segunda-feira, maio 19, 2025

JAMAICA KINCAID, JEWEL KILCHER, ELIANE BRUM & MARCOS NANINI

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Villa-Lobos Piano Music (8 Vols. Naxos, 1999/2008), da pianista Sonia Rubinsky.

 

Um dia e outro, qual amanhã...Dá licença, faça um favor! Chegue mais perto, sim? Dê-me sua mão nessa rua... E vamos pela manhã: o dia não espera por nós. Vamos pela tarde, a vida é uma lembrança perdida nos olhos. Vamos pela noite: há tempo de sobra para ainda ouvir a canção porque em nossas mãos o mundo é nosso. Vamos. Uns dias às carreiras da correnteza, noutros a chatura do vagar das coisas mansas quase paradas. É a vida e não só isso. A vida não é só isso não. Para onde ir, pra que lado pender, pelo menos um copo d’água gelada, por gentileza. Quem sabe minhas chagas sejam a sua dor e as dores dos outros, doutras mais fundas que há milênios nos fazem doer e chorar. Melhor acender o Fogão e frever no passo, né não? Dias pendurados na memória, dias esquecidos redivivos... Tudo passa. De longe as luzes dos postes são vagalumes em fila parados no ar. Os faróis são relâmpagos nas paredes. Os motores são trovões poluentes sufocando e ouço quem assobiava uma modinha tarde da noite, não sei, porque ouvi pisadas, um disparo, parece: alguém foi desta para melhor. Dias que ficaram dos idos sem fim... Reapareceram os que levam o nariz no umbigo e tudo de novo: quem mandou mexer com quem tá quieto? Se servir de consolo: vá se foder! Vamos vivendo pelos sonhos espiralados com imagens desbotadas de séculos reiterados do genocídio. A rua agora é uma serpente dançante reluzindo nuvens explosivas, meu chão é todo mundo e o mundo todo. De canto a recanto e tudo tem uns dias de chuva, outros de sol. A gente tem de mudar de preferências, de condução, avalie. Fui aprendendo com o tempo a ficar só, a me virar comigo mesmo e do jeito que der. Hoje os meus estão todos no cemitério, os que sobraram estão por aí e quase não sei, passaram os últimos... O que restou das matas, dos canaviais, das queimadas, repinicado dos violeiros, motes e glosas dos repentistas. Hoje é tudo muito brega com suas devoções cegas, com suas orações exaltadas e o que há para comer de enlatados e pré-cozidos, outros sonhos comprados nos supermercados, farofada na praia domingueira, bater perna pelo asfalto abrasado, olhares que seguem os automóveis e as fotos nas redes sociais. Os posudos endinheirados ninguém sabe como enriqueceram de uma hora pra outra, da noite pro dia. São só os queimas de estoques nas promoções do comércio e na zoada dos carros de som, a última moda, está tudo caro e custando os olhos da cara nas prestações intermináveis. E as recepcionistas vistosas para portabilidades infindas de amigo, de bancos, de telefônicas, de afetos e até de cara e cabelo, do que quiser e mudar de casa, de bairro, de condomínio, tudo muda, é só ligar a tevê, esquentar no micro-ondas, matar a barata, besouros infernais, jatos de inseticida, onde a pressa escondida atravessa a ponte, quem sabe, sobe ladeirão, desce pelo calçadão, aproveita o sinal aberto, pé na bunda... Desde criança que falo sozinho, as árvores, os bichos e outros eus com as paredes, coisas, sonhos de olhos abertos, acordados farrapos pelas noites roucas e resistem ao amanhecer, inevitáveis acordes de um redemoinho irisado, dramáticos arrependimentos de auroras nubladas. Estamos todos desorientados, doidos varridos, tontos aloprados. Quantos não lubrificaram seus cumbucos na dor de cotovelo de suas xués paixões, hem? Tá. Urdi invenções de desejos preteridos na palavra arredia, indomável, fugidia da semeadura dos meus pais e escapuli pro esvaziamento dos simulacros. Removi dos olhos as montanhas amedrontadas e desliguei os pavorosos motores para que a vida ecoasse Sol na alma e eu me sentisse livre da fuga humana, a sorrir da fortuna dos meus infortúnios. Só queria caraminholar ao léu como um cabrito solto no berro lá, bezerro mugindo sol, sapo coaxando si, deformado pelo dó, inconformado com o ré, desconforme de mi, a loucura vigente sou, cão desgovernado por sustenidos e bemóis desentoados. Meu coração pulsa aventureiro do escambau no oco do mundo como se fosse o núcleo da Terra prestes a explodir se estendendo por raízes e rizomas nos talos e todos os troncos pelos galhos de todas as folhas e flores, dos frutos que saltam no abissal instante dos ventos nos bicos dos pássaros, o polém que os zangões semeiam do grão de tudo, inutescência de nada. Rabiscado de catataus na barba maluca sou o cafuzo das mamelucas na minha pele de macuco. O que voga: o muro é só pro exercício do pulo com a visita da saúde e a hostilidade correndo frouxa à revelia preu pegar o beco, porque machucava os inutensílios, a música papulá e o que não vale um xis. E futucava caloteiros porque sempre só comigo mesmo, qualquer hesitação podia ser letal. O caduco aos agradinhos engabeladores pela pinoia, xingado, praguejado, tanto um como outro, tudo passa e a arte fica nua. E a poesia um arroz no prato com feijão e quitutes comestíveis feitos pela vó, cada casa é uma sombra de paiol arruinado. E se perdeu a condução, vai na outra, a fila do caixa, os preços subiram de novo, putzgrilla! Nunca mais viu-se o sol da manhã, faz tempo que não se aprecia o fim de tarde, só a moda da atriz, o galã da vez, o último sucesso das paradas, cair nas quebradas, dar um rolê, o que importa é estar empregada, sindicato pra quê, votar mesmo pra quê, tanta coisa pra quê? O padre falou o que o pastor disse, valha-me, Jesus! A urgência do instante, agora ou já! Não há pra depois! E não abrir mão de insinuar: se Deus quiser, dará! Vou de primeira, de segunda, de terceira e o que mais der na cabeça num zunzunzum, no corpo um chamego bom que ninguém de ferro. Preste atenção! Prestenção! Acode, cruz-credo! E como curar as chagas da fé? Um comprimido, cápsula, drágea, tem na farmácia e farmácia tem em tudo quanto é lugar, em todo canto. Estamos mesmo doentes demais, doentes de doer. Tem de cuidar da vista, de ir ao dentista, à manicure, fazer o cabelo, os mesmos, as mesmas semanas, os meses, os mesmos últimos anos, um barulho ensurdecedor e é só dobrar a esquina ou trocar de roupa a saborear tudo datado, não o prato frio, pra uns está sempre quente como se fosse a primeira vez, o impacto da primeira vez. Também tenho tudo e o que não quero, muito inventei. O que vi e o que li está no Tataritaritatá. Salve terra boa, mãe de todo vivente (de coisas que parecem até estarem vivas, de gente que só quer trempe e geme por manha e até por não ter o que fazer, nem preste para tal). Nasci na beira do rio e nele aprendi o que nem se ensinou: pra descer, vento e correnteza; pra subir, tem de nadar. Inventei outras tantas coisas, muito além do céu por limite, subterrâneo da maior fundura. Coisas que vi e amei, doutras nem sei o que é que diga - do raso nunca quis, todos os lados. Do alto pra baixo, do fundo pra cima, viscerais sucatas, cascatas viris e vitais. Tenho de ir embora, não importa o que vivo agora. Só tenho este instante, pouco importa o que passou ou virá. Meu nome é nada e tudo perece a cada momento a morrer. A vida é o meu circo, a poesia o meu pão. Até mais ver.

 

Mary di Michele: O inverno é longo demais para o meu gosto. Prefiro as estações intermediárias, as temperadas. Adoro maio, quando tudo floresce ao mesmo tempo aqui, incluindo os bordos com suas flores verde-ácidas; as florezinhas cobrem as calçadas... Veja mais aqui.

Rebecca Goldstein: Se você não se esforça, ou se seus esforços não valem de muita coisa, então é como se você nem tivesse se dado ao trabalho de aparecer para a sua existência... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Jenny Odell: Estou sugerindo que protejamos nossos espaços e nosso tempo para atividades e pensamentos não instrumentais e não comerciais, para manutenção, para cuidado, para convívio. E estou sugerindo que protejamos ferozmente nossa animalidade humana contra todas as tecnologias que ignoram e desprezam ativamente o corpo, os corpos de outros seres e o corpo da paisagem que habitamos... Veja mais aqui.

 

TRÊS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

EU NÃO ESTOU AQUI - Eu não sou daqui \ Meu cabelo cheira o vento \ e está cheio de constelações, \ E eu me movo sobre este mundo \ com uma descrença saudável. \ E eu me aproximo dos meus dias e do meu trabalho \ Com a consequência vaporosa \ Um toque que é translúcido, \ Mas pode violar a pedra.

PAIXÃO - A paixão é um estranho \ - Uma coisa. \ Uma criatura óssea fina com a alimentação de si mesma. \ É viciado não em seu assunto, mas em sua própria fome vã. \ E precisa apenas de um rosto bonito para alimentar sua imaginação desenfreada. \ É sofá húmido e palmas suas. \ São tapetes carnudos em chamas com conquista. \ Mas quando a conquista é completa, \ O sangue deixa seus membros e fica desencantado. \ Decepcionado até mesmo ao ponto de nojo \ com seu sujeito, que se senta então, como um tronco oco, \ Esvaziado da sua preciosa carga \ e deixado para desaparecer como navios de guerra derrotados. \ Uma semente aliviada de sua casca transparente, \ para se dissolver finalmente em uma língua áspera e impaciente.

AO ENTRAR NA MINHA VAN - Alegria, pura alegria, eu sou \ O que eu sempre quis \ Para crescer e ser \ As coisas estão se tornando \ Mais de um sonho com \ A cada dia de vigília... \ As sobrancelhas pesadas da vida diária \ Estão a ficar incrustados \ com brilho e o dedo agitramador \ A consequência é \ Começando a rir \ Homens velhos mal-humorados \ Tenha as asas \ Queimaduras esportes Halos \ e embotamento do dia-a-dia \ Já começou a respirar \ Como eu me lembro do \ Incrível leveza \ de viver.

Poemas da poeta, cantora, compositora e atriz estadunidense Jewel Kilcher, autora da obras livros A Night Without Armor (1998), Chasing Down The Dawn (2000), Chasing Down The Dawn PV (2001), Angel Standing By (1998), Heart Song (1998), Pieces Of Dream (1999) e Never Broken (2015), entre tantos outros.

 

AUTOBIOGRAFIA - A raça não é muito interessante para mim. O poder é. Quem tem poder e quem não tem. A escravidão me interessa porque é uma violação incrível que não parou. É preciso falar sobre isso. A raça é uma diversão... Eu realmente não entendia o racismo porque cresci em uma sociedade totalmente negra, então eu não vi como era possível não gostar de mim!... Estou tão acostumada a ser mal interpretada... Uma das coisas que a leitura faz, torna sua solidão administrável se você é uma pessoa essencialmente solitária... Pensamento da escritora de Antíqua e Barbuda, Jamaica Kincaid, autora da obra The Autobiography of My Mother (Farrar Straus Giroux, 2013), no qual expressa: […] Não importa o quão feliz eu tenha sido no passado, não sinto saudades. O presente é sempre o momento que eu amo. [...] O passado é uma sala cheia de bagagem e lixo e, às vezes, coisas que são úteis, mas se são realmente úteis, eu as guardei. […]. Já no livro Generations of Women: In Their Own Words (Chronicle Books Llc, 1998), assinalando que: […] O que eu não escrevo é tão importante quanto o que eu escrevo [...]. Ela também é autora das obras The Best American Essays (1995), Lucy (1990), A Small Place (1988), At the Bottom of the River (1983), entre outros.

 

BANZEIRO ÒKÒTÓ - [...] uma das experiências de alegria mais importantes que vivi. Alegria da partilha, alegria por ser liberada de precisar explicar o tempo todo por que não podemos destruir a única casa que temos, alegria por encontrar um lugar no sem lugar do mundo. Alegria por pertencer, eu que vivo despertencida [...] Não aconteceu de repente. Foi acontecendo. Ainda acontece. Nunca mais vai parar de acontecer, acho. A Amazônia não é um lugar para onde vamos carregando nosso corpo, esse somatório de bactérias, células e subjetividades que somos. Não é assim. A Amazônia salta para dentro da gente como num bote de sucuri, estrangula a espinha dorsal do nosso pensamento e nos mistura à medula do planeta. Já não sabemos que eus são aqueles. As pessoas seguem nos chamando por nossos nomes, atendemos, aparentemente estamos com nossas identidades intactas — mas o que somos, já não sabemos. O que nos tornamos não tem nome [...]. Trechos extraídos da obra Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhia das Letras, 2021), da escritora e jornalista Eliane Brum, que no livro Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o Brasil, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago Editoria, 2019), ela expressou: […] Podemos concluir que, no senso comum, a infância não foi inventada para todas as crianças [...] E assim, com os males reais sendo invisibilizados e apagados, tudo continua como está. E aqueles que gritam seguem cimentados na mesma posição na pirâmide social. [...] Mesmo que isso não seja óbvio para todos, é a arte que expande a nossa consciência mais do que qualquer outra experiência, justamente por deslocar o lugar do real. Ao fazer isso, ela amplia a nossa capacidade de enxergar além do óbvio. [...]. No livro Meus Desacontecimentos: A História da Minha Vida Com as Palavras (Arquipélago, 2017), ela expressa que: [...] É este afinal o sentido da literatura da vida real. Ou pelo menos um deles. Tentar amalgamar pela linguagem o que foi separado pela carne. Mas a palavra é desde sempre insuficiente para abarcar a vida e aquele que escreve se condena ao fracasso. [...] Escolhi viver sem fronteiras definidas, nações não me interessam, limites só me importam os da ética. Tenho um coração andarilho, um corpo mutante, uma mente transgênera. [...]. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

A ARTE DE MARCOS NANINI

[...] Sou do Recife, com orgulho e com saudade, como dizia o Frevo nº 3, e gosto muito de pitombas! Essa é minha característica... [...] Teatro é minha vida! Porque logo que me entendi como pessoa, eu quis fazer teatro. Quando tinha teatro na escola, achava aquilo muito interessante! Ali não tinha profissionais da área, mas adorava aquela situação de fazer uma peça. Eu quis muito fazer isso dali por diante e é o que eu tenho feito até hoje. Eu já vivi muitas vidas graças ao teatro [...] O teatro tem um ponto. É uma referência grande para mim, pois ali começou tudo. Os outros eu tive que me adaptar. Porque quando fui fazer televisão, era tudo diferente. Aí fui observar, entender, compreender aquilo tudo. Só então, fiquei mais à vontade. A mesma coisa aconteceu com o cinema, porém gosto dos três. Até porque não gosto quando me falta um deles para fazer [...].

Trechos da entrevista Nanini, com orgulho e com saudade (Viver – Diário de Pernambuco, 2024), concedida ao jornalista Robson Gomes, pelo ator, autor, produtor teatral e dramaturgo Marcos Nanini (Marco Antônio Barroso Nanini), que teve sua biografia O avesso do bordado: Uma biografia de Marco Nanini (Companhia das Letras, 2023), publicada pela premiada jornalista, roteirista e professora universitária Mariana Filgueiras. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

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