sábado, dezembro 03, 2022

GRAMSCI, NANCY MITFORD, DARIO FO, FRANCES POWER COBBE, EDITH CAVELL & ADRIANA DO FREVO

 

 Ao som do Violin Concerto nº 1 in G minor, Op. 26 (1866), do compositor alemão Max Bruch (1838-1920), na interpretação da violinista francesa Alexandra Soumm, conductor Pablo González & Franz Schubert Filharmonia.

 

TRÍPTICO DQP: - Manultimora... - Quandé domingo, segunda ou sábado, dia de feira ou feriado, tanto faz: eu me divirto compondo para mim mesmo, versejando ou aos pinotes nos pincéis ou canetas mundafora, madrugadia pelos quatro cantos do meu modesto ateliestúdio. Quando não peiticando com meus fantasmoutros dos tantos eus, inventando esquinas com a surpresa dos tentáculos dum sifonóforo gigantesco aplacando minhas passadas e outro mundo lá pra trás ficando cada vez mais distante. Às vezes nem me dou conta de quanta truculência no meio dum palíndromo existencial em cada rito de passagem, ciclo atravessado, etapa vencida, gente como a praga para nada. Salvo pelo gongo com a Nancy Mitford que puxa conversa: A vida às vezes é triste e muitas vezes monótona, mas há groselhas no bolo, e aqui está uma delas. Ao lado dela faço meu caminho entre o consensual e o disputável, perseguido pela pontaria de um meteorito em queda, ela me puxa prum abrigo qualquer e mantenho o fôlego com meus heréticos paradoxos, contra as máquinas invisíveis de moer gente que almeja o pacto fáustico da glória pelos motivos errados - melhor ser monoglota e fazer uso do grammelot presses timoratos que sucumbem à ruína, como válvula de escape. Como se eu fosse irmão caçula do absurdo, resta um manuscrito de última hora...

 


Túnel de praxe... – Imagem: Woman with guitar, da pintora espanhola Maria Blanchard – Há sempre uma entrada escura com nuvens carregadas, neblinas espessas, só adentrar de cara pelos catabis do percurso. É no meio que vem a sensação de quem almeja a mudança e não sai do lugar: o biênio golpista, o quadriênio da caquistocracia do Fecamepa coisonário – recaídas do meu país como se esperasse o pior do pior -, a aflição pandêmica, ah, um longo período ameaçador - Estou de saco cheio com os pirados, os ridículos e chatos, daqueles que mais parecem o Woyczeck de Büchner, submetido a um energúmeno capitão, um salafrário doutor e à sua mulher infiel, só para se tornar tema de Alban Berg e filme de Werner Herzog. Não fosse Edith Cavell me dizer: ... percebo que o patriotismo não é suficiente. Não devo ter ódio ou amargura por ninguém. Algum dia, de alguma forma, farei algo útil, algo para as pessoas. Eles são a maioria deles, tão indefesos, tão feridos e tão infelizes. Confesso, não fosse ela, não saberia mais o que fazer depois de Dario Fo: O envenenamento do planeta, das águas e do ar que respiramos é resultado de interesses econômicos privados com a cumplicidade do poder público em meio ao descaso geral... No final do túnel um repórter de verdades canalhas, vira e mexe as besteiradas rendem risíveis situações, uma injeção nos escrotos e eu mais condoído sigo adiante quase sem esperança...

 


Quantas vezes Cordélia... – Imagem do artista visual canadense Jason Sauve. – Quase a salvo vi-me envolvido por um poderoso eflúvio, algo além da imantação sem que soubesse de onde proviria. Era algo poderoso, com certeza: perfume de mulher. Não demorou muito e estava diante da favorita Cordélia do Rei Lear na pele da Sarah de Shakespeare, aquela que não se submeteu à adulação nem à hipocrisia como suas duas irmãs: fora deserdada e expulsa do reino justamente por isso. E mais: condenada à morte por um conluio secreto, escapara não se sabe como, mas não se esforçou nada para mudar o fato de ter sido dada por morta. Deixou claro tratar-se de uma princesa que abandonou a monarquia e era ela a mesma das cartas do Diário do Sedutor de Kierkegaard. Falava pelos cotovelos como se estivesse aprisionada às cenas das Futilidades públicas de Patrícia Gaspar, e asseverando toda Frances Power Cobbe: O amor inverte naturalmente a ideia de obediência e faz com que a luta entre quaisquer duas pessoas que se amam verdadeiramente não seja quem deve comandar, mas quem deve ceder... E nem me deixou sequer refletir sobre a sua afirmação, pois já se mostrava toda Adriana Lima – a Adriana do Frevo -, aos requebros da fascinante dança no céu olindense. Era como se estivesse em casa, isso eu sabia no meio do turbilhão de dias. Era o que precisava para recomeçar a vida e prosseguir na caminhada. Nela eu fui. Até mais ver.


 

[...] Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”, significa, também e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira utilitária a realidade presente é um fato “filosófico” bem mais importante e “original” do que a descoberta por parte de um “gênio filosófico” de uma verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais. [...].

Trecho extraído da obra Cadernos do cárcere (Civilização Brasileira, 1999), do filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Veja mais Educação e Livroterapia aqui e aqui.