terça-feira, junho 05, 2018

LORCA, FERENCZI, PEDRO NAVA, DUOFEL, DENNIS GABOR, ZUZU ANGEL, SILVIO HANSEN & FREDERICO SPENCER


O OLHO DO RINOCERONTE: O TRÂMITE DA SOLIDÃO - Lembro-me criança na escola, em dia de aula sobre o reino animal, apareceu-me a figura dum rinoceronte. Virei-me pra professora: Nunca vi, onde é que tem? A professora explicou e não entendi nada. Fiquei imaginando: o maior que já tinha visto era um boi, aí fiquei na ideia com o paquiderme. Coisa mais estranha, hem? Mais tarde, já beirando a adulteza, esse mesmo estranhamento ocorreu quando dei de cara com o cartaz de uma peça teatral que fui assistir cheio de curiosidade: era a comédia do absurdo de um patafísico e dramaturgo romeno, o Eugene Ionesco (1909-1994), escrita em 1950. Ora, ora, tratava-se de uma metáfora sobre a alucinação coletiva, a liberdade, o preconceito, a barbárie, a solidão, a desumanização, o conformismo, as contradições, a vida e a verdade no meio das metamorfoses. Ou como diz o próprio autor numa entrevista: “o absurdo está vivo. A prova é que estou aqui!”. Sobre os rinocerontes, na mesma entrevista, Ionesco disparou: “[...] me recuso a capitular perante o mito do mal. O rinoceronte representa um homem de ideias impostas, preconcebidas, sem julgamento próprio. As nossas sociedades modernas estão cheias de rinocerontes [...]”. Agora dou de cara com o de Frederico Spencer, O olho do rinoceronte (Tarcísio Pereira, 2018), poetamigo que conheci alguns anos atrás, por meio do seu Abril sitiado (Bagaço, 2011), integrante da equipe do Domingo com poesia e que nos encontramos pela última vez durante uma das edições da Festa Literária de Marechal Deodoro (Flimar), em Alagoas. Acabei de ler o livro do também sociólogo e psicopedagogo, agora incursionando pela prosa: reunião de contos prefaciados pelo psicólogo, escritor e doutor em Neuropsiquiatria, Spencer Júnior: “[...] do rinoceronte que habita a savana de sua poesia [...] um cógito mais spenceriano, ou seja, vejo, logo sou! [...] a brecha por onde nossa alma toca o mundo”. Em nota do próprio autor, ele destaca que os rinocerontes vivem geralmente isolados, remetendo à condição humana: “Todo o resto é mera ficção”. No livro, o trâmite da solidão: Tango para Nanci: tudo era solidão e silêncio; Nas entrelinhas: agora é apenas este vulto, ele a via e sentia sua falta; Dos santos domingos: ao final a solidão o fez voltar outras vezes, refém daquele desejo; Esfinge de barro: ninguém nas ruas – sentia um clima de tragédia no ar; Lola e Gina: não pregou o olho nesta noite, com os olhos inundados de chuva; Para o palhaço: uma última esperança de ressuscitação; A pele: toda a família já havia se perdido naquele amontoado de pele fina; Status quo: só um vazio; Os óculos: enfim, mais um dia havia acabado; Os pés: e tudo recomeçava, os anos eram seu carrasco; Amanhã não será o mesmo: precisava entender o fio da vida, preferiu ficar parado e ver tudo escorrer pelas mãos; O encontro: em sua solidão, jogado no sofá da sala, esperou que alguém batesse à porta e lhe tirasse daquele transe; O encontro II – na festa caem as máscaras: trancafiado naquele apartamento, retomar sua vida, coisas que moem o cotidiano, recluso em sua própria condenação; Pingo e Canivete: sempre foi assim; Conceda-me o prazer desta dança: passava as noites em claro, acometida por uma insônia – suada e inquieta na cama – rezava para os dias amanhecerem; Insolação: a tarde arde lentamente, parecem sedentas por um pouco de frescor; Oi, como assim?: ninguém sabe; A maldição das letras: pular pela janela e encontrar a saída – são só dez andares; O inventário: com ele descia a noite, os filhos, a mulher e a poesia o abandonaram; O pequeno conto de um reino: a carne de seus bichos em noites de lua cheia; O poder das armas: corri, me expus, até de bala me desviei; Com berro e saliva: vivia pelos cantos; Vamos de SMS: coisa longe, nem pensar; Na carne: acabou-se o homem; Recheio de coxinha: afinal somos uma família; A ligação: Às vezes falo comigo também, a gente só dá bom dia a quem conhece; Amor de plástico: gostava deste silêncio que reinava na casa; À luz de um sol impuro: chamar a atenção de todos que passavam, preferiu ficar quieto, ainda de pijama no terraço da casa. E na última orelha do volume, invoca Lukács: “[...] todo verdadeiro artista ou escritor é um adversário instintivo dessas deformações do princípio humanista [...]”. Gostei muito de ler a obra, tanto que fui de um fôlego só, do começo ao fim: narrativa sintética, concisão, maestria. Coisa de quem sabe. Da poesia pra prosa, riqueza metafórica. O que mais? Aplausos. Leia e saberá o que estou dizendo. Abração, escritoramigo, parabéns! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do Duofel - duo de violonistas formado pelo alagoano Fernando Melo e o paulistano Luiz Bueno: Plays Beatles, Espelho das águas com Badal Roy, Ao vivo – Partes 1, 2 e 3 & Surfando no trem com o Quinteto da Paraíba; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] O futuro não pode ser previsto, mas pode ser inventado. É a nossa habilidade de inventar o futuro que nos dá esperança para fazer de nós o que somos. Pensamento do físico húngaro Dennis Gabor (1900-1979).

A MULHER & A PSICANÁLISE - [...] Estamos habituados desde longa data a admitir que somente os homens têm direito à libido sexual e ao orgasmo; estabelecemos e impusemos às mulheres um ideal feminino que exclui a possibilidade de exprimir e de reconhecer abertamente desejos sexuais, e só tolera a aceitação passiva, ideal que classifica as tendências libidinais, por muito pouco que elas se manifestem na mulher, nas categorias patológico e “vicioso”.  [...] Se os homens rompessem seu modo de pensar egocêntrico para imaginar uma vida em que lhes tocasse sofrer constantemente a interrupção do ato antes da resolução orgástica da tensão, dar-se-iam conta do martírio sexual suportado pelas mulheres e do desespero provocado pelo dilema que as reduz a escolher entre o respeito a si mesmas e a plena satisfação sexual. Eles compreenderiam melhor por que uma porcentagem tão importante de mulheres foge ao dilema através da doença. [...] A teleologia própria do raciocínio humano não se resigna facilmente ao postulado de que “no melhor dos mundos possíveis” um funcionamento orgânico tão elementar deve apresentar naturalmente igual diferença de duração para resultar na satisfação em ambos os sexos. E a experiência parece confirmar, com efeito, que não se trata de uma diferença orgânica nos dois sexos, mas de uma diferença de condições de vida e de pressão cultural, para explicar essa “discronia” na sexualidade dos cônjuges. [...] A maior parte dos homens casa-se após um número maior ou menor (geralmente bastante grande) de aventuras sexuais e a experiência mostra que, nesse domínio, o hábito não acarreta uma elevação do limiar de excitação mas, pelo contrário, propicia uma aceleração da ejaculação. Esse efeito aumenta consideravelmente se – como é indiscutivelmente o caso em 90% dos homens – a satisfação foi por largo tempo, obtida por via auto-erótica. Por isso, na grande maioria dos homens que se casam, a ejaculação é relativamente precoce. Em contrapartida, a mulher, durante sua adolescência, é metodicamente subtraída a toda e qualquer influência sexual, quer se trate do plano real ou do plano mental; e, além disso, os esforços tendem a fazê-la detestar e desprezar tudo o que envolva o domínio da sexualidade. Assim, pois, comparada com seu futuro esposo, a mulher que se casa é, do ponto de vista sexual, pelo menos hiperstésica, quando não anestésica. [...]. Trechos extraídos da obra Psicanálise (Martins Fontes, 1991), do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi (1873-1933), que expressa o pensamento de que: [...] o conhecimento de uma parte da realidade, talvez a mais importante, não pode se tornar uma convicção pela via intelectual mas apenas quando se faz conforme com a experiência afetiva [...].

BAÚ DE OSSOS - [...] A desorganização coletiva acarretada pelas migrações dos retirantes, a desgraça de cada um encarando a fome e as fúnebres companheiras do flagelo: epidemias de cólera e de bexigas. [...] Basta dizer que em dois meses, a capital cearense viu morrerem 27.378 vítimas da doença. Além de testemunharem essas cenas incomparáveis de passarem o dia à porta, socorrendo famintos, de verem na cidade a dança macabra dos esqueletos ainda vivos de uma população em agonia – meus avós tiveram o toque da doença em pessoa muito cara. Minha tia Marout foi atingida e ao levantar-se, era um espectro do que tinha sido. Seus imensos olhos escuros reduziram-se, apertaram-se e ficaram piscos de receberem a luminosidade que os cílios perdidos não amorteciam; suas tranças grossas como cordas e escuras com a noite, grisalharam e ficaram ralas; sua pele mais lisa que a dos jambos ficou toda áspera e lembrando casca de goiaba branca. cuspiu, um por um, trinta e dois dentes perfeitos que foram substituídos pela fosforecente dentadura dupla que, anos depois, eu a via lavar e escovar, ao mesmo tempo, se sentimento de pejo e de idéias mágicas e ancestrais [...] Não é difícil descobrir quais eram, diante dos laivos de positivismo e de fraternidade que transparecem na sua história e no seu modo de ser. Esses aspectos vinham de vogas da época. Comtismo. Maçonaria. É muito tênue o que se encontra como influência do primeiro e tudo talvez nem fosse intencional e tivesse tocado os padeiros como espírito do século [...]. Trechos extraídos da obra Baú de ossos: memórias (Sabiá, 1972), do escritor e médico Pedro Nava (1903-1984). Veja mais aqui e aqui.

PAISAGEM COM DUAS TUMBAS E UM CÃO ASSÍRIO - Amigo, / levanta-te para que ouças uivar / o cão assírio / As três ninfas do câncer estiveram dançando, / meu filho. / Trouxeram umas montanhas de lacre vermelho / e uns lençóis duros onde o câncer estava dormindo. / O cavalo tinha um olho no pescoço / e a lua estava num céu tão frio / que teve de rasgar seu monte de Vênus / e afogar em sangue e cinza os cemitérios antigos. / Amigo, / desperta, que os montes ainda não respiram / e as ervas de meu coração encontram-se em outro lugar. / Não importa que estejas cheio de água do mar. / Eu amei por muito tempo um garoto / que tinha uma plúmula na língua / e vivemos cem anos dentro de uma navalha. / Desperta. Cala. Escuta. Ergue-te um pouco. / O uivo / é uma longa língua roxa que deixa / formigas de espanto e licor de lírios. / Já vêm até a rocha. Não alargues tuas raízes! Aproxima-se. Geme. Não soluces em sonho, amigo. / Amigo! / Levanta-te para que ouças uivar / o cão assírio. Poema do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936). Veja mais aqui.

A ARTE DE ZUZU ANGEL
Em setembro de 1971, organizei um desfile de modas em Nova York. Na oportunidade, denunciei o que já sabia a respeito de meu filho, que já havia sido preso […], torturado e provavelmente assassinado pelo governo militar brasileiro.
Palavras da estilista Zuzu Angel (1921-1976), depois do assassinato do seu filho Stuart Edgar Angel Jones, torturado e assassinado pela ditadura militar brasileira. Ela morreu em um suposto acidente automobilístico na saída do túnel Dois Irmãos, em São Conrado, no Rio de Janeiro. A sua luta foi para o cinema por meio do drama biográfico Zuzu Angel (2006), do diretor Sérgio Rezende. Veja mais aqui.


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