CARTA DE ABRIL -
É abril no Brasil: da invasão peró
aos caetés, dos golpes à dignidade tupiniquin, o outono que extravasa com as
enxurradas fortuitas e pesadelos agarrados no ar parado da noite quente. Sempre
momento velado à espera de abrir o sinal, enquanto embrulhos e insultos se
misturam aos gritos que rangem sob os olhos assombrados da fraqueza desprezível
e diante da falsificação de tudo no mundo; Quanta indignação com os emissários de
remotos horizontes a encherem a opressão das densas nuvens escuras na cabeça do
céu baixo, como se mulheres em trabalho de parto e a complicação mais vexatória
dos vestígios letais. É sempre abril no Brasil, outono das chuvas previsíveis,
pronta invernada. Mas é abril de Patrícia, minha extensão intrépida ao Sol
esplendente da vida: uma flor radiante que nasceu em minha mão. De resto,
sentimento do dever cumprido no descalço coração paisano, mesmo que entre
atropelos e a urgência dos acontecimentos, sempre a abrir caminhos, sempre
retardatário no chão que é eternamente abissal e com pedras falsas, indeciso
das coisas formidáveis e tudo vira pelo avesso. Valho-me da coragem de
confissão, o peito é só cataratas pelos descaminhos: o que fazer na vida entre
sonhos e errâncias. Por certo, não da vez primeira, a penumbra do silêncio a me
extraviar na maior braçada pela rua quieta, a casa silenciosa, a cidade aflita,
não dá pé, passo de qualquer jeito, mil coisas para fazer, a vaga lembrança no
terraço austero, pálida emoção, a memória falha e esqueço se útil ou honesto, se
hesito ou me precipito, todos os pudores sem sentido, todos os temores desvendados.
É abril e começa o círculo para fechar o ciclo, ouroboros: todos os dias pés no
mundo, saio daqui e a vida, o eterno retorno. Aprendi e só sei sorrir e amar. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] o que a vida
tem feito dos homens tomados no seu conjunto, e fora o reduzido exemplo de
algum grupo que mais conseguiu furtar-se a exigências sociais, tem sido
pervertê-los, aguçando-os para a batalha, pondo-lhes a concorrência como uma
virtude e o triunfo sobre os outros como uma marca de especial favor de Deus;
tem ajudado muita gente a prelibar prazeres do céu o ir supondo desde agora que
há contemporâneos seus já votados aos tratos dos diabos [...] o problema que se põe hoje exatamente porque
as técnicas avançaram o bastante para dar maior liberdade de criação ao homem;
o que se põe hoje é o problema da organização de um ensino superior em que o
problema não seja o da disciplina ou o da contenção, ou o do aprendizado
daquilo que já se sabe, mas sobretudo da criação, mas sobretudo da descoberta
daquilo que ainda não se sabe. O esforço de criação do mundo [...] Mas o caminho do perfeito passa pelo
imperfeito; e, no imperfeito, a única perfeição que se pode fazer fluir é a de
que o expediente de que se alçou mão agrade ao maior número possível de homens
e os satisfaça, mesmo que julguemos nós, com ou sem razão, que já poderíamos
estabelecer o melhor quando eles se contentam ainda com o rudimentar e o tosco [...].
Trechos extraídos da obra Textos pedagógicos (Âncora, 2000), do filósofo, poeta e
ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui e aqui.
POLINA, DANSER SA VIE
O drama Polina, danser sa vie (2016), dirigido
pelo coreografo francês Angelin Preljocaj
e pela cineasta francesa Valérie Müller,
é baseado na Polina do artista quadrinista e ilustrador francês Bastien Vivès,
conta a história de uma
bailarina clássica de futuro que está prestes a fazer parte do prestigioso balé
de Bolshoi, fica então fascinada por um espetáculo de dança contemporânea,
resolvendo largar tudo para trabalhar na França com a talentosa coreógrafa
Liria Elsaj. Conta no elenco com as atrizes Anastasia Shevtsova, Veronika Zhovnytska e Juliette
Binoche, entre outros. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
OS MILAGRES DO CONSELHEIRO
[...] Era numa sexta-feira santa, dia das trevas
maiores. A data coincidia com uma santa missa missão, feita e encomendada para
fazer chover, que o tempo era de seca braba e daninha. Mandaram chamar o Conselheiro
para pregar com o consentimento do vigário do arraial. E o conselheiro, depois
de ter subido o monte, estava no alto pregando, no roso da Paixão de Cristo,
que aquele era o seu dia. Chegou no templo e fez uma ungida e contrita
reverencia. Traçou uma cruz na porta com a ponta do seu bastão. Estava
ofegante, que subidas daquelas escadas de pedra e cascalhos, meio quilômetro de
fé e altura, mesmo com as capelinhas com os passos da Paixão para descansar, o
que cansa mesmo qualquer sadio cristão. Era tempo estiado. [...] Só sei dizer que até hoje o povo daquele
lugar não sabe explicar como das paredes da igreja, naquela tarde de oficio das
trevas, começou a escorrer água. E do seu telhado pingavam como se fossem um
chuviscado. Todos gritaram: - Milagre! Milagre! Das paredes da igreja escorria
água como se fosse suor. [...] o Conselheiro
não dava as costas para o altar onde pregava. Era um costume seu sair de
costas, com o olhar posto no crucifixo, e a gente olhando o roxo fundo, sofrido
dos olhos dos dois confundia, bem podendo acreditar ter o Conselheiro a dor da
paixão de Cristo atravessada nos quadris, dependurada nos rins, bem em cima do
seu cordão de frade-capuchinho. Era assim que ele se retirava nos respeitos
devidos de uma igreja visitada [...] E
nessa tarde ao chegar à porta do templo, de novo traçou o sinal-da-cruz com o
seu bastão. E de repente a água parou de minar nas paredes e, lá fora, nos
campos, começou a chover. E o povo beato vendo uma coisa desta logo no homem
acreditou e saiu espalhando que dias de lágrimas e de sangue haviam de vir. E
que perto se estava do fim do mundo, fim de Canudos, que no fogo veio mesmo,
conforme uma das suas grandes profecias. [...] O Bom Jesus Conselheiro anunciando o fim do mundo próximo, prometia aos
caboclos o aparecimento raivoso e braboso da figura do Anti-Cristo, a qual foi
encarnada no corpo franzino do coronel Moreira César, capitão sanguinário, já
acostumado na prática das maldades e dos fuzilamentos, o Corta-Pescoço chamado.
O Conselheiro nas suas práticos, nos seus santos conselhos, avisava: - A
perseguição vem e já anda por aí. Os tempos são chegados. Eu não desafiei, nem
chamei ninguém. O povo veio porque quis. O mundo vai se acabar na maldade, no
acúmulo dos pecados. A religião santificou tudo e não destrói coisa alguma, a
não ser o pecado, que precisa ser extraído do coração dos homens. E há de
aparecer por estas terras, desenfreado na satisfação dos seus apetites de
sangue e esmago, um homenzinho, atanazador de almas, até parecido com Lúcifer
do inferno, tomado por sua maligna vontade. Virá cercado por sete demônios,
montado no seu cavalo, rei da soberba, ruinoso...
Trechos
extraídos da obra O capitão jagunço
(Brasiliense, 1958), de Paulo Dantas.
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