O PRESENTE DE MACHADO - Menino peralta
duns oito ou nove anos, por aí, não dava sossego a ninguém tagarelando com meu
amigo invisível e na amizade do maior converseiro com todo bicho e pés de
plantas no quintal, ou da varanda pro jardim, qualquer brecha a ganhar o mundo
e me esgueirando ladeiras acima na fuga pra casa de Pai Lula e Carma, ou,
ainda, invadindo a biblioteca do meu pai para me aboletar sobre as coleções à cata
das imagens de mulher nua, aos flagras, puxões de orelha e findar amarrado nas
pernas de mesa da sala. Aos livros, de vera, era achegado mesmo, gostava. E foi
por isso que no meu aniversário, meu pai chegou carregando uma caixa enorme nos
braços. Ele me chamou e pediu para que eu adivinhasse o presente. Cá comigo,
queria que fosse uma bicicleta e não era, ou um autorama, também não, ou uma
coleção de super-herois, gibis, armas de brinquedo, coisa que valha e,
evidentemente, pra minha contrariedade não era nada disso. Nada. Fomos pro
sofá, mandou-me abrir e vi que era uma tuia de livros. Hum? Folheei um a um e,
desapontado, disse: Mas painho não tem uma... ah, não poderia dizer, era
segredo, senão estragava tudo e minha mãe viria com beliscões e outras
reprimendas. Lição de reincidente, ora. Tive que tapiar na hora e fiz de conta
que havia gostado e comecei a soletrar o nome: Machado de Assis (1839-1908).
Quem é painho? Ah, vai gostar, tem muitas histórias. E tinha mesmo. Primeiro
fui saber quem era, lendo a biografia: nasceu pobre e mesmo sem nunca ter ido à
escola, ele escreveu em quase todos os gêneros literários, desde poesias,
romances, crônicas, peças teatrais, tornando-se, inclusive, jornalista e
crítico literário. Foi testemunha ocular da história, desde o movimento
abolicionista, a passagem da monarquia para o republicanismo, além de todas as
reviravoltas ocorridas entre o final do século XIX e o início do século XX,
fatos que foram registrados em suas obras, ao todo 10 romances, 200 contos, 10
peças teatrais, 5 coletâneas de poemas e mais de 600 crônicas. Tudo isso na
minha coleção de 31 volumes, uma edição da W. M. Jackson Inc, datada de 1938: no
volume 1 – Ressurreição (1872), a história de Félix, Lívia, Raquel e Meneses. No volume 2 – A mão e a luva (1874), contando da
relação de Guiomar com seus três pretendentes, findando a escolha dela por um
deles, o Luis Alves. No volume 3 – Helena (1878), contando o acolhimento da
jovem Helena pela família quando do falecimento do seu pai. No volume 4 – Yayá
Garcia (1878), com a história engenhosa de Jorge e Estela, e ele vai à guerra
do Paraguay, enquanto ela, orientada pela mãe dele, para se casar com outro. No
volume 5 – Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), marcando o início do Realismo e compreendendo a autobiografia
do protagonista que resolve escrever suas memórias depois de morto, a sua
paixão pela prostituta Marcela, a claudicante e pobre Eugenia e a Virgilia
roubada por Lobo Neves (Veja aqui e aqui). No volume 6 – Quincas Borba
(1891), a história do professor Rubião e o filósofo Quincas, a paixão por
Sofia, a mulher do sócio, o Humanitismo, a fortuna e o cachorro: “Aos
vencedores, as batatas!”. No volume 7 – Dom Casmurro (1900), contando a
história de Bentinho, o seminarista órfão, e a sua linda paixão Capitu. No
volume 8 – Esaú e Jacó (1904), a história dos irmãos gêmeos briguentos Pedro e
Paulo. No volume 9 – Memorial de Ayres (1908), a história do conselheiro Ayres
e o amor de Tristão e Fidelia. No volume 10 – Contos fluminenses (vol. 1), com
7 contos, entre eles, Miss Dolar, A mulher de preto, Confissões de viúva moça,
O segredo de Augusta, entre outros. No volume 11 – Contos fluminenses (Vol.2),
com 14 contos publicados no Jornal das Famílias (1864-1878) e na Estação
(1884-1891). No volume 12 – Histórias da meia noite, com 6 narrativas, entre
elas A parasita azul, O relógio de ouro e Ponto de Vista. No volume 13 –
Histórias Românticas, com 8 contos publicados do Jornal das Famílias
(1864-1876). No volume 14 - Papeis Avulsos, com 12 contos, entre eles O
Alienista (1882), a história de Simão Bacamarte, médido que reúne os loucos na
Casa Verde, de Itagaraí; além de O empréstimo e O espelho. No volume 15 – Histórias sem data, com 18 contos, entre
eles A igreja do diabo, Uma senhora e A segunda vida. No volume 16 – Várias
histórias, com 16 narrativas entre elas A cartomante, A desejada das gentes, Adão e Eva, entre outras. No volume 17 –
Páginas recolhidas (1889), com contos e duscursos pronunciados na Academia
Brasileira de Letras. No volume 18 – Relíquias da casa velha (Vol.1) reunindo
21 contos. No volume 19 – Relíquias da casa velha (Vol.2) com 22 contos. No
volume 20 – Chronica I (1859-1863), com crônicas publicadas no Diário do Rio de
Janeiro, O Futuro, Semana Ilustrada, entre outros veículos (Veja aqui). No volume 21 – Chronica II
(1859-1863), com crônicas publicadas no Diário do Rio de Janeiro (1859-1867) e
Ao acaso & Cartas fluminenses. No volume 22 – Chronica III (1859-1888), com
crônicas publicadas na Semana Literária (1871-1873) e Ilustração Brasileira
(1876-1878). No volume 23 – Chronicas IV (1859-1888), com crônicas publicadas
no O Cruceiro (1878) e Gazeta de Notícias (1884-1888). No volume 24 - A semana
(1892-1897), 1º volume de crônicas. No volume 25 – A semana (1892-1897), 2º
volume de crônicas. No volume 25 – A semana (1892-1900), 3º volume de crônicas.
No volume 26 – A semana (1892-1900), 4º volume de crônicas. No volume 27 -
Poesias completas (1870-1900), reunindo os livros Chrysalidas, Phalenas,
Americanas, Ocidentaes e o Almada. No volume 28 – Theatro – reunindo as
comédias Não consultes médico, O
caminho da porta, O protocolo, Quase Ministro, além de folhetins, cartas e a
fantasia dramática Desencantos. No volume 29 – Crítica literária (1858-1906),
reunindo críticas e prefácios. No volume 30 – Crítica literária (1858-1906), 2º
volume reunindo críticas e prefácios. No volume 31 – Correspondência, reunindo
25 cartas, entre elas a Quintino Bocaiuva, José de Alencar e Joaquim Nabuco. Era
história que não acabava mais: 31 volumes. E quanto mais lia, mais gostava –
apesar da grafia que não era do meu tempo de aprendizado, bem diferente e cheia
de phs, ffs e coisas e tais. Confesso hoje que o presente foi melhor que tudo
que desejei à época e que ainda hoje releio alguns volumes – embora dois deles já
estejam bem deteriorados -, cuidando bem da obra desse grande escritor
brasileiro que contribuiu e muito para minha formação. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] um executivo alemão foi mandado à China para
projetar uma grande instalação industrial. Durante algumas semanas, devido ás
exigências de sua profissão, ele se vê obrigado a viver uma experiência amarga.
Não fala chinês, desconhece os costumes locais, ressente-se da falta dos
automóveis, encontra-se na contingência de partilhar um modesto quarto de
hotel com outro viajante qualquer. De retorno a Hong Kong, sua conexão para
voltar à Europa, respira aliviado. A paisagem que o cerca é sua velha
conhecida. Mas por que um alemão se “sente em sua casa” em Hong Kong? O que lhe
é familiar neste lugar longínquo? [...] A
China Popular, para nosso executivo alemão, é um “mundo” distante, inóspito. Em
seu território, tudo lhes é estranho. Em contrapartida, Hong Kong representa
algo próximo, um recanto povoado por coisas de sua vida prosaica (hotéis,
padrão de refeição e de conforto, táxis, etc.). Envolvido por uma miríade de
objetos-mobilias, ele sente-se à vontade neste mundo-mundo. Familiaridade que
se realiza no anonimato de uma civilização que minou as raízes geográficas dos
homens e das coisas. [...].
Trechos
extraídos da obra Mundialização
e cultura (Brasiliense, 1994), do
sociólogo e antropólogo Renato Ortiz,
refletindo sobre a condição de cidadão do mundo diante da mundialização da
cultura e a inevitável reorientação das sociedades atuais. No primeiro
capítulo, trata sobre Cultura e sociedade global, discutindo a distinção entre
mundialização, internacionalização e globalização, cultura e sociedade
mundializada; o segundo capítulo trata do advento de uma civilização, efetuando
uma abordagem do séc. XV até a atualidade, tratando sobre a sobremodernidade e
alta modernidade de Giddens; no terceiro capítulo trata sobre a cultura e
modernidade-mundo, procurando o entendimento sobre o contato entre as
civilizações, trabalhando conceitos de mapa cultural; no quarto capítulo,
aborda sobre cultura internacional-popular, a desterritorialização e os não-lugares;
o quinto capítulos aborda sobre os artífices mundiais de cultura, em que as pessoas
são praticamente forçadas a perder toda a relação com as antigas culturas da
nação, diferentemente dos seus antecessores pré-globais (as ditas antigas
multinacionais), estabelecendo a cultura-mundo; no sexto, a legitimidade e
estilos de vida são o foco da sociologia; no sétimo, a digressão final,
elucidando os conceitos de tradição, o fim do Estado, entre outros assuntos.
MUCUNÃ
O documentário Mucunã
(2019), direção e roteiro de Carol
Correia, trata sobre a história das mulheres do Sítio Rodrigues,
vilarejo situado próximo a cidade de Belo Jardim, agreste pernambucano, povoado
em que todos descendem de uma índia, que ainda criança, foi capturada nas
margens do Rio Ipojuca, levada para casa, “amançada” e obrigada a casar com seu
algoz. Da indiazinha, as mulheres herdaram o exímio traquejo com o barro e
através da sua arte subverteram a lógica devastadora do patriarcado se tornando
provedoras do lar e revolucionando uma realidade de violência e miséria
extrema. O filme foi vencedor do Prêmio
Naíde Teodósio de Estudos de Gênero – Ano IX, na categoria Roteiro, promovido
pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, em 2016. Veja mais aqui.
A ESCULTURA DE NICOLINA VAZ DE ASSIS
A arte
da escultora Nicolina Vaz de Assis
(1874-1941). Veja mais aqui.
&
A OBRA DE ERNESTO SÁBATO
A história não é mecânica, porque os homens
são livres para a transformar.
A obra do
escritor e artista plástico argentino Ernesto Sábato (1911-2011) aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.