domingo, outubro 03, 2021

PAUL TILICH, DAVID MAMET, STEVE REICH & INCLUSÃO NA BIBLIOTECA.

 

 

TRÍPTICO DQP – Aporias entre o céu e a terra... - Ao som de Music for 18 Musicians (2011), do compositor estadunidense Steve Reich - Com o tempo dei de adormecer e, ao despertar, não saber em que espaço ou tempo esteja. Ou estou elouquecendo, tomara. Quem sabe, começando a caducar, pudera. Desta feita, não adiantou solfejar canção que fosse, estava como se tivesse envolvido na pele da trama de Oleanna (1992), do dramaturgo estadunidense David Mamet, e a sua filha Clara – face inspiradora nos lábios obscenos e voluptuosos - era a Carol a me seduzir na cena, como se fosse possível a duas pessoas estranhas conviverem juntas, avalie. E ela estivava nua numa cena escura do palco e se parecesse inteiramente com a atriz francesa Sophie Marceau, aquela mesma que povoava meus sonhos recorrentes e a nos engalfinhar nas onze histórias d’O vampiro e a polanquinha (1992) de Dalton Trevisan. Eu me levantei da poltrona, pisei o assoalho solitário por fragmentos de devaneios que surgiam do nada para orbitar minha existência insistentemente e me levasse a sucumbir no delírio onírico que se transformara em um filme, era só na minha cabeça e eu, um professor, ela minha aluna insinuante e linda, bálsamo para minha alma. Era teatro em toda parte com câmaras ligadas para qualquer projeção em que ela me acusava de assédio sexual, com suas frustrações por não entender o assunto dado em sala de aula e todos os dias ela lá. A desgraça é finalmente a dizer da tentativa de estupro e perco a cabeça. Depositei o que restava de mim sobre os braços à mesa, ela silenciosa, tocou-me e abri os olhos de repente e vi-a cantatriz encantadora, a me dizer Kierkegaard: Aquele que não se torna só consigo mesmo, ainda que mantenha silêncio, não o terá. O silêncio só é possível para aquele que, em verdade, torna-se só consigo mesmo. Olhei-a profunda e demoradamente, aquela tentação poderosa e eu me continha com todas as forças. Levantei-me, dei-lhe as costas e me distanciei o máximo que pude. Entre as coxias o filósofo alemão Paul Tilich (1886-1965), a me dizer que a solitude: é a glória de estar sozinho. Parei diante dele para ouvi-lo: O primeiro dever do amor é ouvir. A vida é dura... e nem sempre é justa. Mas isso não quer dizer que ela não possa ser boa, gratificante e prazerosa. Ainda há muitas razões para dizer sim à vida. Refleti um pouco e me conduzi para a saída do prédio, parturejar ideias no meio de demofóbicos, misóginos, quando não antrófobos com seus estressados bichinhos de estimação. Dei vazão às minhas bricolagens aporéticas. Ela seguia-me e era como se fosse a primeira promessa e o que não deu certo, o alivio da incolumidade. Não olhei para trás e segui: para quem vem ou vai: aporias entre o céu e a terra. Semáforos de sempre, vida adiante.

 


Mil dias depois da esculhambação... - Os tempos mudaram e tudo ficou muito assustador. Passou uma severa turbulência, a ponto de desnortear de sequer perceber janeiro com a posse “decente” e proclamadora do Coisonário, que se dizia Caminho da Prosperidade. Sabia que não era nada disso, nem foi, nem será; tudo fora muito bem manipulado nos últimos cinco anos, para consolidar o que já desconfiava. Do primeiro dia, entre o risível e o trágico, passou-se a vigir que se podia peidar à vontade, cagar só dia sim dia não, porque o ambiente ficou inflamável e encolheu a escola para pouquíssimos e começou o pipocado da festa dos ruralistas e assemelhados do Agro pop de agrotóxicos e pesticidas sem ambiente dos grandes da fraude piramidal e bleque-fridei, talkei? Com elas, outras determinações: não atrapalhe nem amole o professor ou o motorista que investiram no dólar e preferiram vender vacina com os pastores e a mãe num negócio da China, apadrinhado pelo Centrão nas relações exteriores e que não se teria mais shiTrump para pedir penico pro golpe no sonho do capitólio daqui. Também não se procurasse saber onde estivesse porque era frio de lascar de repente e um calor da peste, desabando com a prevaricação na fivela da Lava Jato e o juiz nem era herói e vazou e o racismo virou praga com sufocamento em Manaus e se o rio secou pro apagão da QAnon, era a vez da pandemia e uma quarentena interminável tomou conta de vez. Aí a coisa empenou: deu de tudo com homenagens sinistras de torturadores e milicianos, ofertas com embalagens de luxo e que não era uma novela, e que se saiba de antemão: os deuses surdos também se tornaram cegos e premiaram o primeiro baba-ovo. Aí avacalhou tudo pra passar a boiada geral, no atacado e no varejo: rachadinha, Bebiano, deseducação, Queiroz, brasileiros canibais viajando, Kassio Nunes, goldemshauer, nazismo comunista e KGB, Tonho da Lua, foro mais privilegiado de sempre, Goebbels, drones, inflação pro império milionário, inauguração de trecho de rodovia, troca-troca nos ministérios, recondução do Aras feito guenzo da cristomania e todas as sequelas no asfalto com a tempestade de poeira e a gasolina nas alturas da Prevent e se tudo ficou caro de uma hora para outra, era que uma savana emergia n o voto impresso e no pega pra capar findou na fronteira dos USA, como se Maia segurasse tudo, de chorar com o rabo de arraia do Lira que levou o hospital numa banda metaleira feito plano hap de saúde hip de vida hop e quem hup não se fez por amigo da primeira-dama, juntou caixa de papelão no quintal quando deveria ter uma goiabeira pra Jesuisis & Doidamares – e o Doro que coisou e tem andado um bocado arrependido quer encará-la: Ela dá cloro e pano! E partiu arretado para arregaçar nos guardados dela. E daí? Do zero-um pro dois, três, até o quatro lavando a jega e mais se enfeiou no torrão com o lixo nas calçadas, folhas, flores, frutos, o tráfico nos condomínios e favelas, carros e casas sujas, a fumaça do bueiro da usina, a catinga pútrida e a brutalidade de gente com suas pseudofamílias nas arengas e estupros coletivos, crucifixo no pescoço, rezas altas e aos gritos pelos sete pecados capitais, pelos dez mandamentos, quando tudo era inferno, nenhuma humanidade, a sociedade doente, uma escória feita de vermes - quem não em estado de choque nos sete de setembro e o desfavorável porque ficou inviável com o Agro que é pop ou pqp e teve Dia D para tocar fogo, aproveitando para o perdão das dívidas evangélicas, regulamentação da agiotagem, leilão com liquidação de tudo na maior promoção, as comunidades terapêuticas no comando do golpe para namorar a Cloroquina toda tarada e, na cara dela, se agarrar com Ivermectina safada para duas de quinhentos com nota de duzentos falsa – quem viu, não sei porque se passou por mito e quem não pagou mico de guardar a mamadeira de piroca, as controvérsias das fardas do que fizeram das forças armadas tão desarmadas e das milícias neonazifascistas que sobraram dos trezentos e não sei quantos milhões de cem reais que são na gripezinha e no mimimi da entubação dos influenciadores que não querem ninguém em casa para sair furtivo como cosplei de rato com pizza no bico. Eita! E daí, meu? Presse desgoverno, qual legado? O bizarro delírio das conspirações e feiquenios, tragicômico Brasil que não foi nem nunca será para coisonários que batem cabeça demais: são feito couro de pica e mentem que o cu apita. No fim da festa, mil dias de uma voz que se apagou de nenhuma saudade na barbárie da tevê desumana com o horror extra dos rugidos da covardia e sacanagem, com o que engana de zap-zap e o que resta das promessas e do tédio: a falsificação como originalidade. Outras aporias, tudo muito imperdoável. E persigo sobrecarregado de ocorrências e interrogações no meio da nossa segregação, driblando o certo e o errado e vice-versa, as pessoas obtusas viraram pragas e quase ninguém consegue ver a realidade encoberta por um punhado substancial de velhas mitologias de agora, um inferno para lá de dantesco.

 


Inclusão, enfim, ah!... - Minha vida braços abertos: nenhuma fórmula, nem tendência ou convenção. Experimentos e incertezas, a impermanência. E sou a minha língua e voz, modulações obscuras e à deriva, nenhuma mensagem nem sentido, despsicologizado entre o insulto e o inusitado, como se o prazer no fundo do oceano para que ninguém veja ou ouça ou sinta. Se não tenho para onde ir no meio dessa sensaboria, vou pra biblioteca. E lá, cedinho, de um dos livros que saquei numa das estantes, escapou a cena e eu espanquei o pobre de Baudelaire: Só é igual a outro aquele que disso dá prova, e só é digno da liberdade aquele que sabe conquistá-la. Na surpresa do fato, o agradável ficou por conta de chegada da professora Roselene Santos com o projeto Inclusão e Espaços Publicos, e alunos das escolas CAIC-José do Rego Maciel, Aloisio Sebastião e Lar Heleninha. Ela e a professora Rosielma Santos trouxeram duas deficientes visuais que leram meu cordel em braile e eu fiquei maravilhado com uma menina solta a tagarelar altiva na dinâmica com Thayná Mikaele, Thays Leandro, Tamires Milena e Rayane da Silva, todas acompanhadas dos pais Adilson Leandro e Josenilda Maria. E rolou poesia, cantoria e dinâmicas; cá comigo era Paulo Freire: A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades. E Boaventura de Souza Santos: Temos direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas. E era Carlos Drummond de Andrade: Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar. E era Emma Thompson: Ser deficiente não deve significar ser desqualificado de ter acesso a todos os aspectos da vida. E era Salvador Allende: Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos. E era José Saramago: Há que deixar as pessoas serem como são. Vivendo em suas diferenças e a partir de seus próprios pressupostos culturais. E nisso, a até então tímida assistente social Chiara Santos se mostrou esfuziante aos meus olhos fascinados com a conversa encetada, enquanto a encantadora Sil Neves conversava com Zé Ripe sobre a Academia. Ah, que bom! Assim o mimético ali e a minha diegese. E é só o começo, quem frágil e excluído, afinal. Do lado de fora outros adultos embotados seguiam catatônicos na sua normose, além da memória porque duas mulheres falavam de suas dores, talvez Medeia, uma delas – tudo é possível e a se repetir ao infinito no meio de um cruel vodu eternamente implacável e a iminência da queda: uma vaca mugiu pelas ruas, um pai foi nocauteado pelas dívidas, um vira-lata latiu com criaturas invisíveis e era outra temporada, o isolamento e o solipsismo pelas frestas das coisas decadentes, os oitenta tiros em Evaldo Pereira e a comemoração tímida de Marta artilheira de todas as copas. Eu preciso sonhar para não sucumbir ao descartável, quantos embates e discordâncias, desenquadrado e contra a corrente. Como assim? Não é nenhuma fábula pinçada do cotidiano às portas fechadas. Sou corpo estranho, talvez, ainda tenho o futuro nas mangas, posso sacá-lo e ainda rir do mundo: apenas celebrar a vida. Até mais ver.

 

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