sexta-feira, fevereiro 27, 2015

NIKI DE SAINT PHALLE, MARTÍN-BARÓ, LI TAI PO, RICOEUR & SAURA

 


A SOLIDÃO DE NACHO, EL ROJO… -  O menino de Valladolid cresceu adolescendo no noviciado em Orduña aos 17 anos. Tornou-se viajante e foi pra Villagarcía e, de lá, prAmérica Central. Estudava muito em Quito, fez filosofia em Bogotá, bacharelou-se e seguiu prum Externato de El Salvador. Depois foi professor na Centroamericana, viajou pra Frankfurt, bacharelou-se de novo na Bélgica, retornou à San Salvador para lecionar psicologia na Academia de Santa Ana. Contribuiu para a revista dos Estudios Centroamericanos, fez mestrado em Chicago, onde, depois, também fez seu doutoramento em Psicologia Social. Acompanhava de perto os conflitos de El Salvador, com a fundação do Iudop, escrevendo para a revista costarriquenha Polómica. Foi professor na Venezuela, em Porto Rico, em Bogotá, em Madrid e publicou seus livros e artigos científicos e culturais, contemplando as sociedades alternativas da América Latina. Mas era tempo de opressão, repressão e da anormalidade normal das injustiças sociais com suas anomalias na violência estrutural. Vivia no meio da guerra civil financiada pelos USA, que mantinham o governo militar repressor e os esquadrões da morte. Era 16 de novembro daquele ano de 1989: ele foi executado no massacre da UCA, a chacina promovida pelo exército salvadorenho. Um tiro na nuca e o mártir da teologia da libertação sucumbiu juntamente com outros 5 professores jesuítas, mais a caseira e sua filha de 16 anos. Os soldados do Atlacatl destruíram livros, documentos e computadores e deixaram no local um cartaz político na tentativa de imputar o crime à FMLN contra os “traidores da causa”. Não foi e a voz nunca se calou. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - É claro que ninguém vai devolver ao dissidente preso a sua juventude; à jovem que foi violada a sua inocência; à pessoa que foi torturada a sua integridade. desaparecidos para as suas famílias. O que pode e deve ser publicamente restituído são os nomes das vítimas e a sua dignidade, através do reconhecimento formal da injustiça do ocorrido e, sempre que possível, da reparação material... Aqueles que clamam por isso. a reparação social não pede vingança nem acrescenta cegamente dificuldades a um processo histórico que já não é nada fácil. Pelo contrário, promove a viabilidade pessoal e social de uma nova sociedade, verdadeiramente democrática... Pensamento do filósofo e psicólogo social espanhol Ignacio Martín-Baró (1942-1989), uma das vítimas da chacina de El Salvador, em 1989, que no seu estudo La violencia en centroamerica: una vision psicossocial (Revista de Psicologia de ElSalvador, 1990), expressa que: [...] A verdade do povo latino-americano não está no seu presente de opressão, mas na sua manhã de liberdade […]. Se toda forma de violência exige uma justificação, é porque não a tem em si. O que leva à consequência de que a violência não pode ser considerada em abstrato como boa ou má, o que contradiz uma das suposições implícitas da maioria das abordagens psicológicas; a bondade ou maldade da formalidade violenta advém do ato que a substantiva, isto é, daquilo que um ato tão violento socialmente significa e historicamente produz. E é aqui que o caráter ideológico da violência aparece claramente [...]. Já no seu livro Acción y ideologia: Psicología Social desde Centroamérica (UCA, 1985), ele expressa que: [...] Uma sociologia do conhecimento psicológico sobre violência e agressão mostra que, com honrosas exceções, geralmente a “matéria violenta” que é tomada como objeto de análise é o ato contrário o prejudicial ao regime estabelecido, a agressão física individual, a violência delinquencial ou a violência das massas, assumindo em todos esses casos que seu caráter negativo deriva do dano causado à convivência sob a ordem social imperante. [...] A exploração dos trabalhadores, sobretudo o campesino e indígena, a contínua repressão a seus esforços organizativos, o bloqueio a satisfação de suas necessidades básicas e às exigências para o desenvolvimento humano, e tudo isso como parte de um funcionamento “normal” das estruturas sociais, constitui uma situação em que a violência contra as pessoas está incorporada à natureza da ordem social, bem chamado de “desordem organizada” ou “desordem estabelecida”. [...] A violência aberta como uma possibilidade ao ser humano assumida e desenvolvida através do processo de socialização encontra sua formalização última em sua justificação. [...] todo ato de violência requer uma justificação social e, quando carece dela [...] a gera por si mesma. [...]. Já no seu estudo O papel do psicólogo (Estudos de Psicologia, 1996), ele expressa que: [...] A consciência não é simplesmente o âmbito privado do saber e sentir subjetivo dos indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde cada pessoa encontra o impacto refletido de seu ser e de seu fazer na sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência é o saber, ou o não saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais [...] Ao assumir a conscientização como horizonte do quefazer psicológico, reconhece-se a necessária centralização da psicologia no âmbito do pessoal, mas não como terreno oposto ou alheio ao social, mas como seu correlato dialético e, portanto, incompreensível sem a sua referência constitutiva. Não há pessoa sem família, aprendizagem sem cultura, loucura sem ordem social; portanto, não pode tampouco haver um eu sem um nós, um saber sem um sistema simbólico, uma desordem que não se remeta a normas morais e a uma normalidade social [...] Uma simples consciência sobre a realidade não supõe, por si só, a mudança dessa realidade, mas dificilmente se avançará com as mudanças necessárias enquanto um véu de justificativas, racionalizações e mitos encobrir os determinismos últimos da situação dos povos centro-americanos. A conscientização não só possibilita, mas facilita o desencadeamento de mudanças, o rompimento com os esquemas fatalistas que sustentam ideologicamente a alienação das maiorias populares [...] os problemas específicos dos nossos povos sem as proteções dos marcos teóricos apriorísticos, que filtram, de forma enviesada, a realidade e limitam, não isentos de interesses, nossa capacidade de compreensão [...]. No seu artigo acadêmico Para uma psicología da Libertação (Alínea, 2011), ele chama atenção para a necessidade de: [...] fazer algo que contribua significativamente para dar resposta aos problemas cruciais de nossos povos"? [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.


 


ALGUÉM FALOU: A vida... nunca é como a gente imagina. Ela te surpreende, te espanta, e te faz rir ou chorar quando você não espera. Eu amo o redondo, as curvas, a ondulação, o mundo é redondo, o mundo é um seio. A música é a almofada mais macia do mundo. A pintura acalmou o caos que abalava minha alma. Pensamento da pintora, escultora e cineasta francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002), que no seu livro Mon Secret (Différence, 1994), ela expressa que: [...] Meu pai, secretamente, teve que sufocar em sua vida, mas faltou-lhe a coragem de uma verdadeira revolta. A garotinha que eu era será a única vítima de sua lamentável rebelião. [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

LAMENTO DO GUARDIÃO DA FRONTEIRA – O poeta predestinado ou imortal chinês Li Tai Po (701-762) possui uma obra composta de mais de mil poemas reunidos em vinte e quatro livros e divididos em doze cadernos, nos quais manifesta sua imaginação extravagante ao comunicar sua personalidade e espírito livre que exorta a vida faustosa, suas interações com a natureza, o amor pelo vinho, a amizade e o olhar aguçado sobre a vida, tendo sido condenado à morte por mais de uma vez, suicidando-se embriago ao se atirar no rio Yang-tsé Kiang. Dele destaco o poema Lamento do Guardião da Fronteira, inserido no ABC da Literatura, de Ezra Pound, traduzido por Augusto de Campos: Pelo Portão do Norte sopra o vento carregado de areia, / solitário desde a origem do tempo até agora! / Árvores caem, no outro a relva amarelece. / Galgo torres e torres / para vigiar a terra bárbara: / desolado castelo, o céu, o amplo deserto. / Nenhum muro de pé sobre esta aldeia. / Ossos alvos com milhares de geadas, / altas pilhas, cobertas de arvores e grama; / quem fez com que isto acontecesse? / Quem trouxe a cólera imperial flamante? / Quem trouxe o exército com tambores e timbales? / Bárbaros reis. / De uma primavera suave a um outono de sangue e sangue, / trezentos e sessenta mil, / e tristeza, tristeza como chuva. / Tristeza para ir, tristeza no regresso. / Desolados, desolados campos, / e nenhuma criança de campanha sobre eles, / não mais os homens para a ofensa e a defesa. / Ah! Como sabereis de toda esta tristeza no Portão do Norte, / com o nome de Rihaku esquecido / e nós, guardiões, pasto de tigres? Veja mais aqui, aqui e aqui.

  Imagem: Infanta nude (2011), do premiadíssimo fotógrafo estadunidense Ralph Gibson.

Curtindo o dvd Alma Lírica Brasileira ao vivo (2011), da cantora Mônica Salmaso.

INTERPRETAÇÃO E IDEOLOGIAS – A obra Interpretação e ideologias (F. Alves, 1990), do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005) aborda temas como a tarefa da hermenêutica numa trajetória que vai da epistemologia à ontologia, a função hermenêutica do distanciamento, a efetuação da linguagem como discurso, o discurso como obra, a relação entre a fala e a escrita, o mundo do texto, compreender-se diante da obra, a ciência e a ideologias, os critérios do fenômeno ideologia, as ciências sociais e ideologia, a dialética da ciência e da ideologia, a alternativa de uma hermenêutica crítica, os neoconflitos das sociedades industriais avançadas, ausência de projeto coletivo, o mito do simples e esgotamento da democracia representativa, a ideologia da conciliação e do conflito a todo preço, a nova estratégia do conflito, entre outros assuntos. Na obra destaco o seguinte trecho: A marginalização constitui, sem dúvida, o maior perigo, que correm atualmente os grupos de contestação. Essa marginalização é a contrapartida do reforço de todos os poderes estabelecidos, num sentido cada vez mais repressivo e policialesco. A polarização —que se pretende nos impor a todo preço — está em vias de produzir no mundo todo seus frutos amargos: o ciclo contestação repressão está esboçado, mas funciona cada vez mais em proveito do poder e em detrimento das liberdades públicas. Quanto à ação, ou antes, à pseudo-ação, já se encontra contaminada pela busca do espetacular, pela teatralização. Ê interessante notar como a ação, ao tornar-se ineficaz, tende a converter-se em espetáculo. Certamente' compreendo a intenção: quando a palavra ordinária perdeu sua eficácia, pode parecer hábil aplicar uma terapêutica de choque nas massas cloroformadas. Mas o efeito é tão desastroso sobre aqueles que aplicam o remédio quanto sobre os que o recebem. É o que chamo de a teatralização. Por teatralização, entendo a substituição da política real por uma espécie de política-ficção, incapaz de separar a fantasia do real, e reduzida a uma encenação. Bem que eu gostaria que a "guerilla-theater", tal como a vi funcionar nas universidades americanas, fosse um meio novo e eficaz para abrir as massas à política, mas parece que ela indica apenas que a própria ação se tornou teatral. Sem dúvida, a ação simbólica tem sua força, como a tinham os gestos simbólicos dos antigos profetas de Israel. Mas o que há de mais perigoso que uma ação reduzida a uma fantasia e sub-repticiamente subtraída às condições reais da ação eficaz? A ação possui suas leis, sua racionalidade própria. Um dos sinais da contracultura consiste em negar essas leis e essa racionalidade. Mas há um preço a pagar: a impotência de influir sobre a sociedade. O mais grave de tudo é o progresso da não-comunicação na sociedade. A patologia do conflito em nossa sociedade chega ao cúmulo quando o adversário nem mesmo é reconhecido. Já se falou da sociedade em migalhas, em todos os planos: profissional, cultural, religioso. O aspecto mais grave da sociedade em migalhas consiste na ruptura do vínculo social no nível do casamento, dos estilos de vida, e no surgimento de uma sociedade paralela ou, como dizem os americanos, da altemative society. Mas que alternativa, senão a dissidência que deixa tudo no mesmo lugar, que inquieta e ameaça, mas sem lançar as sementes de mudança? Veja mais aqui, aquiaqui.

FLÁVIA, CABEÇA, TRONCO E MEMBROS – O texto teatral – ou como assinala o próprio autor: tragédia ou comédia em dois atos -, Flávia, cabeça, tronco e membros (L&PM, 1977), do saudoso escritor, dramaturgo, tradutor, desenhista, humorista e jornalista Milton Viola Fernandes, ou simplesmente Millôr Fernandes, é um dos primeiros projetos de uma mulher liberada em 1963, que usa seu fascínio e liberdade ao absurdo das caricaturas ao abordar sobre poder, força e a permanente capacidade de mistificação inerente ao ser humano. Destaco a cena do segundo ato, em que o Juiz Paulo Moral pega um papel na mesa e fala: Mao Tsé me mandou um telegrama, aplaudindo minha sentença. Esse me compreende, sabe o que estou dizendo. Que nosso irmão querido é uma ameaça no espaço. Constante. Nos roça mais de que devia. Nos aperta mais do que podia. É isso. Já nos aperta. Já somos gente demais. Assim, se não temo coragem de fazer uma eliminação sumária é preciso ao menos estimular os que têm e eliminam. (Bem coloquial). Inda ontem mesmo estava eu as seis horas da tarde na Avenida Copacabana e o fantasma da superpopulação esbarrou no meu braço. Quase me estrangulou. E além de tanta gente chafurdando nas ruas, milhões no aconchego de alcovas, camas de randevus e até leitos burgueses preparando mais gente. Mais gente e mais, mais gente, muito mais, muito mais gente. Até minha velha senhora espera um neto! Alguém pode evitar que se procrie? (Quase gritando). Eu absolvo todos! São todos livres para o novo exemplo. Vocês sabem, vocês sentem, se já não sentiam, se já não sabiam: o homem abdicou da alma. O avião da asa. Vem aí o omelete sem ovo! (Assina, rápido, um papel com uma grande pena de ave, colorida. Em tom geral). Ide, missa est. [...] (Em tom terrível) Posso. Pelas chagas de um Cristo fracassado, posso. Posso pelos princípios da força e da fraqueza. Posso por uma visão essencial da Queda. Pela felicidade que poucos merecem e menos compreendem também posso. Posso pois voltei ao Sinai e trouxe tabuas de matéria plástica. Novas revelações, novas palavras, novos vícios, erros novos. Quem será condenado se de repente explodir um astronauta e podre e em fragmentos ficar em torno de nos girando o seu fedor por toda Eternidade? Quem será condenado? Belle époque, lei seca, padrão-ouro, melindrosas, não morrestes em vão! O fogo é fresco, a água seca; o infinito uma limitação. Pela última dor do ser humano, posso. Posso por Hiroshima, amor de mis amores. Posso. Eu, Paulo Belmonte Joaquim Moral, juiz, posso. Pelo direito infernal, pela Santa Moral, por algo que me dói aqui no peito, pelos dez mandamentos idiotas, pela jura de Hipócrates hipócrita, por todos os códigos mais feitos, pelo feroz direito da impotência, posso, Meritíssimo, posso. Posso até fazer nascer um dia novo! (Sem transição, apenas mudando de tom). E além disso estou armado. (Puxa violentamente uma Lugger da toga. Arma-a com ruído violento. Avança lenta e firmemente para a frente. O promotor vai recuando rapidamente, some. Moral continua avançando, com o olhar firme no público. Quando atinge a linha do proscênio o pano cai). Fim. Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.


LARA, DUPLA IDENTIDADE – Neste sábado, dia 28 de fevereiro, acontecerá o lançamento de mais um romance da série "Lara - Dupla Identidade", do poeta e escritor tricordiano Ronaldo Urgel Nogueira. Serviço: Dia 28/02, das 17 às 21 horas, na Savel no Santa Tereza, em Três Corações, sul de Minas (Info: Meimei Corrêa). Veja mais aqui.


SALOMÉ DE AÍDA GOMEZ –O encantador filme Salomé (2002), do cineasta e roteirista espanhol Carlos Saura, começa como se fosse um documentário sobre os bastidores de preparação para o espetáculo Salomé, com o diretor passando as instruções para os bailarinos. Na cena os iluminadores e cenografistas estão trabalhando simultaneamente. Entre os ensaios, os bailarinos apresentam a encenação da peça. Eis que surge a magistral bailarina e coreógrafa Aída Gomez e encanta toda cena. Imperdível. Veja mais aquiaquiaqui.



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