segunda-feira, agosto 19, 2024

SUELY ROLNIK, KAMILA SHAMSIE, SOPHIA JAMALI SOUFI, PATRIMÔNIO & TERRITÓRIO CULTURAL

 

 Imagem: Acervo ArtLAM

Ao som do Sharon Mansur Trio - Full Concert @ The Zone (2024) e do EP The Gap - SHASHA (Kame'a - Independent Music Group, 2021), da pianista e produtora israelense Sharon Mansur.

 

O SANGUE DOS VERSOS, QUASE POEMA... – Um poema inventava a manhã no folguedo do dia: sorriso de Sol, coisas e seres. Era a arqueologia da mata de nunca mais fabricando mundos às palavralmas, que transbordavam garganta afora pros embriões do futuro e que seriam logo desfeitos no mormaço da tarde: nuvens nos olhos, o diverso e o complexo, o desejo e o chamado - tudo perdido às forças do presente, como se hoje fosse jamais e o que ficou pra trás o gabiru respirava como quem comia duma jaca inteira. Em que pesem as doidices, os fulustrecos da vida foram levados pelo desejo da fraude e, com todas as suas esquisitices, ainda lastimam o destino no reino do grotesco. Quantos xingamentos no meio das muitas ciladas e pelas algaravias doutros papos de víboras, quanta soberba, afora lunáticos de plantão destilando suas afecções e miasmas, papagaios de pirata da glória alheia que falavam depressa e não diziam nada pelos princípios e fins de quase nenhum meio: não decodificavam o acontecido sucedendo, nem o choro de tantos na sua alegria imoral. Tudo muito complicado, quando não muito chato, tristeza do tempo - só esgotamento de sonhos e realizações congeladas pelas gretas mofadas. Estou sufocado com a fedentina das queimadas e o êxodo por toda parte - os passos fatigados nas folhas caídas lembram dos séculos esquecidos. Desenturmado sigo nômade plasmando devires: só tenho pernas na impossibilidade de abraços, o coração sofre mais que o corpo esforçado de quem não perdeu nem ganhou. No meu exílio deixarei o terror dos abismos e o capim de nenhuma cana esmagada. Nenhuma saudade pesando na cacunda da evasão, nenhuma frívola certeza e sem a felicidade de nenhum ódio. Se paraqui estava eu, faltou uma mínima pitada de sal, aceno que fosse. Entre pingos e grãos, chiados e faíscas vai a vida e o poema que não cometi. Fui, até mais ver.


Annie Proulx: Sabe, uma das tragédias da vida real é que não há música de fundo... Veja mais aqui.

Mónica Ojeda: O lugar do medo é um espaço revolucionário... Veja mais aqui.

Barbara Kruger: Estou vivendo minha vida, não comprando um estilo de vida... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

FLORESCER - seus lábios \ É uma uva que colho todos os dias.\ Rosas azuis ganham vida em suas bochechas a cada beijo\ diga-me\ Como posso escrever sobre sua beleza? \ no volume do vento\ que os ciprestes se perturbam com a fragrância do seu cabelo\ E as estações estão recitando seu nome...

GRITAR - feridas antigas \ Dores de cabeça constantes\ Célula por célula meu corpo grita de dor\ janelas cegas\ As sombras se foram\ As respirações se foram\ as memórias se foram\ nada volta\ Eu teço histórias para segredos em silêncio.

Poemas da escritora e arquiteta iraniana Sophia Jamali Soufi.

 

INCÊNDIO DOMÉSTICO - […] Para as meninas, tornar-se mulheres era inevitável; para os meninos, tornar-se homens era ambição [...] A tristeza era o que você devia aos mortos pelo crime necessário de viver sem eles [...] Tudo o mais você pode viver ao redor, mas não a morte. A morte você tem que viver. [...] Um homem precisava de fogo em suas veias para queimar o mundo, não de gelo para congelar tudo no lugar [...] O que você faria para ajudar as pessoas que você mais ama? Bem, você obviamente não ama ninguém muito se seu amor depende de que eles sempre permaneçam os mesmos. [...] Ela sentia, como acontecia na maioria das manhãs, o profundo prazer da vida cotidiana resumido ao essencial: livros, caminhadas, espaços para pensar e trabalhar. [...]. Trechos extraídos da obra Home Fire (Riverhead, 2017), da escritora paquistanesa Kamila Shamsie. Veja mais aqui e aqui.

 

MICROPOLÍTICA & CAPITALISMO - [...] É preciso fazer um trabalho de descolonização do desejo [...] Para me ler não é necessário contar com uma formação em psicanálise, filosofia ou ciências sociais, mas viver as experiências das quais falo e se autorizar a reconhecer que isso está aí, que quem escreve é alguém que vive a mesma experiência e que tentou colocá-la em palavras. Então, é a partir dessa ressonância que meus textos são lidos. [...] O capitalismo está conseguindo colonizar o conjunto do planeta, é um regime no qual já não conseguimos nos reconhecer em nossa experiência coletiva como sujeitos, que tem a ver com o eu, com a vontade, com a consciência, com a experiência que está estruturada segundo um repertório cultural. Trata-se da experiência do mundo como um conjunto de formas, de códigos, de cenários, de personagens, de uma certa distribuição de acesso a direitos..., aí utilizamos a percepção. Mas, a percepção, a visão, não é virgem. Eu vejo você e lhe associo com uma série de representações em minha memória: fixo-me na cor de sua pele, no cabelo, na roupa que usa, levo em conta sua profissão, relaciono você com a editora que me convidou, com o seu jornal que não é qualquer jornal... Com este conjunto de coisas, posso me localizar diante de você, situar-me. É uma ferramenta muito importante que nos serve para viver socialmente, comunicar. É o que podemos chamar de cognição e é muito necessária, mas há outra experiência que estamos fazendo ao mesmo tempo que esta, uma segunda experiência que para nós – brancos modernos ocidentais, no regime colonial capitalista antropocêntrico, logocêntrico – é menos conhecida. [...] a micropolítica não é a política da experiência fora do sujeito. É a experiência entre uma forma de existência e o que está para nascer, que transforma essa forma de existência quando essa forma de existência está sufocando a vida. A vida tem que encontrar outros corpos onde estar, onde se corporizar. E aí se definem as diferentes micropolíticas. No plano macropolítico, coexistem diferentes macropolíticas: desde as mais revolucionárias às mais reacionárias, ou seja, desde a máxima vontade de igualdade de direitos até a máxima vontade de manter os privilégios e a máxima capacidade para não deixar que se movam. No plano micropolítico é diferente, as micropolíticas vão das mais ativas, as que conseguem estar à altura do que a vida pede, deixando que essa germinação aconteça, até que se confirme o desejo de um corpo, de um modo de existência, onde isso que está procurando paz encontre o seu lugar. Isso transforma a realidade. [...] Podemos dizer que de um lado está politizar o mal-estar, do outro lado, está patologizar o mal-estar. Podemos politizar o mal-estar para o mal, conforme vimos falando. É necessário politizar para o bem. Sabemos que o mal-estar não é sinal de algo ruim no sentido de falta de algo, mas, ao contrário, é um sinal de uma saúde vital que está reconhecendo o mal-estar para que tenhamos a possibilidade de tomar consciência de que é necessário se colocar em luta, porque a vida está gritando que está sendo sufocada. [...]. Trechos da entrevista (El Salto, 2019) concedida pela filósofa, escritora, psicanalista e professora Suely Rolnik, autora de obras tais como: Esferas da Insurreição. Notas para uma vida não cafetinada (N-1 Edições, 2018), Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo (Sulinas/ UFRGS, 2016) e Anthropophagie zombie (Blackjack, 2011). Veja mais aqui.

 

PALMARES CONECTANDO GERAÇÕES COM A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL & TERRITÓRIO CULTURAL


O evento Palmares: conectando gerações através da Educação Patrimonial e do Território Cultural acontecerá de 19 a 23 de agosto, na Biblioteca Fenelon Barreto. No próximo dia 22 de agosto, participarei com a palestra Território Cultural dos Palmares: Identidade & Diversidade, na Biblioteca Fenelon Barreto, nos horários da manhã e tarde. Uma promoção da Biblioteca Fenelon Barreto & Amigos da Biblioteca. Veja mais aqui, aqui e aqui.

  

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