ou um ou
outro, ora! Oitocentos. Que conta é essa, meu? Tá subindo. Olha direito. Dez
mil e... Quanto? Cinquenta mil. Danou-se! Quanto mesmo é que está, hem? Ora,
vamos tomar logo essa senão, pelo jeito, pega a gente também. Nada, isso é lá
pelas capitais, pelo mundo, aqui tenho o corpo fechado. Meu irmão disse que
evangélico não pega! Sei não. Num era só sexagenários? Teve fraqueza, pega até
no peido, isso menino, mulher, gente, bicho que for! Eita, assim não dá! Parece
que o negócio é sério mesmo. será? Vamos dormir, já estou para lá de cheio dos
quequeos! Não arregue! Estou todo estropiado, trocando as pernas. Segura a
onda, meu! Já dizia Torquato Tasso: O sono é o doce consolador dos homens.
Dá-lhes repouso e o esquecimento de seus pesares. Qual é, meu? Vamos lá, é
melhor, assim se chegar perto nem vai dá pra sentir. Estou fora! É dormindo é
melhor que acordado, sofre menos. Vambora. Acorda! Que foi? O Coiso tá fazendo
pronunciamento. Que nada... vamos dormir que é melhor. Vôte! TRÊS: A
OBSCENIDADE DO COISO NA CAVERNA DE PLATÃO
– Obscenidade, de novo? Sim, a
patetada do Planalto toda reunida e engalanada (!?!): lá vem bomba! Nada, só
piadas de mau gosto. Vai lá. Ora, parece mais aquela do Nelson Rodrigues: Nunca o
brasileiro foi tão obsceno. Vivemos numa fase ginecológica. Como assim?
Explico com Herbert Marcuse: Obscena não é a foto de uma mulher nua com
seus pelos púbicos à mostra, mas a de um general fardado exibindo suas medalhas
ganhas numa guerra agressora. Vixe! A casa está caindo. Nada, o que ele tá
falando? Em cadeia nacional, dor de corno pela traição mútua deles mesmos,
umbigo de desgoverno, empáfia do poder de imbróglios, suntuosidade sobre as
ruínas da democracia. Em memória aos mortos desassistidos e os que se encontram
internados e outros que esperam internação agonizando noitedia, sou poeta pela
primeira vez na vida: Somos todos nós! Vou ali buscar um tantinho de paciência
que a minha já foi pro beleleu! Beijabrações & até amanhã. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: A homofobia é como racismo,
anti-semitismo e outras formas de fanatismo, na medida em que busca desumanizar
um grande grupo de pessoas, negar sua humanidade, sua dignidade e
personalidade. Isso prepara o terreno para mais repressão e violência que se
espalham com muita facilidade para vitimar o próximo grupo minoritário. Acredito
que todos que acreditam em liberdade, tolerância e direitos humanos têm a
responsabilidade de se opor ao fanatismo e ao preconceito. Pensamento da escritora
e ativista Coretta King (1927-2006),
que atuou na defesa das mulheres e dos negros em todo mundo, viuva do ativista
Martin Luther King Júnior. Ela fundou o Centro King, em 1968, para promover a
igualdade racial, desempenhando proeminente papel após o assassinato do seu
marido, tornando-se ativa no Movimento das Mulheres e nos direitos LGBT.
OUTROS DITOS
Ser poeta é um dos empregos
mais insalubres: não há horários regulares e muitas tentações!...
Pensamento da
poeta estadunidense Elizabeth Bishop (1911-1979). Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
PODERES DO HORROR, DE JULIA
KRISTEVA
[...] Junto com a tontura que turva a vista, a náusea me
faz hesitar diante daquele creme de leite, me separa da mãe e do pai que o
oferecem. "Eu" não quero nada daquele elemento, sinal do seu desejo; "Eu"
não quero ouvir, "Eu" não o assimilo. "Eu" o expulso. Mas
como a comida não é um "outro" para "mim", que sou apenas
no desejo deles, eu me expulso, eu me cuspo, eu me abjeto com o mesmo movimento
pelo qual "eu" pretendo me estabelecer. Esse detalhe, talvez
insignificante, mas que eles descobrem, enfatizam, avaliam, essa ninharia me
vira do avesso, as entranhas se espalhando; é assim que eles veem o
"eu" em processo de se tornar um outro às custas da minha própria
morte. Durante esse curso eu sou que "eu" me torno, eu dou à luz a
mim mesmo em meio à violência dos soluços, do vômito. Protesto mudo do sintoma,
estilhaçando a violência de uma convulsão que, certamente, se inscreve num
sistema simbólico, mas no qual, sem querer nem poder integrar-se para lhe
responder, abjeta. Abjeta.
[...] O fóbico não tem outro objeto senão o abjeto. Mas
essa palavra, "medo" — uma névoa fluida, uma viscosidade elusiva —,
mal surge, se esvai como uma miragem e permeia todas as palavras da língua com
a inexistência, com um brilho alucinatório e fantasmagórico. Assim, o medo
tendo sido colocado entre parênteses, o discurso só parecerá sustentável se
confrontar incessantemente essa alteridade, um fardo ao mesmo tempo repulsivo e
repelido, um poço profundo de memória inacessível e íntimo: o abjeto. [...] A abjeção está acima de toda
ambiguidade. Porque, ao mesmo tempo em que libera um domínio, não isola
radicalmente o sujeito daquilo que o ameaça — pelo contrário, a abjeção o
reconhece em perigo perpétuo. [...]
Quando o céu estrelado, uma
vista de mar aberto ou um vitral que lança raios púrpura me fascinam, há um
conjunto de significados, de cores, de palavras, de carícias; há toques leves,
aromas, suspiros, cadências que surgem, me envolvem, me transportam e me
arrastam para além das coisas que vejo, ouço ou penso. O objeto
"sublime" se dissolve nos êxtases de uma memória sem fundo. É uma tal
memória que, de ponto de parada em ponto de parada, de lembrança em lembrança,
de amor em amor, transfere esse objeto para o ponto refulgente do
deslumbramento em que me perco para ser. [...] O limpo e apropriado (no sentido de
incorporado e incorporável) torna-se imundo, o desejado transforma-se em
banido, o fascínio em vergonha. Então, o tempo esquecido surge de repente e
condensa num relâmpago, uma operação que, se pensada, envolveria a aproximação
dos dois termos opostos, mas que, por conta desse relâmpago, é descarregada
como um trovão. O tempo da abjeção é duplo: um tempo de esquecimento e trovão,
de infinito velado e o momento em que a revelação irrompe. [...].
Trechos extraídos da obra Powers of
Horror: An Essay on Abjection - European Perspectives: a Series in Social
Thought & Cultural Ctiticism (Columbia
University Press,1982), da escritora, professora e
psicanalista búlgara Julia Kristeva. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui & aqui.
A RIQUEZA DE POUCOS BENEFICIA
TODOS NÓS?
[...] o
aumento da “riqueza total” caminha com um aprofundamento da desigualdade social
[...] compromisso, aceitação de riscos, presteza para o autossacrifício;
representa escolher um caminho incerto e não mapeado, árduo e acidentado, à
espera de -e determinado a -partilhar a vida do outro. O amor pode ou não
caminhar com a felicidade serena, mas quase nunca caminha com o conforto e a
conveniência; ele jamais espera isso com confiança e menos ainda com certeza.
[...] pode nosso desejo de desfrutar os
prazeres da convivialidade, por mais “natural”, “endêmico” e “espontâneo” que
ele seja, ser buscado dentro do tipo de sociedade hoje predominante,
contornando-se a mediação do mercado e sem cair, consequentemente, na armadilha
do utilitarismo? [...] Pessoas que são ricas estão
ficando mais ricas apenas porque já são ricas. Pessoas que são pobres estão
ficando mais pobres apenas porque já são pobres. Hoje a desigualdade continua a
aprofundar-se pela ação de sua própria lógica e de seu momento. Ela não carece
de nenhum auxílio ou estímulo a partir de fora – nenhum incentivo, pressão ou
choque. A desigualdade social parece agora estar mais perto do que nunca de se
transformar no primeiro moto-perpétuo da história – o qual seres humanos,
depois de inumeráveis tentativas fracassadas, afinal conseguiram inventar e pôr
em movimento [...].
Trechos extraídos da obra A riqueza de poucos
beneficia todos nós? (Zahar, 2015), do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt
Bauman (1925-2017), no qual analisa as premissas que sustentam a convicção
de que a riqueza de poucos beneficia todos nós, desvendando as falácias que se
ocultam por trás dela, mostrando o individualismo do mundo de consumo é a
ideologia que justifica o enriquecimento sem freios dos já muito ricos,
apresentando como estratégia de vida o modelo das celebridades. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui & aqui.





