UM BRINDE, VALMESSA - Brindemos a primeira taça por sede e honra da
imperatriz, aquela poderosa a quem tudo queria e em todos mandava. Salve,
Valmessa, dona da noite e do dia. Que a temessem ou respeitassem, só a mim ela viveria.
Quantos não a queriam deposta, subjugada, revoltados insones. Brindemos a
segunda taça pela alegria da feliz dama que pela nobreza de estirpe, saiu do
pedestal para diversão dos seus mortais súditos. Salve a senhora majestade, digna
dos mais respeitosos cerimoniais e sacramentos. Que a exaltassem ou desejassem,
só para mim ela se despia. Quantos não a queriam ultrajada, vencida e
andrajosa. Tanto queriam, só a mim ela serviu. Brindemos a terceira taça pelo
prazer da meretriz que é uma dríade enamorada e obscena, com sua extrema
beleza, seios fartos, mãos feiticeiras, belas formas, ninguém jamais seria
insensível aos seus encantos, a luxúria desenfreada de nascença. Salve a rainha
destronada, a deusa dessacralizada, a mulher honrada que se fez puta e mais devassada.
Que a maldissessem ou apenassem, só a mim ela se entregava. Brindemos a quarta
taça pela felatriz de loucura escandalosa, dias doces de carnavalizante orgia,
o ritmo louco das Mênades no rito de Baco e a lascívia de costumes. Éramos nós,
eu e ela, e só. Salve aquela que me engoliu na noite sem fim e desmaiou na
tarde com o meu gozo e que se comprazia em me abocanhar em todas as horas dos
dias e meses a mais de ano e a vida toda. Que a condenassem ou sacrificassem,
só a mim ela nua me levava. Quantos entraram na alcova e dela saíram mortos e
ela radiante. Brindemos mais por Valmessa, a Valéria, Messalina, aquela a quem acusavam
de muitos subjugar, quantos foram substituídos, desacreditados, quantos foram
traídos, executados, todos os cadáveres que zanzavam atraídos por sua
imponência e exuberância. Se amou, ela os consumiu e domou, preteriu e dispensou
na primeira curva, todos odiavam, só eu a amei de verdade. E veneraram, apesar
de a tratarem por pérfida, imaculada, preferida, mal afamada, louca devassa, e
ela com todas as manobras de quem faz a guerra, deserta para se aventurar
depravada na penumbra, impudica na noite para que os fluxos astrais trouxessem destino
sorridente no jogo dos sentimentos e na vacuidade dos sonhos. De tanto amar, dissimulou
e morreu. Apesar de tudo, ela foi o meu amor, o único amor, e tiramos todos os
proveitos das duas mil e uma noites de nossos safaris eróticos, festa no nosso
salão nupcial, e ríamos pelo que víamos e ouvíamos dos anais de Tácito e
Suetônio, gargalhávamos com as narrativas patafísicas de Jarry, as cenas
fílmicas de Guazzoni, Cottafavi e Gallone; e a sua morte consternada nas cenas
dramáticas de Averkiev ou Cossa, com os acordes musicais de Pallavicino. Nus e
embriagados, brindamos todos os goles, dançamos mais que a música dos orgasmos.
Quase perdíamos a respiração, nos achamos entre um fôlego e outro, e nos perdemos
sem saber como. A morte teve sua hora. Ela se foi na poeira da madrugada, ninguém
jamais a amou. Só a mim esta graça e sina. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS: [...] Um
dia, descobriu que o governo, diante da falta de quadros para cargos de
importância intermediária, pretendia promover alguns pequenos funcionários como
ele. A notícia iria se tornar pública dali a uma semana, mas uma das qualidades
de Po Kyin era sempre conseguir as informações uma semana antes de todo mundo.
Ele viu ali sua oportunidade, e denunciou todos os seus cúmplices antes que
eles pudessem se precaver. A maioria foi mandada para a prisão, e Po Kyin
acabou nomeado supervisor assistente municipal como recompensa por sua
honestidade. Desde então, nunca mais deixou de subir. Agora, aos cinquenta e
seis anos, era magistrado subdivisional, e tudo indicava que seria promovido
ainda mais e nomeado comissário assistente, tendo ingleses como seus iguais e
até mesmo sob suas ordens. Como magistrado, seus métodos eram simples. Mesmo
pela maior dos subornos, ele jamais vendia a decisão de um caso, pois sabia que
um magistrado que emite julgamentos errados acaba sendo descoberto mais cedo ou
mais tarde. Seu modo de agir, muito mais seguro, era aceitar suborno dos dois lados
e, depois, resolver o caso estritamente de acordo com a lei. O que ainda lhe
valia uma muito proveitosa reputação de imparcialidade. Além da renda que
auferia junto aos litigantes, U Po Kyin extorquia um tributo permanente, uma
espécie de taxação particular, de todas as aldeias submetidas à sua jurisdição.
Se alguma aldeia deixava de pagar seus tributos, U Po Kyin adotava medidas
punitivas - bandos de dacoits atacavam a aldeia, os moradores mais
importantes eram presos com base em falsas acusações, e assim por diante -, e
não demorava muito a soma devida acabava sendo paga. Ele também recebia uma
parte de todos os roubos de maior porte que ocorriam no distrito. Quase todo
mundo, claro, sabia disso, menos os superiores de U Po Kyin (nenhuma autoridade
britânica jamais acreditaria numa acusação feita contra seus próprios homens),
só que todas as tentativas de denunciá-lo sempre fracassavam; os homens que o
apoiavam e cuja lealdade era alimentada por uma parte do butim eram numerosos
demais. Toda vez que alguma acusação era feita contra ele, U Po Kyin se
limitava a desacreditá-la lançando mão de uma série de testemunhas subornadas,
disparando em seguida contra acusações que o deixavam numa posição mais forte
do que nunca. Era praticamente invulnerável, tal sua eficiência em julgar o
caráter alheio e assim jamais escolher um intermediário errado, e também porque
se entregava à intriga com tanta concentração que jamais cometia um erro por
descuido ou ignorância. Podia-se dizer, quase com certeza, que ele nunca seria
apanhado, que seguiria em frente, de sucesso em sucesso, e que por fim haveria
de morrer coberto de honrarias, com uma fortuna de vários lakhs de rupias. E
mesmo no além-túmulo seu triunfo haveria de continuar. De acordo com a crença
budista, os que praticam o mal na vida passam à encarnação seguinte na forma de
um rato, um sapo ou algum outro animal inferior. U Po Kyin era um bom budista e
estava decidido a se prevenir contra esse risco. Havia de dedicar seus últimos
anos a boas causas, graças às quais acumularia mérito suficiente para
sobrepujar o que ocorrera no restante de sua vida. É provável que suas boas
obras tomassem a forma da construção de pagodes. Quatro pagodes, cinco, seis,
sete - os monges lhe diriam quantos - com adornos de pedra esculpida, toldos de
orla dourada e sinetas que tocavam ao vento, cada toque uma prece. E ele
voltaria à terra em forma humana e masculina - pois a mulher tinha mais ou
menos a mesma importância hierárquica de um rato ou um sapo - ou, na pior das
hipóteses, na forma de algum animal digno, como um elefante. Todos esses
pensamentos corriam rapidamente pelo espírito de U Po Kyin, e quase sempre em
imagens. Seu cérebro, embora astucioso, era bastante bárbaro, e só funcionava
para determinadas finalidades; a mera meditação estava além de seus hábitos.
[...]. Trecho extraído da obra Dias na
Birmânia (Companhia das Letras, 2008), do escritor e jornalista britânico George
Orwell (Eric Arthur Blair – 1903-1950). Veja mais aqui & aqui.
MESSALINA – Imagem do escultor francês Eugène Cyrille Brunet (1828-1921) – Valéria
Messalina (17-48dC), foi uma imperatriz-consorte romana, poderosa e
influente. A sua família possuía casamentos entre parentes próximos e, segundo Tácito
e Suetônio, ela possuía uma reputação de promíscua e predadora sexual
insaciável, conspirando contra o marido e executada com a descoberta desse seu
plano. Há o hipotético de que o viés político com suas intrigas e conspirações,
tenha sido a supremacia para sanções e vingança dos envolvidos contra ela, muito
embora haja relatos de Plínio, o Velho, em sua História Natural, de uma
competição sexual em que ela teve 25 parceiros diferentes, o que é reiterado
pelo poeta Juvenal em sua sexta sátira, das noites dela no bordel Loba. Seu
nome ficou na história por séculos de páginas e cenas artísticas. Veja mais aqui.
FEBRE DO
RATO
FEBRE DO RATO – O premiado filme Febre do Rato (2012),
dirigido por Cláudio de Assis, trata
de uma expressão popular no Recife que se refere a perda completa de controle,
contando a história de um poeta anarquista que publica um jornal que tem o
mesmo nome do filme, e ele se interessa por uma jovem que o rejeita. Entre os
destaques que são muitos, especialmente para a atriz, cantora e compositora Nanda Costa. Veja mais aqui.
A ARTE DE GENEZIO GOMES
A arte do escultor e artista plástico Genezio Gomes Barbosa, que possui
licenciatura em Desenho e Artes Plásticas pela Universidade de Pernambuco
(UFPE), Escultura e Modelagem (UFPE), Fundição de Metais pela Escola Técnica
Federal de Pernambuco e História da Arte Barroca, em Minas Gerais. É
especialista em esculturas de resina, concreto armado, gesso, cerâmica, sucata
e pedra-sabão. Participou de inúmeras exposições coletivas e individuais, com
ativa participação como curador e expositor. Veja mais aqui.
A ARTE PERNAMBUCANA
A realidade social da ficção do sociólogo Sebastião
Vila Nova aqui.
A xilogravura de Erik
Lima aqui.
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