terça-feira, setembro 03, 2019

VIVALDI, RUY GUERRA, NEZAHUALCÓYOTL, COMTE-SPONVILLE & LUO LI RONG


ANNINA DE VIVALDI – Annina, amada minha! Guardo comigo a sua inocência e formosura, uma escolha que não deve ser ignorada nesse mundo cruel de intrigas, dramas, máscaras e carnavais. Tenho todos os meus pecados, minha La Mantovana de Mântua, como seu Sacerdote Vermelho sou levado pela verdadeira natureza do amor e da esperança. A minha alma guarda a sua, minha prima donna do orfanato La Pietà, a sua alegria contagiante me salva das frivolidades do mundo, dos rumores espúrios e do perfume dos escândalos. E me livra mais do aperto no peito, a me inebriar com sua presença embaixo do mesmo teto, onde celebro a nossa verdadeira missa. Quero estar ao seu lado em todos os seus triunfos e desesperos, incertezas e sombras. Para tanto, dou-lhe todas as árias para embalar seu sonho, minha musa e companheira para todo o resto da minha vida. Por você sou vivo, vivace, escrevo e reescrevo a minha loucura, retomo e refaço para buscar o lirismo no paraíso da sua paz. Dou-lhe as quatro estações, toda a glória, tudo que é mais sagrado em meu coração. Dou-me e tudo que tenho é a sua alegria. Estou cansado de sacralizar a mentira cristã, profano a vida, a música e o seu corpo: Nulla in mundo pax sincera. Não tenho mais chão, nem vintém, só o inexplicável silêncio milenar. Deixo a minha obra escondida em uma despensa mofada e acumulada de poeira secular. Sou em você mais que a vida, o meu desígnio; dou-me, enfim, para que me tenha eternamente seu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: Para livrar seus filhos desses vícios e calamidades, faça-os dar virtudes e empregos quando crianças. Que seu coração se endireita: ninguém aqui viverá para sempre. O guerreiro mais poderoso é aquele que consegue se derrotar. Pensamento do filósofo e poeta asteca Nezahualcóyotl (1402-1472). Veja mais aqui & aqui.

ALGUÉM FALOU: [...] Para quem perdeu o que mais amava no mundo - o filho, a mãe, o homem ou a mulher de sua vida...-, a ferida é, ao pé da letra, insuportável, não pelo fato de que nos mata (embora às vezes mate), mas pelo fato de que torna a própria vida atrozmente dolorosa, em seu âmago, a tal ponto que o horror ocupa todo o espaço psíquico disponível, tornando a alegria (e até, nos primeiros tempos, o repouso) como que impossível para sempre. Para sempre? É pelo menos esse o sentimento que se tem no início, e que a vida desmente, claro, que a vida felizmente desmente. O trabalho do luto, como diz Freud, é esse processo psíquico pelo qual a realidade prevalece, e cumpre que ela prevaleça, ensinando-nos a viver apesar de tudo, a usufruir apesar de tudo, a amar apesar de tudo: é o retorno ao princípio de realidade, e o triunfo, por isso – a princípio modesto!-, do princípio de prazer. A vida prevalece, a alegria prevalece, e é isso que distingue o luto da melancolia. Num caso, explica Freud, o indivíduo aceita o veredicto do real -"o objeto já não existe"-, e aprende a amar alhures, a desejar alhures. No outro, ele se identifica com aquilo mesmo que perdeu, há tanto tempo, e ele era tão pequeno, e se encerra vivo no nada que o obceca. [...]. Alguma coisa se inverte aqui; o luto (a aceitação da morte) pende para o lado da vida, quando a melancolia nos encerra na mesma morte que ela recusa [...]. Trechos extraídos da obra Bom dia, angústia (Martins Fontes, 1997), de do filósofo francês André Comte-Sponville. Veja mais aqui.

O CINEMA DE RUY GUERRA
Queria ser poeta ou escritor para cantar a vida,
não a falsa vida dos salões de baile, do luxo, da riqueza,
nem é a da minha alma em sobressalto,
porque uma vida, nem vida é, e a outra a mais ninguém interessa do que a mim.
Queria cantar a vida dura dos que trabalham pelo pão de cada dia,
a vida dos sem lar, dos sem pão, dos sem conforto, a vida da pobreza e da miséria.
Queria cantar essa Vida.
Queria que esse canto mostrasse aos que a fingem ignorar
os seus trabalhos, lutas, anseios e tristeza,
fazer sofrer pelo pensamento aos que não a querem ver, o que aos outros marca a carne também,
que lado heroico da dor, revolta, desespero, esperança,
mas eu não sou poeta, nem escritor.
Não sei gravar no papel virgem os sentimentos, por vezes fatalista, dessa gente;
não sei se iria sentir talvez aquilo que eles sentem, oh, não sei não,
mas se soubesse esse hino seria belo como nenhum outro,
mas não seria meu, seria deles todos
As suas vozes seguras espalhadas aos quatro ventos,
mas unidas nesse canto de resgate, de vida a apodrecer em vida.
Eu tinha sido um porta voz apenas,
mas podia então viver que já vivia, pude então morrer que não morria,
era poeta, escritor e mais ainda tinha liberto a Vida.
RUY GUERRA – Poema Ode, (Mocidade Portuguesa, 1947), do cineasta, escritor, dramaturgo e professor moçambicano radicado no Brasil, Ruy Guerra, que entre outros filmes, dirigiu o premiado Os deuses e os mortos (1970), contando a história sobre a batalha entre um Homem, um aventureiro sem nome, que se intromete na luta entre dois clás de grandes coronéis pela posse da terra do cacau, uma luta sem vencedores, um banho de sangue que também lhe custa a vida; Erêndira (1983), baseado em narrativa de Gabriel Garcia Marques, contando que ela vivia com sua avó, quando um descuido da menina fez com que a casa pegasse fogo, resolvendo a ansiar puni-la pelas perdas prostituindo-a; o drama Kuarup (1989), baseado na obra Antonio Callado, contando a história de um padre missionário no Alto Xingu e deixa o sacerdócio para se tornar indigenista na luta contra o golpe de 1964; e o musical Ópera do Malandro (1985), adaptado da peça teatral de Chico Buarque, contando a história de um malandro nos anos 40, explora uma cantora de cabaré e vive de pequenos truques enganadores, até surgir a filha do dono do cabaré que pretende tirar proveito da guerra de contrabando. O cineasta em crônica publicada em jornal de grande circulação nacional, em 1996, assinalou que: Um brasileiro alegre é um pleonasmo. Em parceria com Chico Buarque, ele escreveu a pela teatral Calabar: o elogio da traição (Civilização Brasileira, 1976). Veja mais aqui & aqui.

ARTE DE LUO LI RONG
A arte da artista e escultora chinesa Luo Li Rong. Veja mais aqui.

A OBRA DE VIVALDI
Chegou a primavera e os pássaros o cumprimentam com um canto alegre, enquanto as fontes, com as respirações do zéfiro, correm com doce murmúrio...
Os sentimentos humanos são difíceis de prever. Não há palavras, apenas música.
A obra do compositor italiano Antonio Vivaldi (1679-1741) aqui e aqui.
PS: Grande parte da obra de Vivaldi é dedicada à musa amada, a mezzo soprano italiana Anna Girò (Anna Giraud La Mantovana que também se assinava Anna Maddalena Tessieri– 1710-1748), para quem ele escreveu vários papéis de ópera, tornando-se a prima donna em apresentações ao longo de sua carreira. Sobre essa relação foi publicada a obra The Red Priest's Annina: A Novel of Vivaldi and Anna Girò (Bel Canto Pree, 2009), da escritora e historiadora Sarah Bruce Kelly.