sexta-feira, agosto 14, 2020

BRECHT, LILA RIPOLL, PIPILOTTI RIST, LETITIA ELIZABETH LANDON & O RECIFE DE RONILDO MAIA LEITE


DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... DIALETOS & ALGARAVIAS - Somos uma só língua, quantos sotaques, tantos dialetos. Há os que juram amor eterno & coração na mão, um olho fechado e o outro, nem nem, pálpebra de vigia. Há os que professam fé imorredoura, enquanto dão expediente ora pro santo, ora pro capeta, assim, assado. Há os que vivem e apenas, nada mais, são levados. Também os banguelas que soletram monossílabos esquálidos imitando gnomos e outras invencionices, isso para diálogos verossímeis, quando não coaxam para abolir a gramática, enquanto contam cédulas e moedas, benzodeus. Há os que gostam de solfejar verbo estrangeiro e se passam por imitação de poliglotas para embuste de querelantes inclementes, afinal daqui nada presta, dizem eles peito estufado, vergonha na lama, ora, ora. Há os que contam histórias engravatadas com suas parlapatices bem comportadas de conquistas e vitórias, cheias de lábias enquanto pigarreiam para determinação de preços e ganhos na sua matemática inventada pelas crises manipuladoras das projeções do desastre e se montam na mentira com gracejos deslavados para cócegas na turba hipnotizada. Desses, os que digladiam proparoxítonas decassilábicas com justaposições de étimos a ditar leis carregadas de neologismos, em tons de charadas e adivinhas, e só bestas cumprem por não saberem que os sabidos corrompem salvos pela impunidade com o que é seu e os seus. Afora os que jogam pulhas, latem, mugem, piam e outras onomatopeias impudicas para risadagem ridicularizante de quem quer que seja. Ainda há os que trabalham por não terem tempo a perder e cultuam o acaso à espera de um milagre cair dos céus para usarem seus gestos apontando para tudo onde nada acontece e tudo passa. Ah, têm os que zumbem suas dores no meio da colmeia dos infelizes e resmungam com rangidos de dentes cerrados nas mandíbulas dos guturais exageros. Tem mais e nem sei desses muitos. Só o que Bertolt Brecht provocou: Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la. Somos apenas uma língua e agora não há entendimento, dialetos da nossa Babel.

DUAS DOS VERSOS DITOS & DESDITOS - Meu coração é o eco do nosso desencontro. Até onde sei, estamos na mesma embarcação pela correnteza do incerto. E todos lamentamos e com dizeres diversos a nossa mesma sina. Como sei do Poder das Palavras de Letitia Elizabeth Landon, ela aproveitou e me recitou versos solidários do Peregrino: Volte, com oração e lágrimas, volte / aqueles que choram em casa; / Para secar suas lágrimas, mais use, / Esse é um mundo para viajar. Beijei suas mãos, eternamente grato. Só que soou mais alto os versos de Angelina da Lila Ripoll: Ninguém junto ao leme, /ninguém no comando. As palavras e os versos nas vozes das poetas, de mãos dadas, cantamos o sonho possível da nossa remissão.

TRÊS FOLHAS AO VENTO & UMA CANÇÃO NO PEITO - Nossas mãos eu cantei Entrega. Abri o peito e nossa voz aos ventos medonhos. Os dialetos da outra esquina são muitos Brasis em cada canto, que Deus nos livre do pecado de tudo igualzinho. E seguimos Uma folha ao vento, de Pipilotti Rist: ...em última análise, a uma certa ausência de fronteiras: as folhas são transportadas pelo vento ou pelos sapatos dos transeuntes da entrada da embaixada, e os desejos que se transmitem neles são distribuídos lentamente pela cidade. Somos varridos e onde houver sonhos a vida prospera. Até mais ver.

RECIFE QUIROMÂNTICO
Eis aí o Recife / - a mão aberta. / Difícil cidade fácil, / muito aberta sem se dar. / Todo mundo que a conhece / sabe que ela se conhece, / dispensa apresentações. Espalmada, / meio concha, / aconchegante / num gesto / de consentimento e de entrega. / Assim, / como alguém muito consciente / de seu próprio destino, / que se permite ao aperto / de cada mão que aperta / num gesto / de consentimento e de entrega. / Uma leitura de mão, / quase.
Poema extraído da obra Recife Quiromântico: roteiro sentimental ou repoetagem de uma cidade invicta (Bagaço, 1997), do jornalista e escritor Ronildo Maia Leite (1930-2009). Veja mais aqui, aqui & aqui.