quarta-feira, maio 06, 2020

SAIDIYA HARTMAN, BENEDETTI, YASMINA KHADRA, IANSÃ, SHOSHANA ZUBOFF, VERA MANTERO & JANAINA GOMES


SOU APENAS – O dia é mais que auspicioso apesar de, ora nublado, ora ensolarado; é como se a manhã nos desse o prazer de ignorar o que há e o que está por vir. A surpresa vem sempre desastrosa e quase previsível com o reino das tecnologias só para quem tem e o meu povo às cabeçadas na fuga da quarentena enlouquecedora, o noticiário desanimador, as estatísticas assombrosas e o governante cada vez mais estúpido, como se inaugurasse o desmazelo e o faz de conta na nossa tragicômica história. Todos só querem dinheiro e felicidade urgente, não têm nada a ver com isso, os outros que fizeram a meleca de tudo e empestaram a sobrevivência empenhada no crediário e vão todos à merda, quem se importa. Eu que chore pelos que doem e não sabem, pelos que se matam e não sentem, pelos que desmandam e não estão nem aí. O susto é de hora em hora, quem quer lá saber. Quantos ainda não entenderam a pandemia nem nada do que já passou por décadas e séculos de impostura e arranjados, tontos e às cegas, as capitais soam fúnebres no trânsito louco, covas apressadas nas devastações e nem se sabe do que morreram tantos entre falsidade ideológica e subnotificação. O que há de imprevidência e omissão, todos os recordes. Vão-se os tempos e nenhum espaço é seguro, tudo pela e para a última hora da morte nos arredores da minha solidão. Ah, tem quem preste e quem não preste em todo canto, os achegados que comemorem. A vida não é só agora e o que passou, nunca se sabe, pouco importa. Não há o que perdoar nem motivo para o perdão que sequer se saiba. A cidade é o meu coração em polvorosa, o Sol é quente nas filas dos bancos, dos supermercados e das lotéricas. Sou apenas o olhar para sentir, nada mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] O condicionamento em escala é essencial para a nova ciência do comportamento humano de engenharia maciça [...] Somente o indivíduo não pode arcar com o ônus da justiça, assim como um trabalhador individual nos primeiros anos do século XX poderia arcar com o ônus de lutar por salários justos e condições de trabalho [] Há um século, os trabalhadores organizados para ação coletiva e, finalmente, derrubaram a balança de poder [...] os 'usuários' de hoje terão que se mobilizar de novas maneiras. [...]. Trechos extraídos da obra The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power (PublicAffairs, 2018), da escritora e filósofa estadunidense e professora Ph.D. em Psicologia Social, Shoshana Zuboff, uma das primeiras mulheres a ser professora titular na Harvard Business School. A obra trata sobre a revolução digital, a evolução do capitalismo, o surgimento histórico da individualidade psicológica e as condições para o desenvolvimento humano, em que aborda sobre o capitalismo de vigilância, poder instrumentista, a divisão da aprendizagem na sociedade, economias de ação, os meios de modificação de comportamento, civilização da informação, computador trabalho mediado, a dialética automatizar/informar, a abstração do trabalho e a individualização do consumo, porpondo a descrição de uma civilização dominada pelo Vale do Silício e seu aparato de vigilância e a ideologia do instrumentarismo.

 

OUTROS DITOS

Cinco minutos são suficientes para sonhar uma vida inteira, tão relativo é o tempo... Toda vez que você se apaixonar, não explique nada a ninguém, deixe o amor invadir você sem entrar em detalhes... Você não deve prometer nada porque promessas são grilhões horríveis, e quando você se sente preso você tende a se libertar, e isso é fatal... Afinal, a morte é apenas um sintoma de que houve vida...

Pensamento do escritor e ensaísta uruguaio Mario Benedetti (1920-2009). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

PERDER A MÃE, DE SAIDIYA HARTMAN

[...] Se eu esperava me desviar da sensação de ser uma estrangeira no mundo ao vir para Gana, a decepção me esperava. E suspeitei disso muito antes de chegar lá. Ser uma estrangeira não se refere unicamente a familiaridade, pertencimento e exclusão, pois também envolve uma relação particular com o passado. Se o passado é outro país, então sou sua cidadã. Eu sou a relíquia de uma experiência que a maioria preferiu não lembrar, como se a pura vontade de esquecer pudesse resolver ou decidir a questão da história. Eu sou a lembrança de doze milhões que cruzaram o Atlântico e de que o passado ainda não acabou. Eu sou a prole dos cativos. Eu sou o vestígio dos mortos. E a história é como o mundo secular cuida dos mortos [...] Não se pode perguntar “Quem é Vênus?” porque seria impossível responder a essa pergunta. Há centenas de milhares de outras garotas que compartilham suas circunstâncias, e essas circunstâncias geraram poucas histórias. E as histórias que existem não são sobre elas, mas antes sobre a violência, o excesso, a falsidade e a razão que se apoderaram de suas vidas, transformaram-nas em mercadorias e cadáveres e identificaram-nas com nome lançados como insultos e piadas grosseiras. O arquivo, nesse caso, é uma sentença de morte, um túmulo, uma exibição do corpo violado, um inventário de propriedade, um tratado médico sobre gonorreia, umas poucas linhas sobre a vida de uma prostituta, um asterisco na grande narrativa da História [...]. O romance de resistência que fracassei em narrar e o evento de amor que me recusei a descrever levantam questões importantes sobre o que significa pensar historicamente sobre assuntos ainda contestados no presente e sobre a vida erradicada pelos protocolos de disciplinas intelectuais. O que é necessário para imaginar um estado livre ou para contar uma história impossível? [...] É preciso que o futuro da abolição seja performado primeira na folha de papel? Ao me afastar da história dessas duas garotas, será que eu estava sustentando as regras da corporação histórica e as “certezas fabricadas” de seus assassinos e, ao fazê-lo, eu não tina selado seu destino? Não tinha também relegado as duas ao esquecimento? No final das contas, foi melhor deixá-las como as encontrei? [...]

Trechos extraídos da obra Perder a mãe: uma jornada pela rota atlântica da escravidão (Bazar do Tempo, 2021), da escritora e professora estadunidense Saidiya Hartman.

 

O QUE O DIA DEVE A NOITE, DE YASMINA KHADRA

[...] A vida é um trem que não para em nenhuma estação; ou você salta para longe ou fica parado na plataforma observando-o passar. [...] Aquele que perde a mais bela história de sua vida será tão velho quanto seus arrependimentos e todos os suspiros do mundo não serão capazes de acalmar sua alma. [...] Para um homem pensar que pode cumprir seu destino sem uma mulher é um mal-entendido, um erro de cálculo; é imprudente e tolo. Certamente uma mulher não é tudo, mas tudo depende dela. [...] Se você quer que sua vida seja uma pequena parte da eternidade, que seja lúcido mesmo no coração da loucura, ame... Ame com todas as suas forças, ame como se fosse tudo o que você sabe fazer, ame o suficiente para deixar os próprios deuses com ciúmes... pois é no amor que toda feiura revela sua beleza. [...].

Trechos extraídos da obra What the Day Owes the Night (Vintage, 2011), do escritor argelino Yasmina Khadra (Mohammed Moulessehoul). Veja mais aqui.

 

IANSÃ - DO SOPRO, A TEMPESTADE
[...] O sopro forte de Iansã muitas vezes derrubava árvores, arrancava o teto de palha das casas, levantava redemoinhos, provocava chuva e até destruía plantações. Com a chuva chegavam os raios, anunciados pelas trovoadas. O povo teve muito medo desse novo fenômeno e deu-lhe o nome de tempestade. Até hoje, quando o céu escurece durante o dia, e os trovões anunciam o fogo do raio, homens e mulheres pedem proteção a Iansã. [...].
IANSÃ - DO SOPRO, A TEMPESTADE - Trecho extraído da obra Contos e lendas afro-brasileiros: a criação do mundo (Companhia das Letras, 2007), de Reginaldo Prandi. Veja mais aqui, aqui & aqui.

A ARTE DE VERA MANTERO
Para mim a dança não é um dado adquirido. Acredito que quanto menos o adquirir mais próxima estarei dela. Uso a dança e o trabalho performativo para perceber aquilo que necessito de perceber. Deixei de ver sentido num performer especializado numa disciplina (um bailarino ou um ator ou um cantor ou um músico) e passei a ver sentido num performer especializado no todo. A vida é um fenômeno terrivelmente complicado e rico e vejo o trabalho que faço como uma luta contínua contra o empobrecimento do espírito, o meu e o dos outros, luta que considero essencial agora e sempre.
VERA MANTERO - A arte da premiada bailarina e coreografa portuguesa Vera Mantero, que tem se apresentado em palcos da Europa, Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Canadá, Coreia do Sul, EUA e Singapura. Entre os seus trabalhos, destacam-se os solos Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois (1991), Olympia (1993), uma misteriosa Coisa, disse o e.e.cummings (1996), O que podemos dizer do Pierre (2011), Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional (2012) e Pão Rico (2017), entre outros. Entre os anos 2013/2014 criou as instalações performativas Oferecem-se Sombras e Mais Pra Menos Que Pra Mais. Veja mais aqui e aqui

PERNAMBUCULTURARTES
Atriz que se descobriu bailarina, desabrochou professora, tornou-se mãe e hoje sonha com os pés no chão. Comecei a fazer teatro aos 12 anos e dança aos 16, mas esse tema não havia passado pela minha cabeça. Essa conscientização é algo mais recente. Venho de uma família onde esse debate é muito velado e eu tinha vergonha de dizer que era da favela. Despertei esse olhar diferente ao fazer mestrado e me questionar por que não havia autores negros na minha dissertação. A partir daí, tive uma necessidade voraz de falar sobre isso e entender o quanto de violência passei.
A arte da bailarina e atriz Janaina Gomes, que idealizou a performance Como manter-se preta e viva, fundou o Coletivo Cênico Tenda Vermelha e integra o Carne – Coletivo de Arte Negra e edita os blogs BailarinaJana e 5MinutosPorDia.
Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil, do advogado e historiador José Antonio Gonsalves de Mello (1916-2002) aqui
Contos populares brasileiros: Pernambuco, organizado por Roberto Benjamin aqui.
A arte da artista visual Maria Rosa Nunes aqui.
A música do álbum Paleolítica humana (Independente, 2015), do cantor, compositor e músico Nado Rodrigues aqui.
A arte da dançarina, cantora e compositora Lia de Itamaracá (Maria Madalena Correia do Nascimento) aqui.
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A noite do Recife aqui.