segunda-feira, agosto 17, 2020

DRUMMOND, NAIPAUL, HERTA MÜLLER, ÓSCAR RIBAS, JUN IZUMI, KARA WALKER & ZÉ DANTAS


DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... DE OLORES & ODORES - O meu país é das flores mais cheirosas e dos fedores mais catingosos: entre oásis e misérias. Comigo, o que nos reserva o desenrolar dos acontecimentos: se das orquídeas aos lábios delicados das mulheres, das bromélias, ipês e caliandras, das begônias, camélias e alamandas, dos líros, flor-de-maio e jacarandás, flora colorida e perfumada; se das inhacas as dilapidações e trambiques, as assombrações das lêmures de colarinho-e-gravata, a fé sectária e a hipocrisia, tantas escusas intenções na anamorfose que faz do meu país o reino da picaretagem e tresloucado desgoverno. Ouço Naipaul: Como se, naquele mundo de conflitos que havíamos criado, fosse possível simplesmente pular fora e voltar a ordem do passado! O meu coração se espreme com a estupidez dos que não enxergam um palmo além do nariz. Logo o conselho de Herta Müller como alento: Para combater a morte não precisamos de muito da vida, apenas precisamos que ela ainda não esteja acabada. Assim seja e viva todos nós!

DOIS AROMAS DE PAZ NO MEIO DE TUDO ISSO – Entre o isolamento e a tragédia, a inquietação de saber como será depois que tudo passar, como será o beijo, o sexo, o amor, o afeto, se a normose é o disfarce do que será real, se nada mais será como antes. Entre a aflição e tremores, de longe os olores da música: os solfejos pianísticos da japonesa Jun Izumi: Vivo com o lema: Hoje, mas hoje. E o que ela expressa me soa como um verso de Óscar Ribas: Ao luar ou à chama de uma fogueira, não apenas as crianças sunguilam, seroam, mas também os adultos, em narrações de estórias e adivinhas. Quem me dera embalado numa fábula de sobreviver.

TRÊS ODORES & A REPUGNÂNCIA - O que nos acomete no meio da fetidez dos incompetentes, dos que desgovernam e dos que são indiferentes, já não é mais um risco: o meu país desmorona e quantas notícias-crimes serão necessárias, já não sei, resta desmitologizar tudo que nos embota e empala aqui e agora, na junção de muitas estradas. Tenho a sorte de KaraWalker me dizer entre amável e cética: Não há diploma no mundo que o declare como um artista. Não é como se tornar um médico ou algo assim. Você pode se declarar um artista e então descobrir como ser um artista. Sim, eu sei, quero apenas contar histórias, tal Drummond: tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Até mais ver.

O NORDESTE DE ZÉ DANTAS
Seu doutô os nordestino têm muita gratidão / Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão / Mas doutô uma esmola a um homem qui é são / Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão / É por isso que pidimo proteção a vosmicê / Home pur nóis escuído para as rédias do pudê / Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê / Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê / Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage / Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage / Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage / Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage / Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão / Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação! / Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão / Como vê nosso distino mecê tem na vossa mão.
Vozes da seca, a arte do poeta, compositor, médico e folclorista Zé Dantas (José de Sousa Dantas Filho – 1921-1962), cujas canções alcançaram sucesso na voz de Luiz Gonzaga, clássicos do cancioneiro nordestino, retratando em suas letras os costumes do povo, as tradições culturais e o cotidiano de um pedaço do país esquecido pelo poder público. Veja mais aqui.