segunda-feira, junho 23, 2025

KALIANE BRADLEY, CAROLINA SAMPAOLI, SALLY JOHNSTON & ORIANA DUARTE

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Low End (Live Big Ears Festival 2022), Tornasol (2021), Campos Flotantes (2024), Sinfonía Isleña (2023) e The Place We Are (2014), da performática compositora e muti-instrumentista porto riquenha Angélica Negrón, que integra a banda Balún e é artista residente no National Sawdust trabalhando na ópera de dublagem labial, Chimera, atua como professora no programa Very Young Composers da Filarmônica de Nova York e do Lincoln Center Education.

 

Uma noite longa, solstício de inverno... - Que bom! Salve! De antemão: meu beijabração por recepção. Achegue-se! Pra começo de conversa: se chegou aqui é porque teve alguma indicação. Não acredito em acasos, digo logo. Do contrário, assim mesmo: venha! Sei que a gente nem pode pular o muro alto do vizinho, um cachorro daqueles bem brabo nos espera, né? Um vexame! Muito menos atravessar a porta fechada de quem mora ao lado. Uma barra. Sou da vida conversável do Agostinho: “Magia incandescente do verbo”. E como Descartes: converso com livros. Mas vem cá (só puxando assunto pro maior palratório ou dedinho de prosa que seja), para abrideira pode vir com aranzéis de taramelas, de não parar o badalo, nem fechar a matraca contando hestórias de assombrações ou de petas galrões com a maior prolixidade, viu? Proponho pro bate-papo: como as coisas funcionam ao seu modo de ver? Pode abrir suas experiências, se quiser, estreitando o compadrio com potocas loquazes. Ou levar um lero facundo sobre a papagaiada de gaiatos linguarudos, a lorotagem dos caboetas ou dos que arremedam como os metidos a crisóstomos doctiloquentes, dos chatos de galocha com seus carões homiléticos – cada qual sua certeza inabalável, irredutível! Valho-me daquela do Quinus Horacius: tô só cutucando, sabe? Talvez melhor um colóquio sobre umas e outras, perdão e esgares, o lema do desatino entre os dentes e o despudor de epístolas e pistolas, que venham nas fronteiras da convivência; ou uma confabulação sobre hematomas herdados nos desmentidos fraudulentos, das consequências invertidas no desamparo das subnotificações e estatísticas manipuladas, ou mesmo um diálogo sobre fobias ou síndrome do pânico, psicoses, atrofias, de tudo fora da órbita, coisas assim, fazer o quê? Ou ficar com o fôlego suspenso acaso os detalhes por minúcias nos levem a entender que desde que o mundo é o que é, entre o verossímil e o sofismável, as ressalvas e os remendos, as gambiarras, e não perder o fio da meada, apesar dos pesares, conquanto, se puder relaxe, compareça e mande ver nas patranhas, pilhérias, vanilóquios, vale tudo! Com tanto que se sinta confortável. Querendo pode até se encolher, se estirar, ficar de bruços ou se espreguiçar num pufe ou numa poltrona, deitar na cama, plantar bananeira, ou ficar em pé secando os cambitos ou escorando-se na parede, atrepando-se num muro, cê que sabe! Onde estiver: no ônibus, montando um jegue, no trono do banheiro, de cabelo em pé por soltar uma flatulência inesperada, o crível na escusa e o mundo se desfazendo na incerteza. Taí. Há quem escolha episódios mais notáveis; outros, os mais pungentes, patéticos: ninguém está feliz com sua própria sorte, né? E o tempo volta de vez em quando só pra aumentar a desordem e a gente na indomável obstinação, a solidão insular, as façanhas inglórias, as coisas sempre nesse pé e a gente querendo fazer o melhor que puder. E ter de encarar a espessa poeira da recorrente ameaça de guerra há décadas e a qualquer momento: teibei! Aí é só os que viraram adubo, quem levou a melhor, penitências pro perecível: de mão em mão a última chance. Vírgulas e pontos, pelo menos. Se a barra tiver pesada a gente pode mudar de tema e você contar dos seus tédios, fadigas, angústias, lembranças flutuantes que se espatifaram ao espelho, a fuga dos solilóquios, os monólogos do umbigo, como transpôs seus precipícios, feridas reabertas, túmulos revolvidos, apaziguados, pelo menos. Olhe: não faça careta, vamos comer uma cocada que é bom! Aceita? As hestórias já contam por si, quem sabe, há sempre aquelas lacerações oriundas da pedra sobre o tutano das memórias apagadas de tudo, a felicidade ínfima além das galáxias. Do contrário, pode abordar, por exemplo, o que espera da vida, o descontrole e a impulsividade. Se puder nem tenha papas na língua e ponha a mão no fogo, defenda seu ponto de vista com o curso regular dos acontecimentos duplicados. Sei, segredos ao pé do ouvido, confiar em quem? Assim solte pinoias como quem bebeu água de chocalho, falatório pelos cotovelos, mímicas, onomatopeias, êpa! Ditos impublicáveis, lorotas verbosas, porque desse jeito a gente pode abusar de adágios tagarelas, clichês de boquirrotos e seja lá o que quem quer que seja quiser!!! Dê as caras, a gente pode se empolgar oxigenando no passeio, curtindo uma performance musical da Angélica Negrón ou, se for ao gosto ocasional, a Facilita do Ramalho no balanço do Gonzagão: Tataritaritatá!!!!... Pode balançar o esqueleto enquanto ouvimos sobre as viagens de Chimamanda Ngozi, ou do que procura Barbara Rachko, ou as atitudes de Catherine Millet, uns poemas da Carolina Sampaoli, da leitura que fiz do Mistério do tempo da Kaliane Bradley, ou dos estudos sobre a simbiossexualidade de Sally Johnston, apreciar a arte de Oriana Duarte, que tal? Ou mesmo da minha releitura desta semana: Se um viajante uma noite de inverno... Doidice? Ora! Quem goza de saúde mental nestes tempos, hem? Acertemos: doravante, duma coisa tenha certeza: aqui não tem Amanaci chamando chuva, nem relógio pra determinar calendário. A gente só tem o presente para se livrar das tentações do consumo, impaciente com uma fila que não anda, da depressão com o que passou e da ansiedade pelo que virá. Tudo passa. Aliás, já passou. Vale mesmo a interlocução, afinal uma boa conversa segura o mundo! Acho. E saiba: sua chegada é a maior festa, um prêmio com um rosário de alvíssaras, pelo menos pra mim. Salve! Volte sempre! Até mais ver.

 

Chimamanda Ngozi Adichie: Acho que você viaja para procurar e volta para casa para se encontrar lá... Veja mais aqui & aqui.

Barbara Rachko: As coisas com as quais você se preocupava se foram: algumas são esquecidas, outras são menos urgentes...Veja mais aqui.

Catherine Millet: As atitudes da sociedade em relação ao sexo são moldadas pelo medo e pela ignorância... A liberdade sexual é um direito humano fundamental... A sexualidade é fluida e está em constante evolução... O corpo é um campo de batalha, onde as expectativas sociais entram em conflito com os desejos pessoais... A satisfação sexual é uma necessidade humana básica... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

A MENINA NA JANELA - Eu observava sua silhueta atrás da cortina, borrada, ela se contorcia na redoma de vidro da noite. \ Ela cantava, embalando minhas dificuldades. A espuma cobria o esplendor de sua infância. Ela se encolheu diante do meu olhar profundo, suas maçãs do rosto rosadas, sua pele imaculada. Ela continuou cantando como se nada tivesse acontecido. Ela cantou seus versos para mim, me convidando para dançar com ela na água. \ Eu a segui desconfiado; seus olhos verdes poderiam ter sangrado sob aquela intimidação, mas ela se calou. Finalmente, um fluido incolor, a dança continuou embalando nossas línguas, ofegantes, movimentos descendentes, ascendentes, suspiramos em uníssono. \ Meus olhos não conseguiam captar uma paisagem tão deliciosa, a nudez completa de seu corpo escultural, o rugido de seu sexo, sua agitação digna, mas subestimada. \ Nós nos rendemos ao encontro, lambendo os contornos dos corpos um do outro. \ Ela nunca fechou suas luas brilhantes e encantadoras; ela teria ficado tonta neste caso. Ela me observou obscenamente, recomeçando de acordo com todos os seus desejos insensatos, dívidas ainda não quitadas.

OITAVO DIA - Vi, cheirei, toquei, senti a morte perto, muito perto. \ Seu olhar vazio de significado, seu perfume neutro, sua silhueta vazia. \ Elusiva, furtiva, como o suco diáfano que migra enquanto sua pele permanece. \ É o nada imutável, o silêncio absoluto, o esquecimento... \ Tudo o que é descrito é absorvido, toda forma perece, nem mesmo um sussurro de calma... Tudo o que posso nomear é inominável. \ Nada é nada... Ruído, tontura são irrelevantes na falta de memória... \ Desde que ela me beijou, temo os vivos... \ Suas propostas de flerte... \ Seu olhar que me faz evocar a espera das ondas se fundindo com o horizonte cinzento. \ O nascimento da onda perfeita sendo parte da imensidão. \ O surgimento de um ser de aço, pura magnificência, corrompendo meu corpo enquanto me cobre de espuma. \ Equilibro-me em sua força que me arrasta, em seu rugido, na música celestial que a solidão do oceano me dá... \ Renascido entre nós, cessando de reivindicar esta masturbação, \ entrego-me contigo para desfrutar desta vida terrena. \ Não escrevo mais... Vamos aproveitar? \ Dê-me a sua mão, pegue a minha, vamos rabiscar... Estou de volta, aqui.

Poemas da escritora e pintora argentina Carolina Sampaoli (María Carolina López Sampaoli).

 

O MISTÉRIO DO TEMPO – [...] Se você se apaixonar, será uma pessoa que estará apaixonada pelo resto da vida [...] O perdão, que te leva de volta à pessoa que você era e te permite redefini-la. A esperança, que existe em um futuro em que você é novo. O perdão e a esperança são milagres. Eles te permitem mudar de vida. Eles são viagem no tempo [...] Não quero parecer pessimista. Só o faço porque vejo o quão erradas foram minhas escolhas. Não faça assim. Não entre acreditando que você é um nó em um grande empreendimento, que seu passado e seu trauma definirão seu futuro, que os indivíduos não importam. A coisa mais radical que já fiz foi amá-lo, e eu nem fui a primeira pessoa nesta história a fazer isso. Mas você pode acertar, se tentar. Você terá esperança e foi perdoado. Perdão, que te leva de volta à pessoa que você era e te permite redefini-la. Esperança, que existe em um futuro no qual você é novo. Perdão e esperança são milagres. Eles permitem que você mude sua vida. Eles são viagem no tempo. [...] A vida é uma série de portas batendo. Tomamos decisões irrevogáveis todos os dias. Um atraso de doze segundos, um deslize, e de repente sua vida toma um novo rumo. [...] Você não pode tornar a vida à prova de traumas, e não pode tornar seus relacionamentos à prova de mágoas. Você tem que aceitar que causará danos a si mesmo e aos outros. Mas você também pode errar feio e não aprender nada com isso, exceto que estragou tudo. O mesmo acontece com a opressão. Você não ganha nenhum conhecimento especial sendo marginalizado. Mas você ganha algo ao sair da sua mágoa e examinar os andaimes da sua opressão. [...] O perdão e a esperança são milagres. Eles permitem que você mude de vida. São viagens no tempo. [...] Tudo o que já aconteceu poderia ter sido evitado, e nada disso aconteceu. A única coisa que você pode consertar é o futuro. [...]. Trechos extraídos da obra The Ministry of Time (Avid Reader Press/Simon & Schuster, 2024), da escritora e editora inglesa Kaliane Bradley (Kaliane Mong Huxham Bradley).

 

SIMBIOSSEXUALIDADE – [...] os participantes deste estudo descreveu um desejo por uma dinâmica, algo maior do que a soma das partes de um casal. [...] a simbiosexualidade oferecerá apoio a esta minoria sexual tanto nas comunidades especificamente formadas para apoiar pessoas - pessoas com orientações sexuais e de relacionamento marginalizadas (como a comunidade poliamorosa) e na comunidade tradicional configurações da comunidade [...] Concepções e suposições dominantes sobre sexualidade e desejo, incluindo mononormatividade, políticas de respeitabilidade em comunidades poliamorosas e concepções atuais de desejo no discurso ocidental, contribuem para a invisibilidade simbiossexual. Essa invisibilidade prejudica diversos grupos de minorias sexuais, especialmente mulheres e minorias de gênero dentro desses grupos. [...] A possibilidade de um poder erótico intensificado advindo da consciência e da abertura a múltiplas fontes de prazer, e até mesmo a múltiplas pessoas, ao mesmo tempo, não é nova no discurso sobre sexualidade [...] a simbiossexualidade permanece não reconhecida nas arenas científicas. Adotar o conceito de simbiossexualidade pode facilitar a expansão de conceituações teóricas sobre desejo e orientação sexual no campo da sexualidade humana. [...] Talvez, para alguns indivíduos, combinar desejos que se complementam ou atender a múltiplos desejos simultaneamente aumente a energia erótica e o prazer. Além disso, assim como as narrativas do Oriente Médio e dos povos indígenas sobre sexualidade e desejo oferecem diferentes concepções de desejo, talvez o reconhecimento do desejo simbiossexual possa facilitar as percepções individuais e acadêmicas de diferentes formas ou qualidades de desejo e atração. [...] Espero que o reconhecimento da simbiosexualidade possa oferecer validação e apoio a essa minoria sexual. [...] As premissas e concepções culturais dominantes sobre desejo e sexualidade funcionam para ignorar, obscurecer e/ou desvalorizar a simbiosexualidade. A mononormatividade (especificamente, a suposição da "correção" da dinâmica sexual e de relacionamento entre duas pessoas) contribui amplamente para o desvalor e o descrédito da simbiosexualidade. [...] Oferecer uma nova linguagem pode promover a autocompreensão e a autorrealização, o que, para alguns, pode incluir a adoção do termo simbiossexual ou a recuperação da identidade de unicórnio como descritiva de uma pessoa empoderada que experimenta desejo simbiossexual e prazer sexual com casais. [...]. Trechos extraídos do estudo Symbiosexual Attraction: An Integrated Mixed-Methods Study (PubMed/National Library of Medicine, 2024), da professora antropóloga e socióloga estadunidense, Sally W. Johnston, do Programa de Estudos sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade, da Faculdade de Artes e Ciências daUniversidade de Seattle, que ainda acrescenta: Precisamos repensar a natureza da atração e do desejo humanos como experiências apenas individuais. Também precisamos desafiar o estigma e a discriminação contra essa atração dentro da comunidade poliamorosa. Espero que este trabalho reduza o estigma em comunidades monogâmicas e não monogâmicas e expanda as conceituações de desejo nos estudos sobre sexualidade. Explica a professora que o conceito de simbiosexualidade surgiu de observações em discursos culturais e acadêmicos de que algumas pessoas são atraídas pelos relacionamentos entre outras pessoas, em vez de pelos próprios indivíduos. Apesar disso, o fenômeno permaneceu amplamente inexplorado, com a maioria das discussões sobre atração humana se concentrando na dinâmica individual. Indivíduos que sentem essa atração são às vezes chamados de "unicórnios" — um termo que descreve alguém disposto a se envolver em relacionamentos românticos ou sexuais com casais já estabelecidos.

 

A ARTE DE ORIANA DUARTE

[...] O trabalho com a escrita de si me levou a perder o preconceito e, mais do que preconceito, eu era muito reativa com o dizer-se, o lançar-se à própria história e às próprias aflições e instigações. Mas, a gente está viva, tá entendendo? Então, vamos olhar um pouco para essa vida, e o que essa vida nos proporciona. Então, eu perdi a vergonha de assumir que a vida é a mola dessas proposições todas. [...] Nesses anos que antecedem minha tensão com o corpo, vivi um luto muito dramático, que foi a perda da minha mãe, muito jovem, vivi o acompanhar do corpo que vai perdendo a vida, numa situação realmente limite, e é algo que é muito chocante. De fato, eu precisava ativar o corpo para poder viver a morte. Por exemplo, a Selvagem Sabedoria mesmo, a experiência de você estar lidando com uma cobra, viver trancada uma semana com a cobra só sentindo medo, sem conseguir fazer nada com essa cobra a não ser sentir medo. E tem uma imagem o tempo inteiro na sua cabeça, que é uma imagem que suscitava uma imagem da arte, um palimpsesto da arte. [...]. Como se só a arte pudesse estar ali convivendo com o medo [...] Uma fala que se posiciona no sistema, seja contra, seja a favor, seja escapando completamente... Eu estou no escape, estou cortando, eu estou transversalizando esse sistema. Que é o que mais incomoda, que é o que eu mais gosto também, que é de incomodar, que é uma atitude política. [...]. 
Trechos da entrevista concedida pela artista e professora Oriana Duarte (Oriana Maria Duarte de Araújo), que realiza suas pesquisas visuais e teóricas com foco principal voltado para o corpo humano, em especial o corpo feminino, investigando seu potencial simbólico e representativo dos pontos de vista de gênero e de modos de vida. A entrevista foi concedida para o estudo O discurso político do autorretrato em Oriana Duarte (Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica, 2020), de Ana Carolina Magalhães Salvi. A artista é autora das obras Dos heteróclitos como categoria de ação (Bienal de São Paulo, 2002), Usei meu corpo: das vísceras fiz sopa, dos membros fiz pontes (Congresso ABRASSE, 2008), Salto no Escuro: curadoria de arte como experimento (Funcultura, 2011), Plus Ultra: o corpo no limite da comunicação (PUC-SP, 2012), Nós, errantes: as travessias plus ultra de uma Artista Atleta (EdUFPE, 2913) e O entre arte e filosofia: um pensar sobre estilo de existência e vida de artista (Ecossistemas Artisticos – ANPAP, 2014). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

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