É CADA UMA QUE DÁ DEZ – Imagem: arte do
arquiteto, pintor, teatrólogo e escritor Flávio
de Carvalho (1899-1973). - Toda madrugada na janela eu converso com ela,
a estrela libertária que me guia e ouve, falo pelos cotovelos todos os meus ais
e paradoxos. Foi ela quem me ensinou a rir da minha loucura e admirar a dos
outros, escondida – cada um esconde como pode; eu escancaro das tripas,
coração. Daqui dá pra vê-la a me mostrar o pêndulo das pessoas no agito das
vitrines e vidraças, rolês e danças, rodoviárias e aeroportos; ah, sou levado
pros invisíveis nos antros dos guetos, abrigos, hospitais, presídios, quanta
devastação e o meu coração dói. Vivemos, quer queira quer não, pelo apreço e
sofrimento do que tenha ou não, do querem às mãos, braços dados e o que possa a
imaginação dos quereres, quanta calamidade nos sentimentos arrebatados. Ninguém
é poupado, vassalos da poção do amor na inquietude da paixão e o álibi luzente,
as armadilhas dos amantes ancestrais e a vida é a vida, nada e nada mais. Do inopinado
sempre o desaviso: o alerta dos sentidos no flerte e o prelúdio, tudo se
mistura entre a mira e o alvo, prevalece o frêmito carnal, a chama eletrizante que
pulsa na pele e veias, carecimentos e dissipações, clamores e entregas. Nesse torvelinho
a razão é o estorvo, seja lá o que Deus quiser, príncipes encantados e donzelas
imaculadas que sempre estiveram à espera do amor, o verdadeiro; e o sorvedouro
idílico vai na valsa onírica de rosas e nuvens, nada pras ameaças que assomam
tácitas entre passos e piruetas. No desfecho, quase impossível sobreviver à
provação, quase se morre de tão obcecado e rendido. E em cada um os seus
tenebrosos porões e sótãos, entre o que enobrece e o que aflige, o que ama e
odeia. Até que a fera ruge, a luz se apaga no coração, quanta fúria e crueldade
de sobra e por troco. Aprendi a domar meus monstros com as palavras suaves: o
segredo da poesia. Ninguém merece nossos esturros, somos nós mesmos que pagamos
o pato, ora. Isso eu sei, guardo comigo. Conquanto, soluções de plantão: é só
passar a bronca pro outro, pronto, livrou-se, lavou as mãos, resolvido. No final,
luzes e sombras, o casulo se esvai no escuro da solidão e silêncio. Contudo, quem
aprende a lição, hem, na verdade olvida, como eu: fazendo uma merda atrás da
outra. Porquanto tenha só abusado da sorte na areia da praia, lazer domingueiro
ou de feriadão, o castelo de areia, lá vem o mar subindo manso, a maré e não, a
onda, não, lá vem, não, pelo amor de Deus não, a água nem aí, não, acabou-se o
que era doce. Pra quem vive na corda bamba qualquer sopapo é crucial e haja
catabi entrando pela perna de pinto e saindo pela perna de pato. É a vida e lá
se vão os ventos omnidirecionais com seus encantos e desamores no fortuito
embalo das paixões. É cada uma que dá dez! ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial com a música do compositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal: Live in Montreaux, Zumbumbê bum-á, Slave Mass, Cérebro
Magnético, Natureza Universal ao Vivo & Live in Jazz Sous Les Pommiers; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Ah, aprende-se o que é preciso que de
aprenda! Aprende-se quando se quer uma saída; aprende-se a qualquer custo.
Fiscaliza-se a si mesmo com o chicote; à menor resistência flagela-se a própria
carne. A natureza do macaco escapou de mim frenética, dando cambalhotas, de tal
modo que com isso meu primeiro professor quase se tornou ele próprio um símio,
teve de renunciar às aulas e ser internado em um sanatório. Felizmente saiu
logo de lá. [...] Seja como for, no conjunto eu alcanço o que
queria alcançar. Não se diga que o esforço não valeu a pena. No mais, não quero
nenhum julgamento dos homens, quero apenas difundir conhecimentos; [...]. Pensamentos extraídos de Um relatório para uma
Academia (Companhia das Letras, 1999), do escritor tcheco Franz Kafka
(1883-1924). Veja mais aqui.
ONTOLOGIA – [...] No
trabalho estão contidas in nuce todas as determinações que, como veremos,
constituem a essência do novo dentro do ser social. O trabalho pode ser
considerado, pois, como fenômeno originário [Urphänomen], como modelo do ser
social; o esclarecimento destas determinações proporciona já, portanto, uma
imagem tão clara acerca de suas características essenciais, que parece
metodologicamente vantajoso começar com sua análise [...] A posição do fim se origina numa necessidade
humano-social; mas, a fim de que chegue a uma posição autêntica do fim, a
investigação dos meios (isto é, o conhecimento da natureza) deve ter alcançado
um determinado nível, coerente com esses meios; se esse nível ainda não foi
alcançado, a posição do fim permanece como projeto meramente utópico, uma
espécie de sonho [...]. O ponto,
pois, no qual o trabalho se relaciona, desde o ponto de vista da ontologia do
ser social, com o surgimento do pensamento científico e sua evolução, é
precisamente o âmbito por nós denominado investigação dos meios [...] quando os resultados do reflexo não
existente se cristalizam numa práxis estruturada em termos de alternativa, a
partir daquilo que existe somente de maneira natural, pode surgir algo
existente no marco do ser social – por exemplo, uma faca ou um machado –, isto
é, surge uma forma de objetividade desse ser existente total e radicalmente
nova. Pois, a pedra, na sua existência e em seu ser-em-si natural, nada tem a
ver com a faca ou o machado [...] Enquanto
ser biológico, o ser humano é um produto da evolução natural. Com sua autorrealização,
que, naturalmente, também nele mesmo pode significar um retrocesso dos limites
naturais, mas nunca o desaparecimento, a plena superação desses limites, o ser
humano ingressa num novo ser e por ele mesmo fundado: o ser social [...] todas as
representações ontológicas dos seres humanos, independentemente do grau de
consciência em que isso ocorre, são amplamente influenciadas pela sociedade, e
não vem ao caso se o componente dominante é o da vida cotidiana, o da fé
religiosa etc. Essas representações cumprem um papel extremamente influente na
práxis social dos seres humanos, condensando-se com frequência em um poder
social real [...] superação da mudez
meramente orgânica do gênero, sua continuação no gênero articulado, em
desenvolvimento, do ser humano que se forma enquanto ente social, é –
considerada desde um ponto de vista ontológico-genético – o mesmo ato que o do
surgimento da liberdade [...]. Trechos extraídos da obra Ontología del ser social: el trabajo (Herramienta,
2004), do filósofo, crítico literário e teórico marxista húngaro Georg
Lukács (1885-1971). Veja mais aqui e aqui.
BALADA DE AMOR AO VENTO - [...]
Meu pai, minha mãe, meus avós e todos os
defuntos. Aceitei esta oferta, esta humilhação, que é o testemunho da minha
partida. Vou agora pertencer à outra família, mas ficam estas vacas que me
substituem1. Que estas vacas lobolem mais almas, que aumentem o número da nossa
família, que tragam esposas para este lar, de modo que nunca falte água, nem
milho, nem lume [...] É como vos
digo, cada mundo tem a sua beleza. No campo é mais belo o rosto queimado de
sol. São belas as pernas fortes e musculosas, os calcanhares rachados que
galgam quilómetros para que em casa nunca falte água, nem milho, nem lume. São
mais belas as mãos calosas, os corpos que lutam ao lado do sol, do vento e da
chuva para fazer da natureza o milagre de parir a felicidade e a fortuna
[...] venceu-me a carne, venceu-me o
coração, sou apenas a escrava do sentimento que é mais forte do que eu
[...]. Trechos extraídos da obra Balada
de amor ao vento (Ndjira,
2010), da escritora moçambicana Paulina
Chiziane. Veja mais aqui e aqui.
DOS POEMAS BREVES E DOS POEMAS BREVES - I - Receio haja muitos caixa-d’óculos filisteus / que preferem o museu
Britânico ao próprio Deus. II - Honremos, como ideal, / o homem vertical, / embora
valorizemos / só o horizontal, mesmo. III - Rostos particulares em lugares
públicos / É coisa mais gentil e mais sensata / Do que, em lugares
particulares, rostos públicos. IV - a esperança de um poeta: ser, / Como os
queijos de certos vales, / Local, mas estimado alhures. V - Quem poderá jamais
imaginar / Calvino, Pascal ou Nietzsche / Como um róseo garoto rechonchudo? VI
- sem mãe capaz de amá-lo / Descartes divorciou / a mente da matéria. Poemas
do poeta, dramaturgo e editor britânico Wystan Hugh Auden (1907-1973).
Veja mais aqui.
A ARTE DE ALAIN RESNAIS
Já
destaquei aqui On connaît la chanson
(Amores Parisienses, 1997) e o premiado
documentário Noite e Neblina (Nuit
et brouillard, 1955), do cineasta francês Alain Resnais
(1922-2014). Poderia ter muitos outros destaques, a exemplo do polêmico e belíssimo
drama-romance Hiroshima mon amour
(1959), com roteiro da Marguerita Duras; o drama romântico Mélo (Melodia
infiel, 1986), baseado na peça homônima de Henri Bernstein de 1929; o drama ficção
científica Je t’aime, je t’aime (Eu
te amo, eu te amo, 1968), contando uma viagem no tempo de um suicida que pode
reviver; e o drama Muriel ou o Tempo de um Regresso (1963), e muitos
tantos outros da lavra. Veja mais aqui e aqui.
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
O livro Ora pro nobis Scania Vabis, de Vital
Corrêa de Araújo & muito mais na Agenda
aqui.
&
A arte do
arquiteto, pintor, teatrólogo e escritor Flávio de Carvalho (1899-1973).
&
Devoção
de amor, a literatura de Philip Roth, o teatro de Maria Clara Machado & a arte
de Luciah Lopez aqui.