segunda-feira, março 11, 2019

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO, DAREL VALENÇA LINS, CHELPA FERRO, POETA PICA PAU, VALE DO UNA & IGARAPEBA.


O NORDESTINO POETA PICA PAU – Lá pelo início dos anos 1970, conheci aquele que vinha zambeta de venta empinada pela Rua Nova, carregando baldes atrás de lavagem pra porcos. De casa em casa gritava: Tem lavagem? De dentro vinha resposta, postiva ou negativa e, dependendo disso ele se ria ou saia maldizendo tudo. Era, então, Zé Pilintra e não arriava na beca, prumode o quê?: Prumode que é que é, qui nós home mata a mata? / Se a mata nus encanta, lugar onde o pássaro canta / com a lenda do Pai da Mata. / Quanto mais se mata a mata, a mata se consome / o home matando a mata, a mata ao home faz falta / e o mundo sentindo fome. / A mata senta a falta do grande potencial / da madeira do angico, e também do tico-tico / do bico do Pica Pau. Isso prova que mesmo parecendo um chato arengueiro, era cabra, no fundo, gente boa, só que se amostrava com a peste: Sou cria da mesma praça / que criou-se Giramundo / da terra sou oriundo / de um trovador de raça / eu sou pão da mesma massa / de um cantador esperto / sou troncho, torto sou certo / sou leso e não sou banana / mas sou a Besta Fubana / do escritor Luiz Berto. Era os tempos de estudante do Ginário Municipal, das estripulias licenciosas e maloqueragens adolescentes. Pois bem, tempo vai, tempo vem, a gente se danou na buraqueira do mundo e, uma década depois, se reencontra: pinga, meiota, cajá, caju, siriguela, bunda de tanajura e lavando tudo com cerveja, pilhéria, versejada e uma viola de 12 cordas Del Vecchio no meio da camaradagem. Diz ele que eu afanei o instrumento desencordoado, não foi, na verdade. Queria mesmo dar umas cipoadas boas no instrumento pra ver se aprendia direito. Não deu, nunca passei de poetastro, mas graças a ela, um dia depois de uma tocada boa, lá ia eu desprevenido pela rua e um cão que parecia um leão me atacou e nela me protegi. Resultado: do medo e quase que cagado, o ataque torou o braço da viola no meio que até hoje está num canto da casa de um consertador amigo. Por conta disso, a gente manga um do outro até hoje: eu das minhas besteiras de bestão tapado sem competência no métie; ele, da sabedoria, não perde uma, desaforo que seja, na ponta da língua arrelia de cima sem arriar no badalo: Guará gago não gagueja, e gato gago não mia. Eu que sempre fui um poeta de água doce, nunca acompanhei os motejos poéticos dele: Um grande furacão eu enfrentei / me deparei sem querer com um vulcão / antes de entrar em erupção / nas entranhas da terra emburaquei / quando nas placas tectônicas passei / o segredo já estava desvendado / os minérios que foram encontrados / são riquezas do poder da natureza / observando assim toda beleza / quando dei fé já tava do outro lado. De tão metido, vez em quando, no meio das pinoias e trocas de ofensas, ele sapecava no pau da minha venta um acrótisco: Não há dinheiro que pague / o valor que a gente tem, / ricos de literatura / dádiva de Deus amém, / ensinamento divino / sapiência do além, / talento cabra da peste / inspiração com encanto / nunca sentimos tanto / orgulho deste Nordeste. Jogava mais na minha lata o quanto honrava a tradição instaurada pelo poeta Manuel Bentevi: Me criei com o Pai da Mata / e Cumade Fulosinha / levei a vida todinha / vendo o Saci Pererê / Bumba meu boi pra se ver / tem a Mula sem Cabeça / espero que não esqueça / do meu tempo de menino / vou seguindo meu destino / levando a lenda às alturas / o folclore é a cultura / de um povo nordestino. / Baião de Luis Gonzaga / xaxado de Lampião / são danças da região / que deixa a gente animado / pastoril coco de roda / maracatu e reisado / lá na festa do Divino / se ouve o bater do sino / convidando as criaturas / o folclore é a cultura / de um povo nordestino. Pra você ter uma ideia, o sujeito não cabe em si de tão folgado, não deixando qualquer loa sem os respectivos bregues: Encontrei uma aguardente / cana boa de Sergipe / curava tosse e gripe / até tristeza da gente / com uma dose somente / suavizava um rouco / pra quem bebesse pouco / era remédio e curava / mas pra quem exagerava / era pô bôrocotôco. Feito pinto no lixo em qualquer faustoso repasto, o enxerido solta uma lapa de língua e saçarica ineivado: Chapéu de otário é marreta / comer de esperto é mingau / quem é otimista sonha / o realista é quem faz / quem trabalha Deus ajuda / cochichou cachimbo cai [...] Tristeza traz depressão / e toda dúvida é incerta / a chuva fina não molha / depois da curva vem reta / com rimas de faz poesias / inspiração d’um poeta. E para mais me humilhar, arruma a gola no vinco e a fivela nos quartos, enche o pulmão com afinco e se amostra todo ancho cheio do Tataritaritatá: Joaninha a filha mais nova / de Gregório cabra danado / que quando ficava zangado / leva 1, 2,3 pra cova / eu quis tirar essa prova / lhe chamei pra namorar / ela disse vou aceitar / mas tenho quase certeza / que meu pai vai te matar / eu fiz uma festa daquelas / embriaguei o pai dela / me agarrei com a donzela / e tari, tari, tari, tatá. Não para por aí, afina o gogó e pisa forte no martelo: Uma casa de taipa chão batido / o terreiro arrudiado de fulô / na janela uma cortina de tricô / uma cerca de arame retorcido / uns cabritos no pasto distraídos / no alpendre alguém bate o pilão / no roçado a dibúia de feijão / no fogão a panela à cuziar / e sem ter como isso registrar / tirei foto com a imaginação. Pois bem, esse alagoano de Passo de Camaragibe chegou menino em Palmares, fincou os pés no chão proseando descarado: O tum, tum tum no pilão / de longe se escutava / na chaleira mão botava /  o pó e água no fogão / com fartura de montão / para mesa ela trazia / a gente se reunia / pro alimento primeiro / ainda hoje eu sinto o cheiro / do café que mão fazia. Montado numa lapa de bigode não para no amostramento: Alerto as autoridades, / e doutores competentes / para voltasse ao sistema / que já salbou muita gente / porém com estilo ótico / vi no diagnóstico / que o SUS está doente. Com o tempo, como um bom embeiçador da tirana, tornou-se técnico em produção de açúcar e álcool e, também, em logística e gestão de pessoas. Graduou-se em Teologia para ampliar seu arcabouço intelectual: afinal, pro cabra ser bom tem que entender de tudo, até das coisas do outro mundo que ele se diz doutor. Publicou uns livros. Destes, eu tenho um livro e um cd: Feitos d’versos (Outras Palavras, 1995) e Umas & outras. O restante deles, não sei se por pirangagem da sua mão de figa, nem eu tenho, nem na biblioteca ou na Academia onde ele ocupa uma das cadeiras de imortal, podem ser encontrados: Sussurros da mata (Bagaço, 1986), Num rio de poesias (Universitária, 1987), Despertar no rincão, Matutando na literatura e Prosa de terreiro. S’assente, meu véio, faça isso não. Agora ele reaparece com a obra Nordestino sim senhor (JC, 2018): Tinha um rio, uma pedra, e um peixe / o rio corria, a pedra crescia, o peixe nadava / a agua batia e a pedra molhava / e na correnteza a peixe subia / o rio foi poluído / a pedra explodida / e o peixe sumido / puta que pariu, quem diria! Só tenho agora uma coisa a dizer: esse é dos bons, afianço (quem sou eu? Ah, bicho besta metido às pregas), esse José Maria Sales, o poetamigo Pica Pau. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: O QUE É SER BRASILEIRO
[...] e não me senti brasileiro. O que é ser brasileiro? Tomar deste sorvete? Falar português? Levar vantagem, guardar dólar para valorizar, aceitar passivamente a inflação, aplicar no open, invejar a corrupção impune, usar tanga minúscula exibindo os pentelhos, saber estourar pipoca, jogar na loto, saber com quem está falando, procurar mordomia, assistir ao Fantástico, ter caderneta de poupança, tomar rabo de galo, achar caipirinha de vodca o máximo, fritar linguiça de porco, não pagar prestação da casa própria, se pendurar num emprego público, ter sucesso, adorar voleibol, ter todos os cartões de crédito, comer abobrinha, mandioca frita, dar um jeitinho, ter um contrabandista amigo para as bebidas, curtir o carnaval, usar jeans com grife estrangeira, fingir que não se incomoda com o que Roberta Close tem no meio das pernas, ter fé em Nossa Senhora Aparecida, ser doutor, mentir como o governo, acreditar na macumba, sacanear, desmentir como o governo, devorar dobradinha às quartas-feiras e feijoada aos sábados, adorar bundonas, dizer que come todas as mulheres, acreditar que ninguém pode com o brasileiro? [...].
Trecho extradído da obra O beijo não vem da boca (Global, 1985), do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão, Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE DAREL VALENÇA LINS
É a cor que muda as sensações e o clima do acontecimento. Pode atribuir um clima dramático, ou poético, ou sombrio. Pensamento de Darel Valença Lins
As prostitutas [...] dizem coisas através da maneira como se vestem, o que traduz o interior de cada uma delas [...] Não é por necessidade erótica que fico atraído pelo tema, mas pela forma, pelo sensualismo das roupas, do penteado, da maquilagem. Esses aspectos me causam grande interesse visual e muito pouco sensual. Muita gente procura fazer sensacionalismo, como se eu fosse um cara que frequentasse habitualmente os bordéis, tomasse absinto e enchesse a cara [...] Trechos de uma entrevista de Darel Valença Lins ao Jornal Auxiliar, São Paulo, 01/07/1985.
[...] As cidades inexistentes que ele cria e que parecem despovoadas, os seres humanos esmagados pela máquina – e tudo isso na atmosfera penumbrosa do sonho, um realismo que nós reconhecemos como se fosse nosso: beleza e pesadelo marcam a obra de Darel. Como se podem unir estas duas palavras – só Darel sabe porque ele vive seus sonhos, não como homem irreal, mas como um homem. Quem habita as enormes cidades, senão o próprio Darel que as sonha e idealiza? Sonhar e idealizar são o ideal de um homem, de uma mulher. Em Darel, além da parte artística propriamente, há uma preocupação com a totalidade do ser humano em sua plenitude. O choque impotente do indivíduo diante da máquina. As cidades escuras onde uma ou outra janela de luz acesa atestam que elas são habitadas. Psicanalisando ou não, trata-se de um grande artista e tenho que falar no resplandecente mistério de sua obra. Dela emana, tanto da gravura, quanto do óleo e do desenho o grande mistério de viver [...] Palavras da escritora Clarice Lispector, em Diálogos Possíveis. Darel, revsita Manchete, São Paulo 07/1978.
A arte do premiado gravurista, pintor, desenhista, ilustrador e professor Darel Valença Lins (1924-2017), que foi professor da Enba, Faap e Masp, atuou como ilustrador em diversos periódicos, como a revista Manchete, Senhor e Playboy, e os jornais Última Hora e Diário de Notícias, entre outros. Foi encarregado das publicações da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, ilustrou livros dos maiores escritores da literatura brasileira, como Graciliano Ramos, Dalton Trevisan, Antonio Maria e Clarice Lispector. Conviveu com Iberê Camargo, Cândido Portinari e Oswaldo Goeldi, entre outros. Fonte: GORINO, Vitor Hugo. Litografia artística brasileira: Lotus Lobo e Darel Valença Lins (Universidade Estadual Campinas, 2014). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A MÚSICA DE CHELPA FERRO
O coletivo Chelpa Ferro foi criado em 1995 e reúne a trajetória de renomados profissionais, como o pintor Luiz Zerbini, o escultor Barrão e o editor de cinema Sérgio Mekler, aliando experiências pessoais que exploram possibilidades na produção de arte contemporânea brasileira, utilizando elementos sonoros justapostos aos visuais em suas obras. A abordagem interdisciplinar é revelada pela aparente desorganização meticulosamente orquestrada, criando espaço de fronteira entre os objetos articulados, o público e o som em suas performances, instalações e shows. Na obra Maracanã (2003), realizada no Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro, replica por meio de música eletrônica experimental a emoção de um jogo de futebol e apropria-se do espaço com a grandeza da arena construída. Assim, na obra de Chelpa Ferro, a percepção convencional de música é desconstruída, criando uma nova linguagem sonora que, ao ser equalizada em função escultórica, assinala correspondências ativadas pela disposição e curiosidade do espectador. Já Acqua Falsa (2005), apresentada na 51a Bienal de Veneza, a obra incorpora a apresentação ao vivo com o improviso e interação com o público. A performance Autobang, na 27a Bienal de São Paulo (2002), o batuque gerado pelos porretes em ação é amplificado pelas caixas de som, produzindo distorções que se revelam na construção de fronteiras entre ruído e música, processo e resultados, espaço e escultura orienta a poética deste coletivo, a reflexão sobre o improviso, o reprocessamento e a criatividade da cultura brasileira. Já se apresentou em Havana (2003), em Porto Alegre, e possui 4 álbuns lançados nos anos de 1997, 2011, 2012 e 2013. A discografia do coletivo registra experimentações sonoras em shows ao vivo e publicado um livro com um panorama das criações do grupo. Veja mais aqui.
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VALE DO UNA - CAPOEIRAS, ONDE NASCE O RIO UNA
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IBA.VALE: ARTE EM IGARAPEBA
Veja aqui e aqui.
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A poesia do poeta Pica Pau aqui & aqui.