sexta-feira, junho 01, 2018

RUBIÃO, JORGE DE SENA, ZUENIR, DEWEY, LOURDES RAMALHO, GRAFITE, O TEATRO MÁGICO & MULHERES DE HOLLANDA


O AMOR É MESMO CEGO E CEGA – Imagem: Grafite - A voz colorida das Ruas - Vera finalmente esposou depois de emplacar décadas de solteirice, um escândalo! Óóóóóó! Nos quatro cantos da cidade trepidava o maior escarcéu: Como é que é? Oxente, aquela bonitona casou, foi? Quem foi o sortudo da tuia que andava cheirando os rebolados dela? Quem sabe, ora! Pois é, a mais cobiçada e sonho de consumo de marmanjos e quejandos de Alagoinhanduba e região, saiu do caritó e contraiu núpcias com cerimônia privada só pra alguns familiares – nem todos, alguns barrados metidos a parentes, achegados e cheleléus -, só com padre, juiz e uns gatos pingados da estima dela, jurando fidelidade ao esponsal até que a morte os separe. Já era hora, balzaquiana quase loba, tudo quanto era cueca apostava quem o premiado. Foi aí que nasceu o pandemônio. O que deixou de queixo caído toda população, foi, justamente, o tal do escolhido. Pra decepção de tanto Don Juan, Casanova, artista de cinema, televisão e capa de revista - até o Chico Buarque se engraçou da moça com versos e prosa -, a todos ela disse não, em cima do maior salto alto. Na horagá, ela só disse sim pra maior feiúra da humanidade: Aquilo não é gente, é uma coisa feia dos diabos, gente! Assim passaram a tratar de Coisa Feia o Lurdinaldito, vulgo Biuzinhodito, filho de dona Lourdes da Cocada e Beneditodito do Caixão – como o pai era chamado por todos de Biuzito do Caixão, ficou o filho Biuzinhodito. Pense num ocrídio de horroroso: dois olhos aboticados e um pra cada lado embaixo duma pestana grossa e emendada, dois tufos de cabelos na careca, orelha de abano ilustrada por uma costeleta ineivada, venta espragatada, duas bochechas proeminentes arrodeadas por uma barbicha crespa e invocada, um único dentinho na boca, engongado, um braço menor que o outro, corcunda e malassombrado, buchudo e cocho, pés de barbatana, cheio de pereba e despelado. Vixe! De qual história de terror saiu esse monstro, hem? Gente, isso é arte de bruxaria, só sendo. A Vera devia de arrumar coisa mais apresentável! O zunzunzum não minguava, a maior despeita no escárnio. E ela toda metida a insolente, carregando sua fera pela coleira: Sou pela sororidade, mas por via das dúvidas, esse é meu, ninguém tasca! E o melhor dele é no xambregado. Que coisa! Depois do casório às escondidas, Vera sumiu-se dentro de casa com seu bicho de estimação, de nunca mais dar as caras na rua. Óóóóóó! A macharia se mobilizou num protesto com faixas e cartazes na frente da casa dela: Queremos Vera! Queremos Vera! Três horas depois, apareceu a prima dela seminua como porta-voz, e foi aquele rebuliço: vestida só numa blusinha de alça que cobria o exato necessário e mais nada, tentava falar e, cada vez que levantava os braços, deixava as intimidades suculentas à mostra. Haja clique de fotografia e cochichado: Visse os peitinhos dela? Ah, eu cliquei no entrecoxa, meu! Meia hora de espetáculo e nada dela conseguir dar o comunicado pelo alvoroço geral, ninguém arredava o pé de tão vidrados. Foi, então, de posse de um megafone, ela berrou: A Vera está de lua de mel, só dará sinal de vida daqui uns três meses. Danou-se! Foi a maior ovação, os apupos e protestos aumentaram quadruplicados, varando a noite, madrugada adentro, dia corrido, e todos nada de desencangarem dali, dia ao crepúsculo atrás de alvorada, encarreados. Aí começou a especulação: O que aquele troglodita tem que eu não tenho? O que danado a Vera viu naquele troço? Palpites, arengas, apostas, nada de consenso. Será que o cabra tem a tromba avantajada? Ih, pelo jeito o mondrongo dá nela, pode ver! Foi catimbó, só sendo! Como é que pode, hem? Por que não eu? Foi preciso juntar uma ruma de genitoras, esposas, sogras, noivas, madrinhas, namoradas, amantes e quebra-galhos, marchando firme pra cair na maior cabada de vassoura no quengo dos recalcitrantes pro negócio voltar à normalidade. Isso não poupou os recém-casados de se vitimarem de buzinadas, pedradas, impropérios e jactâncias exaltadas por mais de mês. Reclamavam todos na passagem: Isso é um vitupério! Um semestre nessa pisada e Vera nem aí com sua aberração, só no bem-bom. Ah, gente, o amor é mesmo cego e cega. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do grupo musical O Teatro Mágico (OTM), formado por Fernando Anitelli (Voz e Violão), Nô Stopa (Voz & dança), Zeca Loureiro (Guitarra), Ricardo Braga (Percussão), Rafael dos Santos (Bateria), Guilherme Ribeiro (Teclados), Sergio Carvalho (Baixo) e as bailarinas performáticas Andrea Barbour & Manoela Rangel: Entrada para raros, Allehop & Recombinando atos; o quinteto vocal feminino Mulheres de Hollanda, formado por Karla Boechat, Ana Cuba, Eliza Lacerda, Malu von Krüger & Marcela Mangabeira: Você vai me seguir, O meu amor & A Violeira; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Os bárbaros são a grande fonte do mal-estar deste final de século. A exclusão se transformou no problema social maior. Enquanto nos morros só se ouviam os sons do samba, parecia não haver problema. Mas agora se ouvem os tiros. Não se trata de uma guerra civil, como às vezes se pensa, mas de uma guerra pós-moderna, econômica, que depende das artes bélicas mas também da leis do mercado, é um tipo de comércio. [...] Eles inauguraram um modelo de agressividade, cruel e gratuita, que não encontrava equivalente na violência praticada pelos malandros de morro de então. Essa geração do asfalto, que se divertia com brincadeiras como atear fogo em mendigos, antecipou uma vertente moderna da violência urbana - a que é movida pelo prazer da crueldade. [...] Que crime organizado é esse sem comando centralizado, sem sucessão dinástica, sem rígida hierarquia, sem cartel, sem consumo conspícuo e sem acumulação de riqueza, ao contrário da máfia ou mesmo do jogo do bicho? [...]. Trechos extraídos da obra Cidade partida (Companhia das Letras, 1994), do jornalista e escritor Zuenir Ventura. Veja mais aqui.

EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA – [...] o mundo em que até os homens mais inteligentes dos tempos idos julgavam viver, era um mundo fixo, um domínio onde qualquer mudança somente se processava dentro de limites imutáveis de inação e permanência, um mundo onde a fixidez e a imobilidade... era superior, mais importante em qualidade e autoridade, do que o movimento e a mudança. [...] um universo ilimitado no espaço e no tempo, sem limites aqui ou ali, nesta extremidade, por assim dizer, ou naquela, e tão infinitamente complexo na estrutura quanto na extensão. Daí, ser também o universo um mundo aberto, infinitamente variegado, mundo que, no velho sentido, a custo pode ser chamado de universo; tão múltiplo e extenso que não há possibilidade de o sintetizar e condensar em nenhuma fórmula. [...] Quando a física, a química, a biologia, a medicina, contribuem para a descoberta dos sofrimentos humanos, reais e concretos, bem como para aperfeiçoar os planos destinados a remediá-los e a melhorar a condição humana, tais ciências se fazem morais: passam a constituir parte integrante do aparelhamento da pesquisa ou ciência moral. Esta perde então seu peculiar sabor didático e pedante, seu tom ultramoralístico e exortativo. [...]. Trechos extraídos da obra Reconstrução em filosofia (Nacional, 1959), do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952). Veja mais aqui e aqui.

A LITERATURA FANTÁSTICA – [...] Por mais que me desdobrasse, procurando afastá-lo da obsessão, Artur arranjava outros motivos para inquietar-se. Agora era a moça que se ocultava, não dava sinal da sua permanência na casa [...] Por outro lado, a confiança que antes eu depositava nos meus nervos decrescia, cedendo lugar a uma permanente ansiedade por causa do mano, cujas preocupações cavavam-lhe a face, afundavam-lhe os olhos. Para lhe provar que nada havia de anormal no solteirão, passei a vigiar o nosso enigmático vizinho. [...] – Ele está ficando transparente. Assustei-me. Através do corpo do homenzinho viam-se objetos que estavam no interior da casa: jarra de flores, livros, misturados com intestinos e rins. O coração parecia estar dependurado na maçaneta da porta, cerrada somente de um dos lados. [...] Nada mais tendo para emagrecer, seu crânio havia diminuído e o boné, folgado na cabeça, escorregara até os olhos. O vento fazia com que o corpo dobrasse sobre si mesmo. Teve um espasmo e lançou um jato de fogo, que varreu a rua [...] No fim, já ansiado, deixou escorrer uma baba incandescente pelo tórax abaixo e incendiou-se.[...] A sua voz foi ficando fina e longínqua. Olhando para o lugar onde ele se encontrava, vi que seu corpo diminuíra espantosamente. Ficara reduzido a alguns centímetros [...] Peguei-o com as pontas dos dedos antes que desaparecesse completamente. Retive-o por instantes. Logo se transformou numa bolinha negra, a rolar na minha mão. [...]. Trechos extraídos da obra Contos reunidos (Ática, 2005), do escritor, advogado, professor e jornalista Murilo Rubião (1916-1991). Veja mais aqui.

SETE SONETOS DA VISÃO PERPÉTUA – I - Anos sem fim, à luz do mar aceso, / Te vi nudez quase total, tão grácil / Figura juvenil, ambígua e fácil, / E ao longe às vezes totalmente nua / Em só relance de malícia crua. / Tudo isso me atraia e me afastava, / Embora a vista, retornando escrava, / A teus lugares me tivesse preso. / E quase sempre então tua figura, / Sentada estátua, ou falsa sesta impura, / Lá era, ao sol, o tempo congelado. / Hoje, subitamente, tu não viste / Ninguém senão o meu olhar quebrado, / E com lenta inocência te despiste. / Mas quantas rugas no sorriso ansiado! II - Como velhice esta agonia desce / Ao fundo em que me encontro só comigo. / E quanto amor trocara então contigo / Enfim te dando o que sonhara em anos / Se torna apenas máscara de enganos / Com que te aceito, como amor antigo, / Esse momento de ansiedade e perigo / Que no teu rosto as rugas te recresce. / Tu sabes que de perto a juventude / Se te queimou no acaso das entregas; / E quanto risco a tua imagem corre / Quando não está tão longe que me ilude, / Nem já tão perto que de ciência chegas / A presumir a graça que não morre. / Mas, porque sabes, tua graça negas. III - Não mais! Não mais! Que eu esqueça que te tive, / E tu me esqueças debruçado em ti! / Que tudo seja como outrora eu vi: / Uma figura ao longe recortada, / E fina e esbelta, ou suave e alongada, / não tão distante que me não entendas, / nem tão perto de mim que tu me vendas, / no mesmo corpo belo, o que não vive / nesse teu rosto, ou sob a tua pele: / uma malícia esplêndida, capaz / de se entregar violenta quando a impele, / sem mais que orgulho, a força juvenil. / Assim será que, em mim, teu corpo jaz. / E sem nos lábios o sorriso vil. / Mas como há-de teu corpo em mim ter paz? IV - O que o teu corpo foi, não imaginas: / A juventude, a força, a agilidade, / A fantasia obscena, a intensidade / Com que dos gestos se constrói prazer. / Mas isso ele foi em sonhos. Hei-de ver / Teu corpo assim, ou como o possuí? / Ou hei-de vê-lo como ao longe o vi? / Ou como estatua, em lixo de ruínas? / Jacente dormirá, estendida e pura? / Mas como dormirás, se em mim não dorme / O tempo que a teu rosto ainda tritura? / Como nos mata esta velhice enorme! / Que vinha vindo entre nós dois, tão dura, / Que melhor fora te tornar informe… / Ou sombra dúbia pela noite escura. V - No claro dia passas lentamente, / Fingindo não me ver. Será que tu / Sentiste quanto no teu corpo nu / Não encontrei, menos que a tua, a minha / Memória de ser jovem? Adivinha / A tua carne mais que o meu olhar-te? / A quem tanto viveu de contemplar-te / Te dói de te haveres dado ansiosamente? / E, á luz do mar, ao longe te recortas. / Vejo que fluem para ti, já mortas, / Quantas imagens te criei, tão vivas. / Já não desejo mais do que sorrir-te. VI - E, todavia, eu não quisera amar-te. / Mas ter-te, sim, de todas as maneiras. / Quem és e como és, de quem te abeiras, / Que dizes ou não dizes, pouco importa. / E muito menos hoje me conforta. / Neste sorriso que dou tranquilo, / Eu ponho num remorso tudo aquilo / Que em fundo amor eu te pudera dar-te, / Se alguma vez te amasse de amor fundo. / Senta-te à luz da do mar, à luz do mundo, / Como na vez primeira em que te vi, / Tão jovem, que era crime o contemplar-te. / E despe-te outra vez, pois vêm olhar-te / Quantos te buscam de saber-te aqui. / Sendo um de tantos, nunca te perdi. VII - E olhei-te por mais tempo. Ainda hei-de olhar-te, / Quando, acabados teus lugares, partires, / Deixando no ar o espaço de fingires / A graça juvenil que eu devorei, / Ano após ano, e em meu olhar tomei / De todos que te tinham sem te ver. / Ainda hei-de olhar-te, se, quando morrer, / Puder voltar aqui a procurar-te / No espaço que deixaste. Mas não te amo, / Não te amei nunca, e nunca te amarei. / Não se ama nunca a quem olhamos tanto. / Nem se deseja. Quando por ti clamo, / Neste silencio em que de ti fiquei, / Não é senão o libertar do encanto / Que foste ao longe, a luz do mar aceso. / E à luz que te recorta é que estou preso. Poemas do poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário Jorge de Sena (1919-1978). Veja mais aqui.

NOVAS AVENTURAS DE JOÃO GRILO, DE LOURDES RAMALHO
[...] JOÃO Se as pernas não me conduzem – de joelhos vou caminhando, as armas já destroçadas na estrada vou deixando, só o resto da viola me acompanha soluçando! Agora só, sigo em busca da água medicinal. Vocês, fiquem aqui de guarda para evitar outro mal. Vou procurar pelo mundo – o cálice Santo Graal! ÁGUA E lá se foi o João Grilo – que é homem e é criança, a enfrentar os caminhos, cheio de esperança de encontrar o Santo Graal – que trará paz e Bonança. TODOS Adeus, adeus, bom amigo, Deus te conserve a nobreza, pois é de homens assim que têm na alma a riqueza, que o mundo necessita – pra salvar a Natureza!
Trecho da peça teatro Novas aventuras de João Grilo, da professora, poeta, dramaturga e pesquisadora Lourdes Ramalho. Veja mais aqui.


XXVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) & muito mais na Agenda aqui.
&
Dia de muito, véspera de nada, a literatura de Aníbal Machado, Brincarte do Nitolino & a música de Juliana de Aquino aqui.