sexta-feira, maio 08, 2020

ACHILLE MBEMBE, ELIZABETH HAZIN, ALLAN KAPROW, KÁTIA MACIEL, PRISCILLA CAMPOS & OSVALDO ALCÂNTARA


AFETOS, COLAGENS ALEATÓRIAS - Meio dia à janela e o entusiasmo barulhento é o mundo lá fora, tão desumano quanto a programação da tevê e as imagens barulhentas enviadas pelo telefone. Tudo isso sugere a dança da loucura coisificada e a vida por um triz com o purgante das coisas reais no meio da ilusão que não basta, como se nada se distinguisse daquela locomotiva do curta dos irmãos Lumière. Sozinho vivifico entre as sombras do meu quarto: uma criança levada pela mão do pai, um afago de mãe na hora premente, um gesto estendido na hora da precisão, as estrelas no céu da Lua, o desfile solitário de uma mulher no calçadão, as abusões nas matas dos quintais, o aconchego das casas, o encontro das praças, o voo do pássaro e o gorjeio da esperança, o peixe que pula em festa no rio, o impacto da onda no corpo ao mar, a estrada que vai dar pro horizonte, a manhã ensolarada, o mormaço da tarde, a escuridão da noite, o frio do inverno, os campos da primavera, o calor do verão, as flores do outono, o homem vitruviano, a alvorada e o crepúsculo, alfômega, ying e yang, ouroboros, o triunvirato e o olho que tudo vê, a placidez da vida e as aporias, o estalo da descoberta e o sonho de olhos abertos. Alguém vê e sente, sou eu e apenas vivo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Política neste caso, não é o avanço de um movimento dialético da razão. A política só pode ser traçada como uma transgressão em espiral, como aquela diferença que desorienta a própria ideia do limite. Mais especificamente a política é a diferença colocada em jogo pela violação do tabu. [...]  minha morte anda de mãos dadas com a morte do outro. Homicídio e suicídio são realizados no mesmo ato. [...] Se observarmos a partir da perspectiva da escravidão ou da ocupação colonial, morte e liberdade estão irrevogavelmente entrelaçadas. Como já vimos, o terror é uma característica que define tanto os Estados escravistas quanto os regimes coloniais tardo-modernos. Ambos os regimes são também instâncias e experiências específicas de ausência de liberdade. Viver sob a ocupação tardo-moderna é experimentar uma condição permanente de “estar na dor”: estruturas fortificadas, postos militares e bloqueios de estradas em todo lugar; construções que trazem à tona memórias dolorosas de humilhação, interrogatórios e espancamentos; toques de recolher que aprisionam centenas de milhares de pessoas em suas casas apertadas todas as noites desde o anoitecer ao amanhecer; soldados patrulhando as ruas escuras, assustados pelas próprias sombras; crianças cegadas por balas de borracha; pais humilhados e espancados na frente de suas famílias; soldados urinando nas cercas, atirando nos tanques de água dos telhados só por diversão, repetindo slogans ofensivos, batendo nas portas frágeis de lata para assustar as crianças, confiscando papéis ou despejando lixo no meio de um bairro residencial; guardas de fronteira chutando uma banca de legumes ou fechando fronteiras sem motivo algum; ossos quebrados; tiroteios e fatalidades – um certo tipo de loucura. Em tais circunstâncias, o rigor da vida e a dureza da necessidade (julgamento por morte) são marcados pelo excesso. O que liga o terror, a morte e a liberdade é uma noção “extática” da temporalidade e da política. O futuro, aqui, pode ser autenticamente antecipado, mas não no presente. O presente em si é apenas um momento de visão – visão da liberdade que ainda não chegou. A morte no presente é mediadora da redenção. [...] a noção de biopoder é insuficiente para explicar as formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte. [...]. Trechos extraídos da obra Necropolítica (n-1, 2018), do historiador, filósofo e cientista político camaronês Achille Mbembe, pressupondo que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer, e que, por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais, ou seja, exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder. Veja mais aqui.

A POESIA DE OSVALDO ALCÂNTARA
A SERENATA: Vestida de gemidos de bordão, / lancinâncias de violino, / na noite parada / vem descendo a seresta. / Sumiu-se a cidade barulhenta /inimiga das crianças e dos poetas. / Uma voz canta sentimentalmente um samba. / Aquele aperto de mão / não foi adeus! / Os cavaquinhos desmaiam de puro sentimento, / a cidade morreu lá longe, / e a lua vem surgindo cor de prata. / Nessa história de amor todos são iguais, / até o rei volta sua palavra atrás… / O meio tom brasileiro deixa interrogativamente a sua nostalgia. / É hora que os poetas escolheram / para a procura dos seus mundos perdidos… / Amanhã a cidade virá novamente / inimiga dos poetas. / Mas agora ela dorme, / ela não sabe que os poetas falam com Nossenhor, / com a lua e as estrelas, / nesta hora tão lírica… / Menina romântica, irmã / das crianças e dos poetas… / A tua janela, florida de esperanças, / é um mistério que a cidade não entende. / Passa a serenata. / Mas no coração dos que temem a primeira luz do dia que vai chegar / ficam os gemidos do violão e do cavaquinho, / vozes crioulas neste noturno brasileiro / de Cabo Verde.
MAR: És estrela e única vida. / Vida que sobe das esquinas ocultas / no mar sem águas, no mar / com águas sem sal que vêm a diluir-se / lá do fundo das distâncias mágicas! / Vida para quê? / Ó distância da vida pouco e pouco escoando-se. / Mistério do caminho cada vez mais certo? / E as auroras que eu via / e nelas me alava para as viagens futuras! / Mas não esta viagem em limite, / de passadas mutiladas. / Mar, tu és o que fica.
OSVALDO ALCÂNTARA - Poemas do poeta, advogado, filósofo e professor cabo-verdiano Osvaldo Alcântara (pseudônimo de Baltazar Lopes da Silva – 1907-1989), autor de obras como Chiquinho (1947); O Dialeto crioulo de Cabo Verde (1957), Cabo Verde visto por Gilberto Freire (1956) e Antologia da ficção cabo-verdiana contemporânea (1960), Praia, Cabo Verde, 1960.
&
DOIS POEMAS DE PRISCILLA CAMPOS
PÁSSARO VERMELHO: registro na imagem: / a cidade envelheceu / cinco ou seis anos / desde que a última ave / migratória deixou o porto / meço o tempo pelo voo / dos que não pretendem ficar / porque os pássaros sabem / melhor do que nós / o ritmo da memória / e as chances de saída / não sei o nome das árvores / ainda vivas graças à / boa vontade do homem tonto / chefe das faixas de areia / deste litoral ou quantas / braçadas podem salvar / o banho de mar / da morte por mordidas / mas sei que você entende quando / eu sinto a estranheza do vento / bem na beira dos meus olhos /massas de ar atravessam os corpos / no mesmo movimento invisível / não importa se estamos na janela / do abismo ou daquele hotel uruguaio / onde você me disse olha o mundo / como quem não volta nunca mais / e eu segui mirando o seu rosto / entre o reflexo da rua escura / e a revoada das aves bem sucedidas.
II: tenho lavado as mãos com água fria / torneiras não funcionam como antes / e as partes mais altas dos edifícios / começam a pender para os lados / eu sinto receio que os moradores / também comecem a viver um pouco / tortos um pouco elásticos imagina / os talheres todos juntinhos / de um único lado da cozinha / imagina eu e você tendo que contar os / passos em direção ao quarto porque / agora em um trecho do caminho / nós vamos engatinhar até / a cama e quando deitados / já não sei em que lado do beijo eu fico / ou qual a melhor perspectiva para que / eu veja os seus braços livres / te observar em movimento será sempre / alterado pela envergadura das janelas / vamos aprender também a tecer / outro membro como as caudas / dos escorpiões: perder-se em fuga / para retornar em veneno / e talvez então assim seja possível / continuar a quase cair pela casa / não sentir falta da potência / das torneiras / luísa tem os olhos da sua tia / e me pergunta o porquê / de enxergar tudo meio em / “cambalhota” / mãe eu vejo você no chão e no / teto ao mesmo tempo / eu dou risada e continuo / engatinhando contigo / te peço que mais tarde / por favor equilibre / a sua mão na minha bunda / da maneira que você desejar.
PRISCILLA CAMPOS – Poemas da poeta, jornalista e mestre em Teoria da Literatura pela UFPE, Priscilla Campos. Veja mais aqui.

A ARTE DE ALLAN KAPROW
A linha entre arte e vida deve ser mantida o mais fluida e talvez indistinta possível. Não é o que os artistas tocam que conta mais. É o que eles não tocam. O problema com a arte artística, ou mesmo doses de arte artística que ainda persistem na arte realista, é que ela enfatiza demais o discurso dentro da arte.
ALLAN KAPROW - A arte do pintor assemblagista estadunidense e pioneiro do conceito de performance, Allan Kaprow (1927-2006), que auxiliou no desenvolvimento de teorias e conceitos sobre ambiente e Happening entre os anos 1950/60, com práticas que ele denominou de “atividades” com exame de comportamentos e hábitos do cotidiano, influenciando Fluxus, performance e artes de instalações.
&
A ARTE DE KATIA MACIEL
Histórias inacreditáveis são experiências que todos vivem e, portanto, o que é ficção e o que não é, fica ao gosto do espectador que às vezes somos de nós mesmos.
KATIA MACIEL - A arte da premiada poeta, artista visual, pesquisadora e professora Kátia Maciel, que é graduada em História pela PUC-RJ, mestrado na École des Hautes Études em Sciences Sociales, doutorado na Escola de Comunicação da UFRJ e pós-doutoramento na Universidade de Gales, em Newport, e na USP. Sua arte é constituída das obras Suspense (2015), Répétiton (2014), Dois (2012), +2 (2011), Ondas (2009), Situação cinema (2007), Keep your distance (2005), Mantenha distância (2003), entre outras. Veja mais aqui.

PERNAMBUCULTURARTES
Por que nada permanece inteiriço / em sua casca, / protegido? / um dia racha / e pela fenda / passam peixes e navios / fantasmas que na noite ganham vulto: / fogo, chama, fumaça / nada permanece inteiro / tudo se esgarça / assim é o intervalado texto do destino, / forrando a mesa / por que não se estende eterno, / se é tão fino? / por que não dura a inteireza?
Poema da premiada poeta e professora Elizabeth Hazin, autora de Poesias (1974), Verso e reverso (1977), Casa de Vidro (1981), Espelho meu (1985), Martu (2006), o arqueiro e a lua (1994), entre outros. Ela é graduada em Letras pela UFPE, mestrado em Letras pela UFPE, doutorado em Letras pela USP, pós-doutoramento pela Università di Roma La Sapienza e USP, coordena o Grupo de Pesquisa (UnB) Estudos Osmanianos: arquivo, obra, campo literário.
&
A obra de Ariano Suassuna (1927-2014) aqui.
Uma cidade feliz. E gorda, do premiado escritor, crítico, editor e jornalista pernambucano Raimundo Carrero aqui.
A arte do artista visual Silvio Hansen aqui, aqui e aqui.
A música de Lucinha Guerra aqui & aqui.
Quipapá: fases e aspectos de suas histórias, do médico, escritor e pesquisador de José Vicente Valença Junior (1900-1976) aqui.
&
Brincar para aprender aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.