DITOS &
DESDITOS – Não
empreender uma carreira científica em busca da fama ou dinheiro. Existem
maneiras mais fáceis e melhores para alcançá-las. Empreender-se apenas se nada
mais lhe satisfaz... Por mais nada é provavelmente o que você receberá. Sua
recompensa será a ampliação do horizonte enquanto você sobe. E se você
conseguir essa recompensa, você não fará outro... A recompensa do jovem cientista é a emoção de
ser a primeira pessoa na história do mundo a considerar algo ou a entender
algo. Nada se pode comparar a essa experiência… a recompensa do cientista mais
velho é o sentimento de transformar um vago esboço numa paisagem principal.
Pensamento da astrônoma e astrofísica britânica Cecilia Payne-Gaposchkin (1900-1979),
que em 1920 graduou-se em química e
física sem receber o seu diploma por ser mulher. Ela descobriu que as estrelas
eram compostas por gases leves como Hidrogênio e Hélio, foi a primeira
pessoa a mostrar que o Sol é composto primariamente de hidrogênio, quando
acreditava-se que possuísse uma composição similar à da Terra. Integrou o Observatório
de Harvard numa área dominada por homens. Veja mais aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Um bom livro não é escrito, é reescrito... Você deve querer o suficiente. O suficiente para aguentar todas as rejeições, o
suficiente para pagar o preço da decepção e do desânimo enquanto você está
aprendendo. Como qualquer outro artista, você deve aprender seu
ofício – então você pode adicionar todo o gênio que quiser... Pensamento da escritora
estadunidense Phyllis Ayame Whitney (1903-2008).
O LUGAR DO SONHO - FILHAS DA DOR & VÍTIMAS
DA VIOLÊNCIA – São
as características mais evidentes na minha arte... Incomoda-me a relação meio
taxativa entre o que exibo e a morte trágica do meu irmão, ou a afirmação de
que só falo de violência... Depoimento da artista visual e arquiteta Rosana
Palazyan, por
ocasião da exposição O Lugar do Sonho (2004), reunindo 24 peças construídas
em uma década e, depois reunida numa antologia da produção da artista, levando a
se deparar com a doçura de histórias contadas sobre um mundo perverso. Entre os
trabalhos expostos está a instalação Hóstias que reuniu cerca de 3.000 retratos
de crianças mortas de forma violenta impressos sobre hóstias que foram
dispostas em fios tencionados do chão ao teto. A respeito do tema ela asseverou
que: [...] a violência sempre esteve presente no meu
inconsciente, ainda que na infância eu a percebesse de forma indireta, como
algo que não me pertencesse (de um passado distante) e que eu não queria ter
contato naquele momento: a memória do genocídio armênio, contada mesmo que de
forma muito fragmentada, sempre relembrada nas reuniões de família, para que
nunca mais acontecesse. Além disso, nos anos 80 e 90 no auge da juventude, a
violência urbana nos subúrbios do Rio estava sempre por perto, ali, a espreita...
Até que um dia aconteceu... Em 1992, a perda do único irmão como uma das vítimas
da violência, quase me fez desistir. Pensar em deixar o Rio, nunca pensei.
Continuei no Rio e com a arte, processando criticamente perdas, traumas sociais
e a violência. Naquele momento, falar sobre essa questão, era um perigo de vida
- existiam ameaças veladas. Na arte, era um perigo de exclusão e não aceitação.
Mas insisti e resisti. Nunca esquecida, hoje cada vez mais essa memória
reacende, a cada notícia de vitimas. Não dá pra viver na cidade linda que amo
tanto e que nunca abandonei, sem fazer nada
[...]. Veja mais aqui & mais de suas obras no
blog: Rosana Palazyan -
Catálogos, críticas e artigos selecionados aqui.
OUTRA BEATRICE, DA LENDA – Conta-se que todos os anos, na noite anterior
ao aniversário de sua morte, ela volta à ponte onde foi executada, carregando
sua cabeça decepada. Quem? Esta a assombrosa história de Beatrice Cenci (1577-1599), a jovem nobre romana que assassinou seu
pai abusivo antes de ser decapitada em uma ponte em Roma. Filha do Conde
Francesco Cenci, Beatrice tinha sete anos quando sua mãe Ersilia Santacroce
morreu. A família morava no Palazzo Cenci, nos limites do gueto judeu, no
centro de Roma, junto com a segunda esposa do conde, Lucrezia Petroni. Os
crimes sexuais do violento e depravado Conde Cenci envolveu inclusive o estupro
da própria filha. Ela tentou por diversas vezes informar às autoridades, porém
por ele ser nobre, era liberado. Ao descobrir as denúncias dela, baniu-a de
casa. Foi então que ela urdia a trama de matar o próprio pai, contando com o
apoio de outros três irmãos e dois servos. A primeira tentativa falhou, mas
conseguiram espanca-lo até a morte, jogando o corpo dele por uma varanda para
que parecesse acidental. As autoridades papais não se convenceram do acidente,
abriram uma investigação e a sentenciaram de morte. E ela e os demais membros
da família foram presos, condenados à morte. A população protestou por
conhecimento das razões por trás do assassinato, porém o Papa Clemente VIIII
ordenou as execuções públicas diante dele. A pena foi cumprida na madrugada de
11 de setembro de 1599, na Ponte S. Ângelo e todos decapitados, evento que foi
testemunhado pelo Caravaggio. A lenda do fantasma se desenvolveu: Todos os anos
na noite anterior ao aniversário de sua morte, o fantasma de Beatrice volta
para assombrar a ponte onde ela foi executada, carregando sua cabeça decepada. Ela tornou-se um símbolo para o povo de Roma de
resistência contra a aristocracia arrogante, e uma lenda surgiu. Ao longo dos
séculos sua história passou a ser propagada por Shelley e Hawthorne, tornando-se
tema da peça The Unnatural Combat (1619), de Philip Massinger, personagem
central de um conto de Stendhal (1837), do drama do poeta Juliusz Slowachi, do
romance de Domenico Guerrazzi (1854), do poeta de Sarah Piatt (1871), da ópera
de Alberto Ginastera e outra de Berthold Goldschmidt e mais uma de Havergal
Brian, da peça de Artaud, do ensaio de Alexandre Dumas, do musical de Alessandro
Londei e Brunella Caronti, afora obras de Astolphe de Custine, Alfred Nobel,
Alberto Moravia, Gonçalves Dias, Stephan Zweig, Lizzie Hopley, F. R. Scott,
Frederic Prokosch e Sabrina Gatti. O pintor Guido
Reni a retratou como uma melancólica e malfadada Sibila, além de obras
esculturais de Harriet Goodhue Hosmer, da fotógrafa Julia Margaret Cameron,
afora filmes de David Lynch e um outro de Lucio Fulci.
A PROSTITUIÇÃO SAGRADA – Na obra Kathāsaritsāgara – O mar formado pelos rios de histórias, uma famosa
coleção do século 11 de lendas indianas, contos de fadas e contos folclóricos
recontados em sânscrito pelo Shaivite
Somadeva. Nela encontra-se a história de Rūpiṇikā, que se passa
na cidade de Mathurā, local do nascimento de Krsna. A senhora
é descrita como uma cortesã que na hora do culto entrava no templo para cumprir
seu dever. Desta passagem fica bastante claro que Rūpiṇikā
combinava as profissões de
prostituição e serva do templo, que
consistia principalmente em dançar,
abanar o ídolo e manter o templo
limpo. Ela era, de fato, uma dēva-dāsī, ou “serva do deus” ou “mulheres
sagradas”. A cidade de Mathura é o moderno Muttra, situado na margem direita do
Jumna, trinta milhas acima de Agra. Desde pelo menos 300 aC, quando Megasthenes
escreveu, era sagrado para Kṛṣṇa, e ouvi-a de viajantes chineses confiáveis que em 400 e 650 dC era um importante
centro do Budismo e, posteriormente, tornou-se especialmente associado à
adoração de Kṛṣṇa,
devido ao fato de que Mathura foi o cenário das
aventuras e milagres de sua infância,
conforme descrito no Viṣṇu Purāṇa. Assim
Mathura sempre foi um dos lugares mais sagrados da mitologia hindu. Sofreu com
os invasores maometanos mais do que qualquer cidade da Índia, pois foi saqueada
em 1017-1018 pelo sultão Mahmud de Ghazni, e novamente em 1500 por Sikander
Lodi, em 1636 por Ṣāh Jahān , em
1669-1670 por Aurangzēb, por
cujas ordens o magnífico
templo de Këśavadēva foi arrasado, e por Atimad Ṣāh em
1756. Por esta altura todos os templos, imagens e santuários foram destruídos e uma grande parte da população abraçou o Maometismo. A história de Mathura
é típica do que ocorreu em muitas cidades da Índia onde ocorria a prostituição
sagrada. Na data em que Somadeva escreveu a cidade deve ter recuperado do seu
primeiro saque e a vida religiosa teria assumido o seu curso normal. Foi depois
da época desse autor que a destruição sistemática e completa começou. Em vista
da importância antropológica da conexão entre religião e prostituição, e do
interessante ritual, costumes e cerimônias que ela incorpora, observou que a
curiosa instituição do dēva-dāsī ou devadasi,
era constituída por mulheres conhecidas em Goa por bailadeiras, ou seja, eram mulheres jovens que eram "dedicadas"
à adoração e ao serviço de um deus ou de um templo para o resto de sua vida. A
dedicação das mulheres ocorria normalmente entre os 18 e os 36 anos numa
cerimónia Pottukattu, semelhante em alguns aspetos ao casamento. Originalmente,
para além de cuidarem do templo e realizarem rituais, estas mulheres aprendiam
e praticavam danças tradicionais da Índia, tais como a Bharatanatyam e a
Odissi, desfrutavam de um elevado estatuto social, uma vez que a dança e a
música eram essenciais à oração no templo. Tradicionalmente, as devadasis
casavam com homens ricos e empregavam o tempo a aprimorar a sua arte, não assumindo
responsabilidades na lida da casa. Tinham filhos dos seus maridos, a que também
ensinavam a dançar e a cantar. Muitas vezes, os seus maridos tinham outra
mulher, que tratava da casa. Durante o domínio britânico na Índia, os
príncipes, que eram os patronos dos templos e das artes, perderam o seu poder e
patrimônio, deixando as devadasis sem os seus meios tradicionais de sustento e
patrocínio. Durante a época colonial, os reformistas britânicos tentaram
proibir a tradição devadasi, afirmando que fomentava a prostituição. Os
britânicos eram incapazes de distinguir as devadasi das raparigas que dançavam
nas ruas por outras razões que não apenas uma devoção espiritual às divindades.
O sistema devadasi começou a extinguir-se, depois de ter sido banido em toda a
Índia, em 1988. As devadasis eram também conhecidas por vários outras
designações locais, tais como jogini. Além disso, a prática devadasi era
conhecida como basivi em Karnataka, matangi em Maharashtra e Bhavin
e Kalavantin em Goa. As devadasi eram por vezes referidas como uma casta;
no entanto, alguns questionam o rigor da utilização do termo. Assim, a Prostituição sagrada ou prostituição religiosa são termos
gerais para um ritual que consiste em relações sexuais ou outras atividades
sexuais realizadas no contexto de um culto religioso, como uma forma de rito de
fertilidade ou casamento divino (hierosgamos). Alguns estudiosos preferem o
termo sexo sagrado à
prostituição sagrada nos casos em que o pagamento por serviços não acontece. Essa
prática também foi detectada por estudiosos como comum no Antigo Oriente
Próximo e na antiguidade greco-romana. Segundo Heródoto, entre os ritos realizados
nos templos da Babilônia incluíam-se relações sexuais, ou aquilo a que os acadêmicos
posteriormente chamariam de ritos sexuais sagrados: A tradição babilônica mais
obscena é a que obriga todas as mulheres do país a sentarem-se no templo de Afrodite
e a terem relações sexuais com um estrangeiro pelo menos uma vez na vida. Mesmo
as mulheres ricas e altivas, que evitam misturar-se com o povo, deslocavam-se
ao templo, conduzidas em carruagens fechadas, e ali ficavam, rodeadas por uma
grande quantidade de servidores. Mas a maior parte das mulheres sentavam-se no
altar sagrado de Afrodite, com coroas de corda na cabeça; há sempre uma grande
multidão de mulheres a irem e a virem; os homens passam por entre a multidão em
corredores marcados por linhas, para fazerem a sua escolha. Depois de tomar o
seu lugar, as mulheres não podem regressar a casa até que um qualquer estranho
lhes tenha jogado dinheiro para o colo e tenha tido relações sexuais com elas
no exterior do templo; ao atirarem o dinheiro, os homens têm de dizer:
"Convido-te em nome de Milita". As mulheres não podiam recusar o
dinheiro, fosse ele muito ou pouco; aliás, as mulheres nunca podiam recusar,
pois tal seria um pecado uma vez que, por este ato, aquele dinheiro passara a
ser sagrado. É por isso que elas seguem o primeiro homem que lhes oferece
dinheiro e não recusam ninguém. Depois das relações sexuais, tendo cumprido o
seu dever sagrado para com a deusa, as mulheres regressavam às suas casas; e
daí em diante, nenhum dinheiro, por muito que fosse, as obrigaria ao mesmo. Por
isso, as mulheres que eram altas e belas rapidamente ficavam livres para
partir, mas as mais feias tinham muito que esperar por terem dificuldade em
cumprir a lei; algumas delas obrigadas a permanecer no templo durante três ou
quatro anos. Existem tradições parecidas com esta nalgumas parte de Chipre. O
Kathāsaritsāgara, como visto, foi escrito por Somadeva por volta de 1070. A
história principal gira em torno do príncipe Naravāhanadatta e sua busca para
se tornar o imperador dos Vidhyādharas ('seres celestiais'). A obra é uma das
adoções do agora perdido Bṛhatkathā, um grande conto épico indiano que se diz ter sido composto por
Guṇāḍhya em
nada menos que 100.000 dísticos
(que por sua vez afirma ser parte de outra obra ainda maior, composta por
700.000 versos!), e está reunido numa edição britânica contando com os seus 18
livros. Veja mais aqui, aqui e aqui.
PALÁCIO DO FIM – [...] Existem
duas regras de guerra que ainda não foram invalidadas pela nova ordem mundial.
A primeira regra é que a nação beligerante deve estar bastante certa de que
suas ações melhorarão as coisas; a segunda regra é que a nação beligerante deve
estar mais ou menos certa de que suas ações não irão piorar as coisas.
[...]. Trecho extraído da obra O segundo
avião (Quetzal, 2011), do escritor britânico Martin Amis, autor da célebre frase: O amor é um substantivo abstrato, algo
nebuloso. E, no entanto, o amor acaba sendo a única parte de nós que é sólida,
pois o mundo vira de cabeça para baixo e a tela fica preta. Em uma
entrevista concedida ele expressou que: É como se o mundo se acelerasse em tal
dimensão que não podemos diminuir o ritmo o suficiente para ler poesia. A
poesia perdeu seu poder na imaginação porque não só desacelera o tempo, como de
fato para o relógio. Um poema lírico pede que você examine um determinado
momento. E não se gosta mais dessa introspecção.
AUTO-RETRATO – Provinciano
que nunca soube / Escolher bem uma
gravata; / Pernambucano a quem repugna / A faca do pernambucano; / Poeta ruim
que na arte da prosa / Envelheceu na infância da arte, / E até mesmo escrevendo
crônicas / Ficou cronista de província; / Arquiteto falhado, músico / Falhado
(engoliu um dia / Um piano, mas o teclado / Ficou de fora); sem família, / Religião
ou filosofia; / Mal tendo a inquietação de espírito / Que vem do sobrenatural, /
E em matéria de profissão / Um tísico profissional. Poema do poeta, tradutor, critico literário e de
arte, Manuel Bandeira (1886-1968). Veja mais aqui e aqui.