quarta-feira, outubro 29, 2014

GERALDINE BROOKS, RACHEL CORRIE, HOBHOUSE, CHARLES WILLIAMS, SALIE NICHOLS, FANNIE PERKINS & LITERÓTICA

 


UM LOUCO AMOR... – Ao vê-lo brilhando no palco por cenas engraçadas, logo ela estremeceu. Era ele bulindo no seu coração. Ao final do espetáculo seguiu para o camarim e na fila ele a viu e logo aproximou-se: Sou primo do velho Sábio! Disse-lhe com ares de andarilho enérgico, como quem chegasse varrendo tudo à frente, levando tudo de roldão com seus ventos fortes.  Beijou-lhe as faces e saiu. Alguém na fila logo insinuou: Manter um louco por perto afasta o mau-olhado. Ela sorriu com o gracejo. Advertiram cochichando: É um embusteiro. Ele ficou séria reprovando a insinuação. Abandonou a fila e dirigiu-se de volta para sua residência. No meio do caminho sentiu passadas ao seu encalço. Era ele risonho: Vai pra onde, moça? Sou um pobre diabo na dança da vida dos grandes trunfos de Charles Williams e perseguindo seus passos. Como assim? Deixe-me apresentar: Sou Le Fou: Eu sou luz e viajo leve... Cheguei de Marselha! O espalhafato dele parecia invadir suas entranhas de forma gostosa. Chamou-a de Squeaky Fromme. E repetiu silabicamente: Lynette Alice Squeaky Fromme. E acrescentou: Agora dará certo. Sou il Matto. Ela sorria sem entender nada daquilo tudo. Ele então com um ar enigmático e ubíquo fez-se príncipe Mishkin do Idiota de Dostoiewsky: Oh! Tempo é que não me falta; é inteiramente propriedade minha... E firmou seus olhos no dela: Tens a beleza enlouquecedoura de Nastácia Filíppovna. E a seduziu convencendo-a de que foi tocado pela mão de Deus. Continuaram às passadas e ele mais incisivo: Sou de Tarocchi, bem recebido em toda parte! Sabe o que é? Não. Sou Coringa: sei todas as faces do diabo! Estou nos dois mundos de Puck e com o rei Oberon e, quando quero, sou o bobo do Rei Lear de Shakespeare: Tenho os ossos do universo e o Ovo do Mundo! Ela espantava-se com loquacidade dele, abrindo bem os olhos, admirada. Aquilo tudo para ela ere muito encantador. E seguiram dela nem notar direito os passeios por Stonehenge, pela Hagia Sophia e o Templo de Delphos. Disse-lhe Lao-tzu: Nós fazemos vasos de barro, mas a verdadeira natureza deles está no vazio interior... Ela estava encantada com sua fanfarrice e mais ainda com os ensinamentos Ouroboros: Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em parte alguma. Vamos? Pra onde? Quem não tem meta fixa nunca perde o caminho. Ela olhou de lado e era como se estivesse no salão de um castelo escuro. Como chegamos aqui? Ele estalou os dedos, as luzes acenderam; novamente os dedos, fez-se escuridão: apenas um raio de luar sobre as faces deles. Ele sorrateira e diligentemente de forma enfeitiçante desabotoou cada um dos botões de sua blusa e a retirou para contemplar seus atraentes seios rijos. Tocou delicadamente o bico de um seio e a sentiu estremecer fechando os olhos como resignada refém. Deixou-a apenas com a sua longa saia vermelha, afastando-se para admirá-la, entregando-se um buquê de flores, ornou-a com uma coroa de flores à cabeça e, ao seu pescoço, colocou-lhe um cordão com uma insígnia realçada entre os seios nus. Ajoelhou-se aos seus pés e com juras desmesuradas prometeu ensinar-lhe a voar com salvo-conduto sagrado pelo universo num tapete mágico que a presentearia tão logo anuísse com todo o seu ritual. Sorridente e com nuto positivo ela deixou-se levar. Ele fez-se The Pied Piper e expôs a flauta mágica de Papageno: Vamos pros jogos que a gente joga? Tomou-lhe as mãos e a fez amolegar seu sexo sussurrando-lhe ao ouvido: Você é a minha coringa, verá minha face idiota risonha ao espelho. Sejamos loucos pelo amor de Jesus. Fez-se bufão despudorado e enredou-a nas cenas do Parsifal de Wagner, pelas colinas do Monte Salvat, como se fosse um cavaleiro do Santo Graal: Vamos ao jardim mágico do mago negro Klingsor! Ela segurava seu pênis enquanto ele estertorava ferindo cisnes no ar. Estava seduzido por ela: Você é a escrava amazona Kundry. Ousou beijá-la novamente para se desviar das lanças que destruíram o castelo mágico. Entre os escombros ele afastou-se descendo degraus, tocou-lhe os pés e suas mãos se atreveram a contornar suas pernas trêmulas por baixo da saia, alisando os joelhos à mostra e intrometendo-as entre as coxas dela, alisando sua calcinha escarlate, cuidadosamente removida para cheirar o aroma de sua intimidade e guardá-la ao bolso. Desabotoou então as presilhas da saia para desnudá-la e nela fez a festa da epifania The Swabian-Alemannic Fastnacht, e celebrou a Mardi Gras, fez do seu corpo as ruas de Hamelim e envolveu-a numa onírica viagem ao Getsêmani para ser azeitada por sua prensa no jardim ao sopé do Monte das Oliveiras. E ela suou o sangue em grandes gotas a correrem até o chão. Estava premiada com a fertilidade quebrando seus votos de castidade. Disse-lhe ele sussurrante que ali se tornara imortal: Alguém lá em cima está do meu lado, sou agora mais amigo de Deus. Veja mais aqui.

 


DITOS & DESDITOS - A maioria dos problemas do homem neste planeta, na longa história da raça, foram enfrentados e resolvidos, parcial ou totalmente, através de experiências baseadas no bom senso e realizadas com coragem. Não é da natureza do homem, a meu ver, estar sempre bastante satisfeito com o que tem na vida... O contentamento tende a gerar relaxamento, mas um descontentamento saudável mantém-nos alertas às novas necessidades do nosso tempo... A porta poderia não ser aberta novamente para uma mulher por muito, muito tempo, e eu tinha uma espécie de dever para com outras mulheres de entrar e sentar na cadeira que foi oferecida, e assim estabelecer o direito dos outros por muito tempo e muito distantes na geografia para sentar nos assentos altos. Feminismo significa revolução e eu sou uma revolucionária. A acusação de que sou mulher é incontestável... Pensamento da socióloga estadunidense Fannie Perkins (1880-1965).

 

ALGUÉM FALOU: Um grande número de pessoas amontoadas em pequenas tendas: alguns doentes, alguns moribundos, ocasionalmente um morto entre eles; rações escassas distribuídas cruas; falta de combustível para cozinhá-los; falta de água para beber, para cozinhar, para lavar; falta de sabão, escovas e outros instrumentos de limpeza pessoal; falta de roupa de cama ou de camas para manter o corpo longe da terra nua; A conclusão é que todo o sistema é cruel e deveria ser abolido. Trecho do relatório Para o Fundo de Socorro SA, Relatório de uma visita aos campos de mulheres e crianças nas Colônias do Cabo e do Rio Orange (1901), escrito pela enfermeira e ativista britânica Emily Hobhouse (1860-1926), durante a Guerra Anglo-Boer. Veja mais aqui.

 

OS GRANDES TRUNFOS – […] Nada era certo, mas tudo estava seguro – isso fazia parte do mistério do Amor. [...] São mãos lindas; embora tenham arruinado o mundo, são mãos lindas. [...] Toda beleza retorna. Espere um pouco. [...] é chamado de Louco porque a humanidade julga tratar-se de loucura até conhecê-la. É soberano ou não é nada e, se não for nada, o homem nasceu morto. [...] Diz-se que o embaralhar das cartas é a terra, e o bater das cartas é a chuva, e o bater das cartas é o vento, e o apontar das cartas é o fogo. Esse é um dos quatro naipes. Mas dizem que os Grandes Trunfos são o significado de todo o processo e a medida da dança eterna.[...]. Trechos extraídos da obra The Greater Trumps (Victor Gollancz, 1932), do escritor britânico Charles Williams (Charles Walter Stansby Williams – 1886-1945), uma narração vívida e apaixonada de uma tentativa de usar as cartas originais do Tarô para descobrir o significado de todos os processos cósmicos, tanto microscópicos quanto macroscópicos, que o autor chama de "A Dança da Vida". Uma advertência do autor: O uso egoísta e egocêntrico dessas imagens arquetípicas mostra-se desastroso; seu uso adequado revela o Amor no cerne da Dança. As decisões dos protagonistas de aceitar ou rejeitar o Amor onipresente como o centro de todo o ser tornam-se o foco para a conclusão dramática do romance, ao longo do qual explora dois dos principais temas de seus escritos - o Caminho da Afirmação e o Caminho da Negação.

 

BOBO DA CORTE & O LOUCO - [...] Era função do bobo do rei recordar-lhes as suas loucuras, a mortalidade de todos os homens e ajudá-lo a guardar-se do pecado da arrogância e do orgulho jactancioso. Um bobo quase idêntico ao rei não pode exercer adequadamente essas funções, nem pode afastar o “mau-olhado”. E, como o demonstrou a “tragédia de Watergate” do início dos anos setenta, uma corte composta inteiramente de pessoas que sempre concordam com o rei está destinada à ruína [...] Se dermos ao louco as boas-vindas ao nosso mundo, ele talvez nos ensine a voar e nos ofereça salvo-conduto para viagens semelhantes ao seu mundo, contanto, naturalmente, que o ajudemos a arrumá-lo um pouco. [...] A doença mental está aumentando num ritmo alarmante. Ironicamente, mas não inesperadamente, a coisa que mais temíamos desceu sobre nós. Paradoxalmente, o caminho para a verdadeira sanidade passa através da infantilidade e da loucura. [...] Como assinalou muitas vezes Margaret Mead, quem quer que tenha nascido depois da Segunda Guerra Mundial está ingressando num clima científico cultural desconhecido de seus pais e para eles sempre incognoscível. [...]. Trechos extraídos da obra Jung e o tarô: uma jornada arquetípica (Cultrix, 1980), da escritora britânica Salie Nichols. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

MARÇO - [...] Conhecer a biblioteca de um homem é, em certa medida, conhecer a mente de um homem. [...] Você continua. Você coloca um pé na frente do outro e, se uma voz fina grita, em algum lugar atrás de você, você finge não ouvir e segue em frente. [...] Eu não estou sozinho nisso. Eu apenas o deixei fazer comigo o que os homens já fizeram com as mulheres: marchar para a glória vazia e a aclamação vazia e nos deixar para trás para juntar os cacos. As cidades destruídas, os celeiros queimados, os animais inocentes feridos, os corpos arruinados dos meninos que geramos e dos homens com quem nos deitamos. O desperdício disso. Eu sento aqui e olho para ele, e é como se cem mulheres estivessem sentadas ao meu lado: a esposa revolucionária da fazenda, a camponesa inglesa, a mãe espartana - 'Volte com seu escudo ou sobre ele', ela gritou, porque era isso que se esperava que ela chorasse. E então ela se inclinou sobre o corpo quebrado do filho e as palavras viraram pó em sua garganta. [...]. Trechos extraídos da obra March (Penguin, 2006), da escritora australiana Geraldine Brooks.

 

DOIS POEMAS - I – Estou aqui por outras crianças. Estou aqui porque me importo. Estou aqui porque as crianças de todo o mundo estão sofrendo e porque quarenta mil pessoas morrem de fome todos os dias. Estou aqui porque essas pessoas são, em sua maioria, crianças. Temos de compreender que os pobres estão à nossa volta e que os ignoramos. Precisamos entender que essas mortes são evitáveis. Temos de compreender que as pessoas nos países do terceiro mundo pensam, preocupam-se, sorriem e choram tal como nós. Temos que entender que eles sonham os nossos sonhos e nós sonhamos os deles. Temos que entender que eles somos nós. Nós somos eles. O meu sonho é acabar com a fome até ao ano 2000. Meu sonho é dar uma chance aos pobres. Meu sonho é salvar as 40 mil pessoas que morrem todos os dias. Meu sonho pode e se tornará realidade se todos olharmos para o futuro e vermos a luz que lá brilha. Se ignorarmos a fome, essa luz se apagará. Se todos ajudarmos e trabalharmos juntos, ele crescerá e se libertará com o potencial de amanhã. II – Todos nascemos e um dia todos morreremos. Provavelmente até certo ponto sozinho. E se a nossa solidão não for uma tragédia? E se a nossa solidão for o que nos permite falar a verdade sem ter medo? E se a nossa solidão for o que nos permite aventurar-nos – experimentar o mundo como uma presença dinâmica – como algo mutável e interativo? Se eu morasse na Bósnia ou em Ruanda ou sabe-se lá onde mais, a morte desnecessária não seria um símbolo distante para mim, não seria uma metáfora, seria uma realidade. E não tenho direito a esta metáfora. Mas eu uso isso para me consolar. Para dar uma fração de significado a algo enorme e desnecessário. Esta realização. Essa constatação de que viverei minha vida neste mundo onde tenho privilégios. Não consigo resfriar águas ferventes na Rússia. Não posso ser Picasso. Eu não posso ser Jesus. Não posso salvar o planeta sozinho. Posso lavar louça. Poemas da ativista estadunidense Rachel Corrie (1979-2003), que era membro do Movimento de Solidariedade Internacional (MSI), e atuava nos territórios palestinos da Faixa de Gaza ocupados por Israel, quando foi emagada até a morte por uma escavadeira blindada israelense.

 

MAIS DICAS & HUMOROUTROS


E O DORO: BOM DILMA, GENTE!
– Na última semana ouvi tudo: maior barraco geral. Esta semana, não deu menos: só baixaria. Parece mais que tem gente feito o que o Doro diz: - “Quando pensa, peida. Quando fala, caga!”. Até ouvi o desaforo de que Pernambuco traiu a memória de Eduardo Campos. E foi o Doro quem enredou: - “Tumém, esse tarzinho de Aercio da Capitinga foi gruvernadô, senadô, deputadô e tudo o mais lá de dor nas Minas e nem lá ganhô! A Marina, coitada, pra mim si interrô-se de veizi, avalie! A genti dexa o PSDêBê-que-foi-pra-pqp-cum-Fegacê pra SumPaulo e pro Sú! Afora isso, nem aqui nem na China!”. Tá dito. Veja mais aqui e aqui.

PSICOLOGIA DA ARTE – Um livro mais que recomendável para quem milita na arte é Psicologia da arte, de Lev Semenovitch Vygotsky (Martins Fontes, 1999) que aborda o problema psicológico da arte, estética e teoria marxista da arte, psicologia social e individual da arte, psicologia subjetiva e objetiva da arte, método objetivo-analítico e sua aplicação, a arte como conhecimento, a arte como conhecimento, psicologia da forma, dependência em face da psicologia associativa e sensualista, a arte como procedimento, psicologia do enredo e da personagem, psicologia do formalismo, arte e psicanálise, a psicanálise da arte, análise da reação estética, análise da fábula, a novela, a tragédia, Lessing e Potiebnya, a fabula em poesia e prosa, alegoria, as fábulas de Krilov, a tragédia de Hamlet, a arte como catarse, a teoria das emoções e da fantasia, a lei do menor esforço, a teoria do tom emocional e da empatia, a lei da dupla expressão das emoções, psicologia do verso, heróis e personagens, o drama, o teatro, a pintura, a escultura, a arquitetura, arte e vida, teoria do contágio, sentido social da arte, arte e pedagogia, arte do futuro, entre outros importantes assuntos. Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

A ARTE DE ENVELHECER – Uma valiosa lição essa de Marco Túlio Cícero: “Assim como estimo um adolescente no qual se encontra algo de um velho, assim aprecio um ancião no qual se encontra alguma coisa de um adolescente; aquele que seguir esta regra, poderá ser velho de corpo, não o será jamais da alma”.

FAZENDO SEU ERRADO DAR CERTO – Uma leitura recomendável é a do livro Fazendo seu errado dar certo: um método simples para transformar problemas em soluções, de Dawna Markova (Summus, 2000), trata da cura como libertação, o eu limitado, momento decisivo, coração aberto, pensando para mudar, a mente mutável, aprendendo com as feridas, compaixão, tecendo um futuro possível, explorando padrões de prevenção, conexão com a comunidade, assumindo e encenando compromissos, integração por meio de símbolos e cerimônias, entre outros diversos assuntos.

OS IDEAIS E AS AMBIÇÕES – Já dizia Heniz Kohut: “O homem é conduzido por seus ideais e empurrado por suas ambições”.

DO PLAYBACK THEATRE AO TEATRO DE CRIAÇÃO – Uma dica de leitura é o livro Do playback theatre ao teatro de criação, de Albor Vives Reñones (Ágora, 2000), aborda temas como o diretor, aquecimento de atores e plateia, direção de cenas ou representando a história, atores e músicos, narração, musicalização, participar da representação, ensaios, multiplicações, ressonância, raízes e rizomas, trocas de experiências, reforçar a integração e a coesão do grupo, repertório de técnicas de impacto, música e teatro, arte dramática, composição, psicodrama, entre outros importantes assuntos. Veja mais aqui e aqui.

O FUTURO DE UMA ILUSÃO, DE SIGMUNDO FREUD - [...] A civilização humana, expressão pela qual quero significar tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de sua condição animal e difere da vida dos animais - e desprezo ter que distinguir entre cultura e civilização -, apresenta, como sabemos, dois aspectos ao observador. Por um lado, inclui todo o conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta para a satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos os regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns com os outros e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível. As duas tendências da civilização não são independentes uma da outra; em primeiro lugar, porque as relações mútuas dos homens são profundamente influenciadas pela quantidade de satisfação instintual que a riqueza existente torna possível; em segundo, porque, individualmente, um homem pode, ele próprio, vir a funcionar como riqueza em relação a outro homem, na medida em que a outra pessoa faz uso de sua capacidade de trabalho ou o escolha como objeto sexual; em terceiro, ademais, porque todo indivíduo é virtualmente inimigo da civilização, embora se suponha que esta constitui um objeto de interesse humano universal. É digno de nota que, por pouco que os homens sejam capazes de existir isoladamente, sintam, não obstante, como um pesado fardo os sacrifícios que a civilização deles espera, a fim de tornar possível a vida comunitária. A civilização, portanto, tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus regulamentos, instituições e ordens dirigem-se a essa tarefa. Visam não apenas a efetuar uma certa distribuição da riqueza, mas também a manter essa distribuição; na verdade, têm de proteger contra os impulsos hostis dos homens tudo o que contribui para a conquista da natureza e a produção de riqueza. As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram, também podem ser utilizadas para sua aniquilação. Fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. [...] Assim, a religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade; tal como a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai. A ser correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento, e nos encontramos exatamente nessa junção, no meio dessa fase de desenvolvimento. Nosso comportamento, portanto, deveria modelar-se no de um professor sensato que não se opõe a um novo desenvolvimento iminente, mas que procura facilitar-lhe o caminho e mitigar a violência de sua irrupção. Decerto nossa analogia não esgota a natureza essencial da religião. Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, num indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com um repúdio da realidade, tal como não encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, num estado de confusão alucinatória beatífica. Mas tudo isso não passa de analogias, com a ajuda das quais nos esforçamos por compreender um fenômeno social; a patologia do indivíduo não nos provê de um correspondente plenamente válido. [...] É possível que a educação libertada do ônus das doutrinas religiosas não cause grande mudança na natureza psicológica do homem. [...] Acreditamos ser possível ao trabalho científico conseguir um certo conhecimento da realidade do mundo, conhecimento através do qual podemos aumentar nosso poder e de acordo com o qual podemos organizar nossa vida. Se essa crença for uma ilusão, então nos encontraremos na mesma posição que você. Mas a ciência, através de seus numerosos e importantes sucessos, já nos deu provas de não ser uma ilusão. Ela conta com muitos inimigos manifestos, e muitos outros secretos, entre aqueles que não podem perdoá-la por ter enfraquecido a fé religiosa e por ameaçar derrubá-la. É censurada pela pequenez do que nos ensinou e pelo campo incomparavelmente maior que deixou na obscuridade. Nisso, porém, as pessoas se esquecem de quão jovem ela é, quão difíceis foram seus primórdios e quão infinitesimalmente pequeno foi o período de tempo que decorreu desde que o intelecto humano ficou suficientemente forte para as tarefas que ela estabelece. Não nos achamos todos nós em falta, ao basear nossos julgamentos em períodos de tempo que são curtos demais? Deveríamos tomar os geólogos como modelo. As pessoas queixam-se da infidedignidade da ciência, do modo como ela anuncia como lei hoje o que a geração seguinte identifica como erro e substitui por uma nova lei cuja validade aceita não perdura por mais tempo. Mas isso é injusto e, em parte, inverídico. As transformações da opinião científica são desenvolvimentos, progressos, e não revoluções. Uma lei que a princípio foi tida por universalmente válida, mostra ser um caso especial de uma uniformidade mais abrangente ou é limitada por outra lei, só descoberta mais tarde; uma aproximação grosseira à verdade é substituída por outra mais cuidadosamente adaptada, a qual, por sua vez, fica à espera de novos aperfeiçoamentos. Existem diversos campos em que ainda não superamos uma fase de pesquisa na qual fazemos experiências com hipóteses que em breve têm de ser rejeitadas como inadequadas; em outros campos, porém, já possuímos um cerne de conhecimento seguro e quase inalterável. Finalmente, tentou-se desacreditar o esforço científico de maneira radical, com o fundamento de que, achando-se ele ligado às condições de sua própria organização, não poderia produzir nada mais senão resultados subjetivos, ao passo que a natureza real das coisas a nós externas permanece inacessível. Mas isso significa desprezar diversos fatores de importância decisiva para a compreensão do trabalho científico. Em primeiro lugar, nossa organização - isto é, nosso aparelho psíquico - desenvolveu-se precisamente no esforço de explorar o mundo externo, e, portanto, teria de ter concebido em sua estrutura um certo grau de utilitarismo; em segundo lugar, ela própria é parte constituinte do mundo que nos dispusemos a investigar e admite prontamente tal investigação; em terceiro, a tarefa da ciência ficará plenamente abrangida se a limitarmos a demonstrar como o mundo nos deve aparecer em consequência do caráter específico de nossa organização; em quarto, as descobertas supremas da ciência, precisamente por causa do modo pelo qual foram alcançadas, são determinadas não apenas por nossa organização, mas pelas coisas que influenciaram essa organização; finalmente, o problema da natureza do mundo sem levar em consideração nosso aparelho psíquico perceptivo não passa de uma abstração vazia, despida de interesse prático. Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar. O FUTURO DE UMA ILUSÃO – A obra O futuro de uma ilusão, de Sigmund Freud, trata sobre a civilização humana, instinto, frustração, renúncias instintuais, privação, opressão, hostilidades, os ideais, a cultura, a satisfação narcísica e o ideal cultural, a arte e as satisfações substitutivas, educação, a humanização da natureza, o desamparo humano, o destino, os vales da civilização as ideias religiosas, o totemismo, a significação psicologia dos ideais religiosos, os ensinamentos da religião, as ilusões derivam do desejo humano, as doutrinas religiosas, o espírito científico, as leias e as convenções humanas, o pai primevo, entre outros assuntos. No mesmo volume encontram-se ainda O mal-estar da civilização, fetichismo, o humor, uma experiência religiosa, Dostoievski e o parricídio, alguns sonhos de Descartes, o prêmio Goethe, relação dos trabalhos de Freud que tratam da arte, literatura e teoria da estética, tipos libidinais, sexualidade humana e breves escritos. REFERÊNCI: FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Veja mais aqui e aqui.

O SEMINÁRIO – O EU NA TEORIA DE FREUD E NA TÉCNICA DA PSICANÁLISE, DE JACQUES LACAN - O livro O seminário o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise, de Jacques Lacan, trata inicialmente acerca da psicologia e metapsicologia, a verdade e saber, o cogito dos dentistas, a crise de 1920, a natureza do eu, origem da linguagem, Sócrates, a literatura, Descartes, a cacofonia teórica, além do princípio do prazer. Em seguida trata do saber, verdade, opinião, a psicanálise e seus conceitos, forma e símbolo, Péricles psicanalista, instinto e o simbólico. Logo após trata de além do principio do prazer, a repetição, o universo simbólico, diálogos sobre Lévi-Strauss, a vida e a máquina, Deus, a natureza e o símbolo, o imaginário material, o dualismo freudiano, uma indefinição materialista do fenômeno da consciência, a vivência e o destino, o núcleo do ser, o eu é um objeto, fascinação, rivalidade, reconhecimento, as resistências, a família, homeostase e insistência, idolatria, autocontagem do sujeito, heterotipia da consciência, análise do não eu é análise do inconsciente ao avesso, Freud, Hegel, a máquina, o instinto de morte, racionalismo de Freud, alienação do sonho, a psicanálise não é um humanismo, Freud e a energia, o circuito, Maurice Merleau-Ponty e a compreensão, conservação, entropia, informação, princípio do prazer e princípio da realidade, a aprendizagem do Griboville, reminescencia e repetição, Kierkgaard, introdução ao Entwurf, sobre o nível das reações psicossomáticas, o real é sem fissura, a redescoberta do objeto, jogo de escrituração, loucura não é sonho, quatro esquemas, oposição e mediação, o processo primário, a entificação da percepção-consciência, da Entwurf à Traumdeutung, a entropia ao pé da letra, os paradoxos de ômega, tudo está sempre aí, sonho e sintoma, a conversa com Fleiss, a censura não é resistêcia, a mensagem como discurso interrompido e que insiste, o rei da Inglaterra é um babaca, Freud e Fechner, os embaraços da regressão, paradoxos dos esquemas freudianos, percepção e alucinação, função do ego, o sonho da injeção de Irma, o imaginário, o real e o simbólico, par ou impar, para além da intersubjetividade, um quod derradeiro, a máquina que joga, memória e rememoração, introdução à carta roubada, perguntas àquele que ensina, o discurso comum, a realização de desejo, o desejo de dormir, o verbo e as tripas, a questão do realismo, o desejo, a vida e a morte, a libido, desejo sexual, instinto, resistência da análise, o para além de Édipo, a vida só pensa em morrer, introdução do grande outro, a paranoia pós-analítica, o esquema em Z, para além do muro da linguagem, para se formam os analistas, a análise objetivada, critica a Fairbain, a fala na análise, economia imaginária e registro simbólico, o universo irracional, sósia, o marido e a mulher, a mulher objeto de troca, o eu que boto pra fora, desdobramento obsessivo, o apólogo do marciano, o apólogo dos três prisioneiros, psicanálise e cibernética ou da natureza da linguagem, a.m.a.s, verbum a dabar, a máquina e a intuição, esquema do tratamento, o libidinal e o simbólico. REFERÊNCIA: LACAN, Jacques. O seminário: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. Veja mais aqui, aqui e aqui


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