sexta-feira, janeiro 15, 2021

GAINES, TREFOSSA, NECHVATAL, TUNGA, NICOLELIS, PASSO TORTO & KATALIN KARIKÓ

 

 

TRÍPTICO DQC: BATENDO UMA REAL – EU & OUTROS EUS - Ao som do Concert Recorded Live Music Vault Fort Laudedale (2000), da soprano e atriz inglesa Sarah Brightman. - Às ruas vivalma alguma acena nem olá: sou paisagem desbotada - embora haja gente demais para lá e para cá, demais da conta. Recolho-me na ausência, nenhuma interlocução possível. Mesmo assim, na solidão ainda sonho muito, roncando ao sono ou olhos bem abertos. Ao despertar dou de cara: Doro, Zé Corninho, Magaiver, doutô Zé Gulu, Tolinho & Bestinha, Biritoaldo, enfim, a patota toda ali. Como é que pode? Digo pra eles: Ué, qual a de vocês aqui? Em uníssimo: Comemorar o Ano Novo, ora. Comemorar? Claro! Vocês não ouviram o Miguel Nicolelis: É uma Guerra! Que parte desta frase ainda não foi entendida pelos arautos do corporativismo de plantão que votaram no Pandemônio e não mexem um dedo para atuar no combate à Pandemia? Vocês não se solidarizam com a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado: A gente não está seguro. Não tem mais condições para artista, intelectual, professor, quem puder vai sair, porque a gente não está seguro na rua mais, não conseguimos exercer mais a profissão. Mais do que isso, as condições de minha permanência se tornaram arriscadas. Nem se deram conta do que disse a bioquímica húngara: Katalin Karikó: Nos últimos 40 anos, não tive nenhuma recompensa pelo meu trabalho, nem mesmo um tapinha nas costas. Não preciso disso. Sei o que faço. Sei que é importante. E estou muito velha para mudar. Isso não me subiu à cabeça. Não uso joias e tenho o mesmo carro velho de sempre. Num é essa a da vacina? Sim, ela mesma. Eita! Vocês não se deram conta ainda das centenas de milhares de mortos pela sindemia e pelo desgoverno do Fecamepa na estupidez coisonária ainda não, foi? Não há o que comemorar! Hora de ouvir o escritor estadunidense Ernest Gaines (1933-2019): Não tenho mais nada a dizer, exceto isto: devemos viver com nossa própria consciência. E vamos aprumar a conversa!

 


DOIS: FALA, ESCUTO; DIGA, OUÇO - Ao som de Passo torto, de Armando Lôbo, com o octeto da Orquestra Sinfônica Brasileira – Últimos dias, tantas coisas boas. Dei de lembrar: o primeiro contato com a música se deu ainda menino, ao me deparar com repentistas no meio da feira – coisa dos improvisos duma dupla na embolada e desafio. Quando soube disso, meu pai trouxe uma penca de livros, cordéis e discos de muitos cantadores, apresentou-me à obra de Luís Gonzaga e me iniciou na audição das dores de cotovelo dos boêmios e no Choro. Era ainda molecote de nem dez anos ainda, do outro lado dos parentes o ouvido pegava ligado em Bach e Mozart, sinfonias, óperas e quantos concertos. Seguia inquieto com a descoberta do jazz e do rock progressivo, não perdendo uma sequer da Bossa Nova e das músicas de protestos que saltavam dos festivais. De lá pra cá, muita coisa boa, gente! Surpreendido aqui e ali ouvia disso, adolescendo; curtia aquilo, amadurecendo; e mais daquiloutro dos vinte aos trintanos, Tom&Sons, temas e trilhas doutros acordes e notas, claves & timbres, do ouvido à pauta neo&póstudo dos oitenoventas para dois mil e lá vai teibei! O que ouvia, experimentava; e daí experienciava; cada uma melhor que a outra, vivenciava. Até que chegou o Neto – é assim que gosta de ser chamado – e me levou cabeça a mil, tortos passos & mãos inquietas num tríptico versicular, intitulado Por que não um rap/ente stravinskiano?: Quando fala, escuto; ao dizer, ouço. O preconceito não resiste ao plural. Somos um e muitos outros. Então, vamos, assim a vida, como na Gronamma/Mãe Terra, do surinamês poeta Henri Frans de Ziel (1916-1975), dito Trefossa: Eu não sou eu / enquanto meu sangue / não se misturar por ti / nas milhares de veias de meu corpo. / Eu não sou eu, / enquanto minhas raízes / não se fincarem, não se atirarem / ao seu coração, minha mãe terra. / Eu não sou eu, / enquanto eu não estiver pronto, / para esconder e para carregar, / sua efígie em minha alma. / Eu não sou eu, / enquanto você não gritar, / de prazer e dor / em minha voz. Afinal, somos um e muitos outros.

 


TRES: ESCURANOITECENDO E ELA... - Ao som da ViralSymphOny (2006/08) & imagem de Orlando et la tempête (2020), ambas do artista pós-conceitual, compositor, poeta, teórico e crítico de arte estadunidense, Joseph Nechvatal. - Qualquintal piso folhagalhos corachão. Eleraubíqua mesmo distanciainda, quem dera SoLueclipsada. E a solidão Orlando há tempos vista Woolf: Sinto que com certeza enlouquecerei novamente. Não há passos que foram ou vão e venham, o corpespera as mãos afagamantes, como se dela Edith Wharton me desse: Vivemos em nossas próprias almas como em uma região não mapeada, alguns acres dos quais limpamos para nossa habitação; enquanto da natureza daqueles que estão mais próximos de nós conhecemos, mas as fronteiras que marcam com as nossas... para que não me seja dito Osip Mandelstan: Nós vivemos, mas não sentimos a terra abaixo de nós. Dez passos de distância e nossas palavras não podem ser ouvidas. Por isso é preciso que chegue logo e bem perto, ah, quem me dera dela a noite inteira para amanhecer em mim todos os dias. Até mais ver.

 

A ARTE DE TUNGA: RIO DE JANEIRO OU PALMARES?

O primeiro pensamento que eu coloco é que precisamos acreditar em alguma coisa ou em alguém ou em um fato. O nascimento sempre tem uma testemunha escrita ou um relato. E eu devo acreditar nessas testemunhas, certo? E se eu tiver dois depoimentos contraditórios? Posso acreditar nos dois? Onde vou parar se seguir duas pistas diferentes? Estou levando esta questão a um grau bastante consequente. Quando digo que nasci em dois lugares diferentes, estou levando estas questões a um grau bastante consequente. É paradoxal, mas pode ser uma situação interessante para se investigar. O que representa nascer duas vezes? Podemos efetivamente nascer e renascer. E este renascer não necessariamente vai significar um nascer novo, mas um nascer somado a outro anterior, e vamos continuamente renascendo em versões diversas. É expandir as experiências e a veracidade delas. Eu acredito na vida.

A arte do premiado escultor, desenhista e artista performático Tunga - Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (1952-2016), que foi o primeiro artista contemporâneo e o primeiro brasileiro a ter uma obra exposta no icônico Museu do Louvre, em Paris, além de obras em acervos permanentes de museus, como o Guggenheim, de Veneza. Seus trabalhos são resultados de investigações literárias, psicanalíticas, filosóficas, teatrais e científicas, carregadas de simbolismo. Realizou o vídeo Nervo de Prata, em parceria com Arthur Omar, e é autor de obras, a exemplo de Preliminares do palíndromo incesto, todas reunidas em vídeo no Tunga: 100 redes e tralhas (1997), de Roberto Moreira; no livro Tunga: Barroco de Lírios (Cosac & Naify, 1997), e na caixa Tunga (2007), reunindo sete volumes de diferentes formatos que documentam a trajetória do artista. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.