quinta-feira, dezembro 10, 2020

JORGE LUÍS BORGES, SOLZHENITSYN, CAMUS, HENFIL, TERESA DE CALCUTÁ, SERGIO LOPEZ, LOURDES NICÁCIO & L7M


  

TRÍPTICO DQC: REINVENÇÃO DO RUMO OU NADA - Ao som de Canon & Gigue In D, do compositor alemão Johann Pachelbel (1653-1706), com a regência de Yip Wing-sie & Hong Kong Sinfonietta (2008). – Lugar distante, acho. E incerto. Ou estou perdido. Andança. Ao me aproximar do que poderia ser uma cidade, tentei ler a placa indicativa quando surgiu uma bela e sensual mulher me dando as boas-vindas: Sou Assistente Social e, cada visitante, é recepcionado, cadastrado e encaminhado para conhecer o local, pois aqui tudo é diferente! Perguntou-me uma série de coisas marcadas num formulário da prancheta apoiada no decote dos seus belos seios. Idade, nome, estado civil, etecetera e tal. Siga-me. O primeiro prédio, o da Educação: os maiores espancavam os menores, os mais velhos torturavam os mais novos; os rapazes às moças, os homens, às mulheres; as mães, aos filhos e filhas. Veja! Sim? Estão sendo educados na lei daqui. Hem? Venha. Entramos numa sala do prédio Governo: uns tomam o que é dos outros e vice-e-versa, todos são roubados e roubam entre si. Viu? Como é? Aqui aprendem a governar. Venha. E me levou a um salão de outro prédio, o Templo da Fé: uma reunião de pessoas completamente despidas e amontoadas, homens e mulheres que fossem idosos, adultos, jovens, todos numa espécie de orgia báquica, uns aos outros encangados libidinosamente e aos louvores. Esta é a religião daqui. Que lugar é este? Diante da minha surpresa, ela encaminhou-me por alguns corredores que, ao final, deram na saída da cidade: Pode ir, o senhor não foi admitido em nossos domínios. E bateu a porta. Desapontado, dei dois passos e, ao voltar-me, nada mais existia, como se tivesse sumido no ar. Ao retomar a caminhada deparei-me com Alain de Benoist: A única coisa que importa é o que as pessoas pensam de uma questão precisa, não importa como eles se posicionam (ou se recusam a) no espectro político tradicional. Vôte! Fiquei intrigado com o que ele disse, enquanto Ahmadou Kourouma me dizia em tom confidencial: Deus dá brincos de ouro a quem não tem orelhas para os usar... quando as infelicidades são muitas, Deus acaba por ficar indiferente... nenhuma oração pode alegrar um homem vazio. Mais surpreso fiquei ao ser advertido por Naguib Mahfuz: Estão querendo apagar a luz da razão e do pensamento. Cuidado! Se rejeitarmos a ciência, rejeitamos o homem comum. Você consegue saber se um homem é inteligente pelas suas respostas. Você consegue saber se um homem é sábio pelas suas perguntas. Que coisa! Parecia um bombardeio inexorável e logo apareceu Rajneesh bastante severo: A verdade não é algo do lado de fora para ser descoberto, é algo dentro para ser realizado. Largue a ideia de se tornar alguém, porque você já é uma obra de arte. Você não pode ser melhorado. Você só precisa se ir em direção a isso, saber disso e realizar isso. Como assim? Estava encurralado. De repente me vi só no descampado: todos os caminhos adiante, mas para onde?... Hei de reinventar o rumo, mesmo que não saiba como.

 


DE IR ALÉM DAS AMARRAS & IMOBILISMO - Imagem: a arte do grafiteiro L7M - Luís Seven Martins, ao som do álbum Finding Gabriel (2019), do pianista estadunidense Brad Mehldau. - O justo, a equidade e a cena: o magistrado ouvia a exposição da defesa, piscando o olho para a promotoria. Resultado: décadas de litígio civil ou quinquênios de cizânia trabalhista, alguém cedeu entre as partes, a requerente-reclamante de direitos; ou condenação penal para todos os perdedores, onde houver o menor prejuízo e a absolvição sob os poderes dos vencedores. Solzhenitsyn esclarece: Justiça é consciência, não uma consciência pessoal mas a consciência de toda a humanidade. Aqueles que reconhecem claramente a voz de suas próprias consciências normalmente reconhecem também a voz da justiça. Estou confuso, que mundo é este? Camus em tom aborrecido me joga na cara: Se o homem falhar em conciliar a justiça e a liberdade, então falha em tudo. Não há sossego, impossível conciliar carências e adversidades com consumo escravocrata, ganância hipócrita e obediência acéfala, não há como! Nisso, Jorge Luís Borges se aproxima: Fazer o bem ao teu inimigo pode ser obra de justiça e não é árduo; amá-lo, tarefa de anjos e não de homens. É tudo muito difícil: a sindemia, o superfungo, o desgoverno do Fecamepa. Antes outras eram as indagações, a humanidade e o viver. Agora não mais, sobreviver sem que se saiba como ir cada vez mais longe, ou ficar cada vez mais perto, o horror em qualquer lugar ou tempo, se o meu mundo é todo mundo e o mundo todo, para quem a vida, quaisquer que sejam, importa.

 


ONDE A POESIA & ÊXTASE OU NADA – Imagem: arte do ilustrador e artista visual estadunidense Sergio Lopez, ao som de Le ruban dénoué for two pianos (1915), do compositor venezuelano Reynaldo Hahn (1874-1947). – A solidão e a noite. Ela chega: Sou Lola, a filha da dor Aurora Maria Nascimento Furtado (1946-1972), psicóloga e bancária, aquela que na manhã daquela quinta-feira, dia 9 de novembro de 1972, fui detida numa blitz policial em Parada de Lucas, no Rio de Janeiro, aprisionada viva dentro de um ônibus e conduzida para a delegacia de Invernada de Olaria. Submetida ao pau de arara com sessões de choques elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras, aplicaram-me a coroa de cristo e não resisti. Fui encontrada jogada na esquina, com o corpo crivado de balas. Apenas no dia 11 de novembro estampou a manchete dos jornais: De madrugada, Aurora, que fora presa às 9h40m de 9 de novembro, conduzia agentes da polícia carioca a um local do Méier, onde estaria localizado um aparelho, na esquina das ruas Magalhães Couto e Adriano. Aurora pediu para descer, disse que por motivo de segurança queria dirigir-se a pé ao aparelho. Ao descer, Aurora saiu correndo e gritando em direção a um fusca que estava nas proximidades; nesse momento, começou um intenso tiroteio entre os agentes da polícia e os ocupantes do carro; ao terminar o tiroteio, Aurora, baleada, estava morrendo, caída na rua; preocupados em socorrer Aurora, os agentes deixaram o veículo fugir em alta velocidade. A certidão de óbito: mulher branca, de identidade ignorada, tendo como causa mortis dilaceração cerebral. No reconhecimento do seu corpo pela irmã: afundamento craniano, escoriações e cortes profundos nos braços e pernas, o rosto deformado pelo espancamento e coroa de cristo, hematoma nos olhos, no nariz e na boca. Os registros estão detalhados nos livros Em câmara lenta (Alfa Omega, 2000), do cineasta Renato Tapajós; Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão (FGV/CPDOC, 1994), organizado por Celina D’Araújo, Gláucio Soares e Celso Castro, e Luta, substantivo feminino: mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura – Direito à Memória e à Verdade (Caros Amigos, 2010), organizado por Tatiana Merlino e Igor Ojeda. Ela silenciosa, olhos rasos d’água... Pude apenas recitar Henfil: A minha luta é tentar também ser mulher. É conseguir ser afetivo, é conseguir ser intuitivo, é conseguir sonhar, que é um dos componentes muito grande que eu acho que a mulher tem. Conseguir dar carinho! Esse é um grande problema que eu tenho, eu sou um cara treinado na guerra, eu sei ser soldado, agora não sei muito ser companheiro de uma pessoa e tal. Eu sei ser cirurgião, mas não sei ser enfermeiro. Então esse componente feminino eu realmente gostaria de ter mais. E ela, cada vez mais imensamente bela, mais bela que nunca como as outras filhas da dor, Teresa de Calcutá: Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota. E cantarolamos juntos a Mulher de Geraldo Azevedo & Neila Tavares: Eu sou a mãe da praça de Mayo,sou alma dilacerada... Sou grito que reclama a paz, eu sou a chama datransformação... Até mais ver.

 

A POESIA DE LOURDES NICÁCIO

Para outras terras / transportei a vida. / Busquei então total / a liberdade / em torno do meu ser. / Mas por que mais livre / em derredor a vida / mais dispersa / tornei-me centro de mim / e me perdi?

Poema Espaço em labirinto, extraído da obra Caminho das Águas ao Sol (2018), da escritora e professora Lourdes Nicácio, que é formada e pós-graduada em Letras, co-fundadora da editora Novo Horizonte, membro da Academia Recifense de Letras, da Academia de Letras do Brasil/PE e da UBE/PE. É autora dos livros Sinfonia de Estrelas, Cantos da Ordem do Sol, Ritmo das Águas Vivas, Ocultos na Paisagem, O Lavrador e o Templo, Caminho das águas ao sol, O Rio, Canabrava e os Homens; Os Dois Mundos de Madalena; Sobreviventes, Almeida Cunha; Os Caminhos da Palavra- Gramática e Literatura. Veja mais aqui e aqui.