quinta-feira, outubro 06, 2022

PAGU, YUVAL HARARI, RADCLYFFE HALL, FANNIE LOU HAMER, LOUISE FITZHUG & ABASSE NDIONE

 

Ao som do álbum Light (Decca, 2016), da pianista e maestrina italiana Vanessa Benelli Mosell, interpretando obras Scriabin e Stockhausen.

 

TRÍPTICO DQP: - A vida entre o placebo das dores e a panaceia dos simulacros... - Mais que esperar o destino se faz na hora da vez. Por enquanto, são e salvo na Torre de Babel enlouquecida que confirma o que disse Guy Debord: a imagem se tornou a forma final da reificação. Lá voo e vendem a Terra Prometida na impostura reiterada: jogam tudo fora no dia mais banal. Submeter-se ou morrer, nada mais para ser, só plágio, escárnio, crença, a privação e o invertido, a reinversão do sentido: a miséria e o pavor, a destruição e o insalubre, e me sinto despejado no limiar do atraso, no vazio da roleta, na sorte do cassino - só cisão e banir-se ao grau zero, eis a questão. Afora isso nada mais adiantasse, a vitória tornou-se com o tempo uma fragorosa derrota: não é aquilo que sequer parece. As coisas reinam com suas máscaras e a violência permanente mutila o visinvisível e nem era novembro, outroubo pelas mutamorfoses e obsolescências, aporias entre o céu e a terra. Resta apenas o cansaço diante da Não-Coisa, da morte da alteridade e da infocracia de Byung-Chul Han: Não precisam mais curvá-lo. Você foi convencido a se submeter voluntariamente! Sei que qualquer coisa acontecerá a qualquer momento na memória do morto enquanto vivo trabalha: perde uma e encontra outra entre o vil e os podres prazeres. E ressuscita Pamela McCorduck irônica: Máquinas ainda não pensam como Einstein, mas a maior das pessoas também não e nem por isso questionamos sua humanidade. E com ela um verso da Aranha pendurada de Antonio Cisneros: Se você não tomar cuidado você vai acabar acreditando que este é o mundo - Que ar resta para respirar... De repente o eco de Fannie Lou Hamer: O ódio não vai apenas nos destruir. Vai destruir essas pessoas que estão odiando também. É somente quando falamos o que é certo que temos a chance de ser explodidos à noite em nossas casas. É só um triz de alívio e esperançar no meio da fatalidade democratizada que o terror absoluto imprime e quebra o sigilo mais íntimo publicizado com as similaridades e escondendo hipocrisias e o asco de outra bem mais desprezível. O espetáculo é a última instância e a verdade jamais, resta apenas salvar as aparências na permanente ruina - um poço sem fundo e nenhuma revelação para as almas enfermas dos fracos. Quem sonha precisa acordar no meio da noite...

 


Asfixia doutras fumaças invisíveis... Imagem da artista australiana Sylvie Coupé Thouron. - Do outro lado daqui não reconheço mais ninguém, estranhos se fizeram, hostis quase feras que rugem ou grunhem a exalar asfixiante fumaça dos seus corpos que atraiçoam todos. Ao meu lado tosse Magda Szabó: Você não brinca com a morte, ela impõe suas próprias leis. O tempo que se foi e o que se perdeu nem faço questão, porque sei e sou porque não tenho; ao ter deixo de ser e só resta aparecer e o que não quero. Por isso, Anne Rice me chama atenção: Você tem uma história dentro de você; ela está articulada e esperando para ser escrita - por trás do seu silêncio e sofrimento. Era preciso prevenir, tarde demais: o Quibungo já soltou seus filhotes mandonistas por todos os birôs do poder. Tarde demais para ouvir Marguerite Radclyffe Hall: O mundo escondeu sua cabeça nas areias da convenção, para que, ao não ver nada, pudesse evitar a Verdade. Neste mundo há apenas a tolerância para o chamado normal. E sei que não há desvio necessário porque o desprezo corrompeu a todos e pulverizou-se na mentira de si próprio em cada um e o não-vivo comanda o coração da irrealidade. Tardia solidariedade de Louise Fitzhug: Às vezes você tem que mentir. Mas para si mesmo você deve sempre dizer a verdade. Estou feliz por não ser perfeita - eu ficaria entediada até a morte. Já sinto o que se diz inimigo radiante se aproximando, e quase desconsolado abraço Abasse Ndione que segreda: Em sua busca desenfreada pela felicidade, ele encontrará apenas a loucura. Se não dá pra visualizar a arquitetura da totalidade, mesmo assim, há muito a ser feito, apesar do afastamento de todos: a solidão sem ilusão...

 


Onde o amor jamais o ódio... - Longe da manhã escapo pela suicida madrugada do Recife, como se o nordestino tivesse a cabeça a prêmio no meio do estremecimento envenenado Brasil afora. No meio da implacável ventania as pálpebras dela realçam quase perto e ela feito a musa Pagu linda e estabanada medusa solta das heresias e refrações - sabia que quem a visse cegaria de paixão. E me abraçou lua cheia que acende a noite e me beijou agarrada ao meu tronco exasperando paixão e cicatrizes no Parque Industrial. Soluçou impropérios contra a garganta da máquina decadente tão imperiosa por agora, enquanto todos desconheciam ao relento o grito que apodreceu de fome e insônia pelas chamas da máscara insultuosa protegida por capacetes esdrúxulos. E se lamentou com O homem do povo, de Malakabeça, Fanika e Kabelluda, provocando os ventos e olhares no deboche da anarquia para me perguntar: Quem é o maior bandido vivo do Brasil? E se esgoelou como o espetáculo solar de todas as manhãs contra os dos caducos corações devastados engrossando os decrépitos e desmiolados algozes, como se ferida de morte pela sordidez. Viu-se temperamentalmente inadaptada para me beijar novamente desmesurada e tumultuosa. Estava disposta a ir às últimas consequências como se enfrentasse indispensável caos, e se sentisse capaz de enfrentar a histeria em massa do fungo de centeio com todos os psicogênicos, catatônicos e indiferentes na poeira da desgraça. Ah, não. Agora não. Ela novamente me abraçou terna e soluçante: Lê nos meus olhos todos os consentimentos. Mata tua sede na pedra que se fez fonte. E te encanta com a paisagem contraditória do meu ser. Sonhe, tenha até pesadelo se necessário for, mas sonhe. Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre. E transpirei sua voz, seu hálito quente, seu cheiro de vida e entrei para nunca mais sair - enquanto eu existir onde quer quer que ela esteja. E nela o chão se fez o que restou do paraíso e eu sabia: onde o amor, jamais o ódio. Até mais ver.

 

[...] Num mundo assim, a última coisa que um professor precisa dar a seus alunos é informação. Eles já têm informações demais. Em vez disso, as pessoas precisam de capacidade para extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, e acima de tudo combinar os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo. [...] As decisões que tomarmos nas próximas décadas vão moldar o próprio futuro de vida, e só podemos tomar essas decisões com bases na visão atual do mundo. Se esta operação não tiver uma visão abrangente do cosmo, o futuro da vida será decidido aleatoriamente. [...].

Trechos extraídos da obra 21 lições para o século 21 (Cia das Letras, 2018), do historiados e filósofo israelense, Yuval Noah Harari. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.