terça-feira, julho 31, 2018

SEARLE, LOYOLA BRANDÃO, PIAF, DIDEROT, AMANDA GREAVETTE, ALBERTO LINS CALDAS & DEVORÁVEL


PERFIS SEM ROSTOS – Imagem: arte da pintora canadense Amanda Greavette. - Pela primeira vez vi o mundo em todos os sentidos e o seu peso em minha alma não me deixou enxergar direito o sonhado de antes, porque tudo se esfacelara à primeira vista, e a terra era apenas um museu devastado na ebulição de festas trágicas. Fui tentado a olhar pra trás e pela segunda vez, enquanto eu vestia todas as canções de amor e paz pros que me vinham pelas rachaduras tumulares com seus epitáfios e desventuras, e eu me dava aos braços as sinfonias solidárias com o coral da Nona pelas caravanas pressurosas de semideuses com suas têmporas esmaecidas por novidades de ontem e seus epígrafes maltrapilhos de tão gastos na mesmice. Pela terceira vez eu chorei a Flauta Mágica dos meus lábios porque nada ecoava além do muro à cabeça, apesar do peito com as sonatas solidárias remediarem minha dor, eu sucumbia à esquina oposta, onde umbigos falantes beatificados aos solavancos se reabasteciam com as paisagens faciais das sereias sedutoras e sua instantaneidade descartável a cada olhar desolhado, cada sorriso sem sorriso, cada sentimento efêmero com suas cenas manequins, que desconhecem de mim o apelo Rimbaud e cantam many queen, many comic, para serem Fabos que vão dormir como se fossem lêmures indômitos e acordam como príncipes a reconstruírem o Fabobras demolidor, materializando a desonra e eu poderia morrer agora, ou segunda, talvez amanhã de manhã e pra sempre aniquilando dores verossímeis. Pela quarta vez nenhum rosto amigo, nenhuma fisionomia reconhecível, meras paisagens nas faces irradiavam gôndolas, vitrines, próteses e desumanidades por cenas elegantes e luxuriosas que não diziam de mim, nem de ninguém, apenas a felicidade urgente e sem precedentes. Foi preciso que eu me detivesse pela quinta vez pra me certificar de que eram gente e não possuíam rostos senão máscaras de gás e me segurar sem arrimo pra não ser levado na enxurrada desalmada, e pudesse saborear a vida como quem fora desterrado da despersonalização imbecilizada e homogênea, a me dizer que se eu tivesse que fazer alguma coisa, que fizesse já porque seria sempre inútil, senão imediatamente de tão tarde passando do ponto, a viagem sonhada por protagonista não me deixava mais a oportunidade de parada em qualquer ponto de desembarque, por ser tratado como figurante cego que não sabia mais nada e que se havia algo por fazer, nem eu mesmo me dava ciência no meio de tanta selvageria, não tinha a menor ideia de tão surrupiado pela dessemelhança e se eu quisesse viver teria outro tão igual a todos. Sabia apenas que se não era divertido, seria bastante patético, senão esdrúxulo, coisas que via e nem prestava atenção, sempre perdido com meus pensamentos de que podia fazer alguma coisa, aprisionado Prometeu nos meus próprios ideais. Foi sintomático resistir pela quinta vez e de súbito tudo trepidava, pode ser que o chão me falte diante de tanta mentira exposta com a leveza de quem desliza sobre as águas, o tempo a desabar nuvens amontoadas e desmoronando o já contaminado, quase terminal e eu ainda respirava o ar possível para não desfalecer entre ruínas tão formidavelmente remontadas. Como eu ia dizendo, o que se há de fazer não mais que mudo e inativo na marra, por grilhões inoculadores servindo de camisa-de-força para me fazer refém e, para me salvar do escalpelo, mergulho no meu próprio negrume se posso sobreviver atento no meio de tanto incômoda gritaria que se faz canto no meio das desalmas. Sei que vivo e quase não sei mais nada, tudo é tão avaro e nada mais valho nessa alegoria de nada. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
“Porque sou apaixonada pela busca da verdade e eu me sentiria mais próxima de Deus tentando me aprofundar e compreender seus maravilhosos mistérios”
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da cantora francesa Edith Piaf (1915-1963): L’hynne à l’amour, Soudain une vallée, Las plus belles chansons & Greteast Hits & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Instruir uma nação é civilizá-la. Extinguir nela os conhecimentos é reduzi-la ao estado de barbárie [...] À exceção dos primeiros princípios de aritmética, de álgebra e de geometria [...] quase nada que valha a pena ser retido e que não se aprendesse muito melhor em quatro vezes menos tempo. A única vantagem que não se tinha absolutamente em vista e que se obtém de nossas escolas é o hábito de aplicar-se, e de aplicar-se constantemente a coisas frívolas, mas difíceis; hábito que dá uma maravilhosa facilidade para objetos mais importantes em todas as funções da sociedade; hábito que distingue singularmente um homem de um outro, sobretudo se a prática do mundo curou o primeiro da cavilação; o que nem sempre acontece. Eis, portanto, todo o fruto de sete ou oito anos de penoso trabalho e de uma prisão contínua. [...]. Trecho da obra Plano de uma universidade – Filosofia e política (Perspectiva, 2000), do filósofo e escritor francês Denis Diderot (1713-1784). Veja mais aqui.

A REDESCOBERTA DA MENTE - [...] A característica mais admirável é o quanto da corrente principal da filosofia da mente dos últimos cinquenta anos parece obviamente falsa. Acredito que não haja nenhuma outra área da filosofia analítica contemporânea onde tantas coisas implausíveis sejam afirmadas. Na filosofia da linguagem, por exemplo, não é de modo algum comum negar a existência de frases e atos de fala; mas, na filosofia da mente, fatos óbvios sobre o mental, tais como o fato de que todos nós realmente temos estados mentais subjetivos conscientes, e que esses não são suprimíveis em favor de qualquer outra coisa, são rotineiramente negados por muitos, talvez pela maioria dos pensadores avançados do assunto. [...] não parece o bastante afirmar verdades simples e óbvias ― queremos algo mais profundo. [...] Falar de estados mentais é simplesmente falar de um conjunto neutro de relações causais; e o aparente "chauvinismo" das teorias de identidade tipo-tipo ― isto é, o chauvinismo de supor que somente sistemas com cérebros como os nossos possam ter estados mentais ― é então evitado por essa concepção muito mais "liberal". [...] O abandono da crença em uma classe numerosa de fenômenos mentais em princípio inacessíveis à consciência resultaria, portanto, no tratamento do cérebro como um órgão como qualquer outro. Como qualquer outro órgão, o cérebro tem um nível funcional ― na verdade, muitos níveis funcionais ― de descrição e, como qualquer outro órgão, pode ser descrito como se estivesse fazendo "processamento de informação" e executando qualquer número de programas de computador. Contudo, a característica verdadeiramente especial do cérebro, a característica que o torna o órgão mental, é sua capacidade de causar e sustentar pensamentos, experiências, ações, memórias etc., conscientes. [...]. Trechos extraídos da obra A redescoberta da mente (Martins Fontes, 2006), do filósofo e escritor estadunidense John Searle. Veja mais aqui.

O MENINO QUE VENDIA PALAVRAS - [...]— Como o senhor conhece tantas palavras? — Você não me vê sempre lendo? Assim vou aprendendo palavras. — É bom isso? — Quanto mais palavras você conhece e usa, mais fácil fica a vida. — Por quê? —  Vai saber conversar, explicar as coisas, orientar os outros, conquistar as pessoas, fazer melhor o trabalho, arranjar um aumento com o chefe, progredir na vida, entender todas as histórias que lê, convencer uma menina a te namorar. Podia conversar com ele durante horas, menos quando estava lendo. Chegava do trabalho às cinco e meia da tarde, tomava banho e sentava-se para ler. Era corajoso, lia livros grossos e me trazia sempre um livro novo [...]. Trecho da obra O menino que vendia palavras (Companhia das Letrinhas, 2016), do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão. Veja mais aqui.

FILOCTETES – i - dissera / q o mal começara / na carne dura / do arqueiro / vinda da fera q em surdina / maliciosa mais q viva / mordera dissera / era aspero silencio / assim a pedra / onde o arqueiro sentara / todos os olhos / fisgados nele / entre morte e morte / o deserto invadira / q a paralisia imperara / ao redor / do arqueiro / findara o sonho / da guerra na cidade / sonho de todo guerreiro / alguem dissera – ii - a boca dessa ferida / tivera fome a goela / sem fim dessa ferida / comera sem se saturar / os dentes afiados dessa / ferida devorara tudo / os dedos finos e frios / dessa ferida tateara / a pele os ossos ao redor / dessa ferida q tivera olhos / desmedidos q mirara tudo / desde o eixo ao infinito / sugando sempre tambem / imagens sombras luzes / esfomeada noite dia / essa ferida conhecera / a sombra todos em volta / daquela carniça e ponderara / numa lingua apavorante / seus desatinos suas visões / berrara e gritara / como se fosse ela a ferida / quem sem saida sofrera / não aquele infeliz / deitado sobre cinza e rocha / calado como se adivinhara / a insanidade daquela ferida / a colera o odio o asco / a indignação o rancor / ressentimento incontido / rasgara conformado o corpo / corpo desesperado / perdida aquela vida / na demencia a ferida / se esmerara em doer mais / deixando sempre magoado / a pele e seu horror / como se a ferida fora o corpo / o corpo somente o verme / q impedira a ferida de viver / dissera alguem entre deserto / e mar em ruinas dissera – iii - ?onde amigos ?onde companheiros / ?onde a mulher o irmão o pai / ?onde a casa ?onde o cão ?onde / !sim o arco e o alvo !sim ?onde / ha todas essas estrelas na escuridão / quase as mesmas sempre as mesmas / a lua esse luar doente sobre as arvores / sobre a areia da praia sobre as pedras / não a doença q abismara a carne / moendo sonhos magoando de doer / nem essas cinzas pelo chão dissera / fuligem caindo como chuva / florestas incendiadas o fogo / abrasando a noite dos horizontes / trovões relampagos a solidão / insetos crocitando como passaros / nuvens mantos negros de nuvens / !sim mas o vento não se derramara / longo o mar e o mar se revoltara / pastoso contra rochas e a carne / doi tanto como se faca talhasse / ternamente num carinho dissera / longe na guerra so ha paz / aqui na paz so ha guerra / tantos de mim ja morreram tantos / de mim sofrem no triste silencio / do coração como a insana fome do tempo / insana fome da ferida e seu fervor / !sim não ha desejo maior q a morte / ?como fugir da jaula q sou / se eu mesmo paralisado espero mesmo / sabendo q esperar é morrer dissera – iv - q venham os dias e as noites / com seus terrores / sim! q venham os terrores / de todas as noites / de dentro dessa carne dolorida / desses ossos / desses tendões partidos / a ferro e fogo e solidão / noite silenciosa / quando a carne se enfurece em sonho / sem auroras azuis / ou pores de sol imoveis dissera / queimando olhos / gravidos repletos de vozes / q se trançam como teias / perversas a ilusão / essas horas maduras do dia / quando se delira e sofre / desde o ventre dessa sombra / ate a morte dissera / gerando em tudo / a escuridão crua sem abrigo / nesse sol indigno das horas / q se desgraçam / antes da arida lassidão / so loucura de rochas / onde a duvida das cinzas / invade a certeza da luz – v - danço na escuridão / com meus mortos / de treva em treva / dançarino avanço / trançados os dedos / tecido de espuma / bebo todo esse mar / como quem bebe / algo bem doce / basta essa musica / estilhaços de tempo / imoveis na noite / a guerra é aqui / sem olhos ele dissera – vi - ?como deixar de acordar / os mortos / recompor / a tempestade / q vem / das ruinas / entre desertos / como é / estreito / o espaço / q resta / como é facil / e terrivel / nada dizer – vii - !sim a primavera / havia cerejeiras cruas / na luz intensa / alguem dissera / estufadas de flores / vermelhas e brancas / as noites perfeitas / alguem sonhara / eram lindas / lindas / cheias do sangue / das lembranças / entre risos / alguem dissera / longe o mar / os rios / entre florestas respiravam / !sim a lingua perfura / como ferrão agudo / de escorpião / essas asas imensas / q sempre levaram longe / hoje mistrangulam / alguem sonhara / e a deriva / numa solidão total / longe dos muros da cidade / horizonte infinito / onde começa / a violencia dos deuses / não sei mais / quem sou / quem fui / quem poderei ser / alguem dissera / odor de terra torrida / resinas queimadas / numa briga de facas / amava então a vida / desesperada devoção / alguem sonhara / resta a vida / isso é sempre muito / muito pouco / pra manter longe / o segredo / do inferno / dizendo / o q tenho / contra mim / é q me deixei / ser vencido / por uma guerra inutil / por amigos peçonhentos / longe dos laços / essa grave / doçura / essa forma monstruosa / da paixão / essa ignorancia / agressiva / treva toda de musculos / virada pelo avesso / cerejas e morangos / num zumbir de vespas / a multiplicação dos pães / o grave sangue dos lagos / outro misterio / alguem dissera / torturada / a carne quase ri / pedra entre aguas / quando te deixei / naquela tarde / olhando assim / dentro da morte / outro tempo / outro desejo / tão triste fim / alguem sonhara / não é isso / q devemos oferecer / ao salobro existir / quebrado em ossos / florindo em desertos / esse infeliz / palhaço / debruçado ali / no silencio terrivel / bem perto / da loucura / alguem dissera / daquele riso / q tudo sabe / antes da morte / voce não imagina / a tristeza / a colera / o vazio / alguem sonhara / q nos derruba / e aniquila / quando encontramos / a alma assim / submersa no asco / deitada numa quina / ridicula de pedra / entre imbecis / de pesadelo / alguem dissera / coberta de lama / entre porcos / quebrada e roubada / irreconhecivel / inda rindo sempre / alguem sonhara / brinquedo grotesco / nas mãos estupidas / de si mesma / criança ridicula / ridicula / alguem dissera / sonho q sonha / sombra q se assombra / alguem sonhara / luz adentro / assim mesmo / esperara muito mais de mim / não esse animal / destroçado / rodopiando de dor / entre nadas / isso q vem / das pocilgas / da familia / esse riso gelatinoso / esse corpo mole / esse olhar frouxo / esse ritmo q nunca / se partiu / alguem dissera / entre indiferentes edificios / na fome e no horror / esse fardo / ninguem compreenderia / como nos alguem sonhara / esse horror privado / de sutilezas e sublime / essa vontade de trabalhar / de servir e gerar filhos / de rezar e aceitar / alguem dissera / amar o transitorio / sem delirio e tempestades / sem fome sem navios / navegando no sono / com sonhos pueris / sem tanta fome / sem tanta dor / sem tanta solidão / faltam crepusculos / alguem sonhara / crepusculos / faltarão sempre / tão leve tão pluma / não ouviu trovões / entre luas vermelhas / não ouviu o uivo / entre calor e chuva / não bebeu escuridão / nas ondas do rio / não tava no parto / do monstro das palavras / não tramou a jornada / entre terra e mar / pois não ha loucura / somente segundos / se comendo por dentro / triste mortalidade / as ruas as ruas as ruas / tanto sofrimento / nas unhas abertas / nos tendões partidos / nas horas em carne viva / nu ao vento / era a vida / luz da vida plena / o caos o caos o caos / a morte triunfa sempre / alguem dissera / contra ti / nas visceras escuras / esperando esperando / ao redor a pedra / tanto sofrimento / dentes podres / corpo q falha / muda o cheiro / o gosto do corpo / envelhece o corpo / o corpo / no tempo alguem sonhara / no tempo / como é infeliz / apodrecer assim / ?pra q as sombras / as cinzas nesses olhos / ja não deixam ver / o mal de viver / alguem dissera / desenhando arabescos / perversos com fuligem / humor vitreo / no centro da cidade / onde o fauno ri / gargalhando nu / entre esquilos rubros / !sim a primavera / alguem dissera – vii - !sim a guerra !sim q / é a vida começara / dissera / mas sabemos todos q / as serpentes sempre encontram / dissera / assim a carne e os ossos q / os musculos moldam espera / dissera / porq mesmo esse sonho q / marcara sua hora findara / dissera / somente uma picada q / brutal era de medo e dor / dissera / bastando isso o mal q / infiltrado apavorara a todos / dissera / pois tão negra e tão podre q / cheirava tão mal tanto / dissera / !sim ninguem chegara perto q / sentia vontade de vomitar / dissera / partiram deixando ele q / chorava dor e solidão / dissera / vira o desmedido mar q / de tão azul era de carne podre / dissera / deitado na noite sem sonhos q / queimava sempre recordou / dissera / a guerra distante a morte q / não teria entre eles / dissera / abandonado delirou navios q / voltavam somente por ele / dissera / o fim da guerra a chaga q / tudo isso era terminara / dissera / assim morreu sentindo q / voltava entre verdadeiros amigos / dissera / os morcegos e mariposas q / viviam ali partiram finalmente / dissera. Poema do escritor e professor universitário Alberto Lins Caldas.

DEVORÁVEL
O videoarte Devorável, roteiro e direção de Tchello d’Barros e interpretação de Mariana Parga, traz uma versão contemporânea da musa Clio, do mítico Parnaso, devora entre nós a P, O, E, S, I, A. E questiona: Nós somos o que comemos? “Você tem fome de quê”? O que alimenta nossa alma? Como a P, O, E, S, I, A entra em nós? Então, os conteúdos que nos alimentam nessa era de hiperinformação e endurecimento dos sentimentos, nossa “modernidade líquida”, onde “tudo que é sólido se desmancha no ar”. A produção do coletivo Praia Vermelha Filmes foi selecionada no Festival Internacional de Video Poesía UNGS II, na Argentina. Será exibido no próximo dia 16 de agosto, às 19hs, no Multiespacio Cultural Universidad Nacional General Sarmiento – UNGS Juan Maria Gutierrez 1150. Los Polvorines. Pcia de Buenos Aires – Argentina. Veja mais aqui.

Livro Partes do meu todo de Zezinha Lins & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte da pintora canadense Amanda Greavette.
&
A peça teatral O Lobisomem Zonzo aqui & aqui.

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Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo. Fone: 11 98499-2985.


segunda-feira, julho 30, 2018

RILKE, TAHAR JELLOUN, JOSEPH CORNELL, KO HUNG, NEY MATOGROSSO, JESSIER & DORO


PÉ DO PULE - Imagem: arte do artista estadunidense Joseph Cornell (1903-1972). - Doro acordou com aquela milhar na cabeça, ganhou num sonho. Pegou no bolso o calendário com a pin-up dos sonhos, conferiu o dia e o mês, é hoje, entraria na história. É hoje. Nem se lixava mais com nada, o seu pensamento predominante: é hoje. Isso para quem estava só a pelanca, couro e osso, credores tudo no pé, uma ruma de bronca pra todo lado, nunca mais. Hoje é o dia. Levantou-se, asseou-se como de costume e, apressado, botou a cara na rua. Atordoado, pra onde se virasse, os números perseguiam: a casa da frente, eita! Ao atravessar a rua, quase atropelado de tão envolvido com a sorte: a placa do carro, danou-se! Olhou o relógio, vixe! É hoje. Pegou a conta da luz, o valor. Foi ter no açougue, o peso dos miolos de boi na balança, a milhar; e como nada dava certo, essa podia dar na cabeça. É hoje. Ah, foi ter logo com o cambista. Qual o pé do pule? Era ela, a mesma do sonho, a sua perseguição. É hoje. Tascou no palpite. Pronto, resolvido, é hoje. E saiu descompromissado de tudo. Passou o dia sonhando com os olhos abertos, devaneava toda sorte de ventura. Não mais a um passo da queda, sopesava; Passou a vida a limpo: quantos desdouros, vítima dos remoques e chasqueados, ah, esquecia a tuia de coprólitos deixados nos caminhos já passados, os borborigmos que permeavam seus conflitos e males, nada, agora era outro, tudo já era, e já se via fazendeiro dono de terras, bichos e posses, viajando na maior das jornadas pelas lonjuras dos roteiros mais chamativos das bandas estrangeiras, os sete mares, os quatros cantos do mundo, florestas de não sei de onde, desertos de lá longe, palácios de reis e rainhas, enfrentando perigos em todos os tipos de aventuras contadas para deixar todos de queixo caído com as mais tenebrosas façanhas e diabólicas situações; proprietário prestigiado de um harém com as mais reboculosas, uma para cada dia do ano, e mais tantas opulentas e sedutoras serviçais para as horas vagas; mandando e cagando raio a torto e a direito; cheio das extravagâncias. Imaginava fazendo doidice só pra se mostrar excêntrico, bancando farra, cagando dinheiro, limpando o rabo com nota de cem, aprontando desordens e estripulias nas maiores arruaças, pervertendo a ordem, todo impune pela fortuna, sem remorsos pelas infâmias e torpezas, sabia não mais ter que expiar, a remissão da indigência de sempre, peito cheio, agora dava pra pensar eleito prefeito, deputado, senador e, íntimo das castas do poder, governador, presidente numa ascendente e vitoriosa carreira política, já se dava por tudo e certo. Até que o dia já fraquejando pro império da noite, o relógio marcava: faltavam vinte pras cinco, a hora do resultado estava prestes, é hoje, foi conferir: tiro e queda. Ela inteirinha, dezena, centena e milhar, na cabeça. Disse pra si: pronto, quebrei a banca. Foi lá, vasculhou os bolsos, cadê? Nada, vixe! Cadê o danado do pule. Virou-se, revirou-se, remexeu bolsos e algibeiras, onde tinha se socado o danado, apareça desgraçado. Nada. Levou tempo e nada, enfrentou de cara lisa: acertei, quero meu prêmio. Cadê o pule? Perdi, não acho. Ah, não vale. Lembrou-se: o cambista? Ninguém sabia, lugar mais limpo. Oxe, quero meu prêmio, joguei, acertei, quero o justo no contado, tintim por tintim. Você está doido, é? Traga o pule e a gente paga, na hora. Não adiantou seu arrazoado, ou prova ou nada. Fez de tudo, a sorte fugia entre os dedos. Insistiu, esperneou, chorou, nada. Não era sonho, que pena. Fui engalobado de novo. Alegria de pobre dura pouco, acabou-se o que era doce. Sou um bucho inchado arrodeado de peidos por todos os lados. E tudo voltou ao antes, mais um dia atrás do outro. Era o Doro de sempre. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, compositor, dançarino, ator e diretor Ney Matogrosso: Secos & Molhados, Batuque ao Vivo, Um Brasileiro & Canto em qualquer canto & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Os objetos começam com o mundo; são o mundo. Mas além das coisas da natureza que saem de meios invisíveis para nós, existem outras, formadas pelo homem de acordo com o modelo daquelas que foram encontradas e vistas anteriormente. [...] Deve ter sido uma experiência estranha verificar que as coisas feitas com as próprias mãos eram tão reconhecidas, tão iguais em seu direito de existência, tão reais ao lado daquilo que existia. [...] E agora ter essa experiência – ver como aquilo que se imitava com ardor e ansiosamente, que, em sua perfeição, adquiria a mesma serenidade, a mesma dignidade, se unia às coisas, assim como os mortos se unem aos bem-aventurados: para perdurar – como aquilo se tornou estranho e, não obstante, conservou uma intimidade delicada e melancólica. [...]. Trecho extraído da obra Auguste Rodin (Nova Alexandria, 2003), do poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Veja mais aqui.

A VIDA & O BEM VIVER - [...] Pegue três libras de cinábrio e uma libra de mel branco, misture-0s. Seque a mistura ao sol. Asse-a no fogo até poder formar pílulas. Tome dez pílulas do tamanho de uma semente de cânhamo a cada manhã. Dentro de um ano, os cabelos brancos voltarão a ser negros, dentes cariados voltarão a crescer, o corpo tornar-se-á liso e resplandecente. Um velho que tomar esse preparado por um logo período de tempo se tornará jovem. Aquele que o tomar constantemente desfrutará de vida eterna e não morrerá. [...] É também perigoso para as pessoas que amam a vida confiar em suas próprias especialidades. Aqueles que conhecem as técnicas do Clássico da Dama Misteriosa e o Clássico da Dama Comum dirão que apenas a “arte da alcova” conduzirá à salvação. Aqueles que entendam o método dos exercícios espirituais dirão que apenas a absorção da força vital pode prolongar a vida. Aqueles que conhecem o método do alongamento e flexões, dirão que apenas os exercícios físicos podem prevenir a velhice. E aqueles que conhecem as fórmulas das ervas, dirão que apenas a medicina poderá tornar a vida eterna. Eles fracassam, em sua busca do tao porque são muito unilaterais. Pessoas de conhecimento superficial acham que sabem o suficiente quando de fato conhecem apenas um caminho e não percebem que a verdade é daquele que busca incessantemente, mesmo depois de ter conseguido algumas fórmulas. [...]. Trecho extraído da obra Nei p’ien: Estudo da alquimia chinesa (Xangai, 1928), do escritor esotérico e alquimista taoista chinês Ko Hung (Pao-Pi U Tz’u – 283-343).

COMITÊ POVÃOTem político que é feito banana de carboreto, engana com a cor da casca. Com essa enganação torna-se imprestável feito rede de bexiguento. Nunca tarde lembrar que trajetória política é feito carreira de raposa, sinuosa e sujeita a tiro e queda. Para o bom político no entanto, é prego batido e ponta virada. O político é feito papagaio do brejo, já nasce pedindo a palavra e tem discurso cor de arara. Com seu modo simples e fala vinda do céu, sabe microfonar a palavra e provar com voz de cimento que é caboco tutanudo, amarombado, que não tem guerra na alma e nem limão no pensamento. Já o mau político é macio por fora e por dentro é uma lixa doze de pessoa. É aquele olhar xingoso, mãos de visgo de jaca e solto na buraqueira. Em matéria de trabalho só tem bambeira nas pernas. É espremedor de gente, é coice de rifle ruim, tem queda pra desmantelo e discurso cor de viúva. O mau político é feito pombo, quando sobe, borra na cabeça do povo. Mas é como diz o matuto: um dia é da caça, outro é da checa. Por isso contra o mau político, use sua melhor arma: o seu voto! Trecho extraído da obra Política de pé de muro (Bagaço, 2002), do poeta, compositor e intérprete Jessier Quirino. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PALAVRAS DE UM PERSONAGEM CEGO - As histórias que se contam são como lugares. São habitados por aqueles a quem pertenceram em tempos longínquos, não necessariamente por aquilo que alguém pode chamar de espíritos. Uma história é como uma casa, uma velha casa com diversos níveis, diversos aromas, quartos, corredores, portas e janelas, cavas e grutas. Espaços inúteis. As paredes são a memória. Raspe um pouco uma pedra, aproxima uma orelha e ouvirá coisas certamente! O tempo recolhe aquilo que o dia traz aquilo que a noite esparge. Cuida e aprisiona. O testemunho é a pedra. O estado da pedra. Como pedra é uma página, escrita, lida e cancelada. Tudo adere-se nos grãos da terra. Uma história. Uma casa. Um livro. Um deserto. [...]. Extraído do livro Criaturas de areia (L’Ermete, s/d), do escritor e dramaturgo marroquino Tahar Ben Jelloun.

A ARTE DE JOSEPH CORNELL
A arte do artista estadunidense Joseph Cornell (1903-1972).

Neuroeducação aqui & aqui muito mais na Agenda aqui.
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As trelas do Doro aqui.
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Colhendo sonhos nos galhos da vida, Voltando às raízes pra recomeçar do zero de novo, a arte de Vincent Hložník & Luciah Lopez aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
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sexta-feira, julho 27, 2018

JAMES JOYCE, PINA BAUSCH, ELIOT, BAUDRILLARD, JOAN BAEZ, CASSIRER & GENÉSIO CAVALCANTI


A SOLIDÃO DO PORTO E DAS VIDAS DE NINGUÉM – Já diz o ditado: o que é do homem, o bicho não come! Como o acaso não existe, por isso mesmo, outro: o que tiver de ser, será. E foi. Pois bem, este livro possui duas histórias! A primeira, a da feitura do próprio livro: seus escritos desceram nas águas da enchente para nunca mais, pelo menos era o que se pensava. Não fosse a presteza vigilante da guardiã-prima Fátima, às vassouradas quando as águas baixaram, ao se deparar com um calhamaço emporcalhado, tomando pra si de colocá-lo para secar ao sol, guardando-o depois como quem se esquece por dias, meses e anos. Fosse outra, restaria apenas lata de lixo, com certeza. Aí, um dia lá, de supetão, ela se lembra e recolhe o volume para entregá-lo ao autor: era o livro perdido, agora devidamente recuperado. Graças! A segunda, a comovente história de Florisberto, Domitila e seus três filhos: Rubiana, Juninho e Aninha – a Cabelo de Fogo -, moradores do Porto Solidão, suas vidas, degredo e derrocada: o retrato pungente daqueles que enfrentam a tragédia com ternura no coração, mesmo que deserdados do mundo pelo colapso da monocultura canavieira, com as transformações nefastas que arruinaram reputações e a vida brasileira: um país agrícola que só serve ao latifúndio e aos interesses escusos. Tolhidos pelo desânimo e angústia da decadência, eles viveram como quem tem onde cair morto e não podem nem isso, pois, estão insepultos, e teimam em plantar cana para vender à usina que faliu e não têm mais o que fazer: a terra, como sempre, maravilhosa e inútil; a vida, uma carestia. Valiam-se apenas dos amigos vizinhos e solidários, o Alcides e Maricota, Jamelão e Arlinda, enquanto heróis da miséria no desafio da sociedade, só a paz da alma, nenhuma razão de gente esquecida que não levam pedras às mãos e, apesar de juntos, uns aos outros, família reunida, sempre estavam todos sós, à deriva, pelo torvelinho das ilusões com revoltas por minguados resultados, por dúvidas existenciais marcantes e a austera solidão - o que se tinha em comum: a solidão apenas, nada mais. Trata-se de uma história de amor e ternura de uma família resignada na nobreza do sofrimento, das virtudes realçadas no emudecido grito de socorro desesperado diante da pungente realidade: a vida em plenitude no meio de uma dramática situação que envolveu seres perdidos em algum rincão da região canavieira. O autor com estilo simples, enxuto e despido de ornamentos, não menos expressivo, ativo e vibrante, faz uma síntese do seu tempo na argamassa ficcional, penetrando a moldura dos personagens e a complexidade social com o calor da sensibilidade, o sangue da invenção na articulação de episódios e fatos, a urdidura da história contada: a condição humana na trama da vida. Esta é uma narrativa que eu gostaria de ter escrito, confesso. O resto é o que está por vir nas páginas, saibam e verão, de antemão: uma história e tanto. E o melhor de tudo: chega dá vontade de ler e reler. Em verdade, posso asseverar categoricamente: nada melhor que lê-lo e tirem a prova dos nove. Boa viagem. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da cantora e compositora estadunidense Joan Baez: Live in New York, Live in Paris, Live Woodstock & Festival des Vieilles Charrues & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Podem desempenhar as tarefas da vida quotidiana; alguns deles até desenvolvem uma considerável habilidade em todos os testes desse tipo. Mas ficam completamente perdidos quando a solução do problema exige alguma atividade teórica ou reflexiva específica. Não são capazes de pensar em conceitos ou categorias gerais. Tendo perdido o domínio dos universais, apegam-se aos fatos imediatos, às situações concretas. Tais pacientes são capazes de desempenhar qualquer tarefa que só possa ser executada por meio de uma compreensão do abstrato. Tudo isso é altamente significativo, pois mostra a que ponto o tipo de pensamento que Herder chamou de reflexivo é dependente do pensamento simbólico. Sem o simbolismo, a vida do homem seria como a dos prisioneiros na caverna do famoso símile de Platão. A vida do homem ficaria confinada aos limites de suas necessidades biológicas e seus interesses práticos; não teria acesso ao “mundo ideal” que lhe é aberto em diferentes aspectos pela religião, pela arte, pela filosofia e pela ciência. Trecho de Das reações animais às respostas humanas, extraído da obra Ensaio sobre o homem: uma introdução a uma filosofia da cultura humana (Martins Fontes, 1994), do filósofo alemão Ernst Cassirer (1874-1945). Veja mais aqui e aqui.

SEGREDO POLÍTICO - [...] o segredo do político: esta duplicidade estrutural no funcionamento das sociedades, que é bem diferente da duplicidade, psicológica, dos homens do poder. Duplicidade que, profundamente, faz do processo social um jogo em que a sociedade em boa parte frustra sua própria socialidade, e sobrevive graças a essa flexibilidade das aparências, graças a esse desinteresse e a essa estratégia imoral (coletiva sem, dúvida alguma, mas não-visível, não-concertada, e desconcertante por si mesma) com relação a seus próprios valores. [...] O problema é então reconciliar a sociedade com seu próprio projeto e “socializar” o que só pede para sê-lo. Aniquilar toda duplicidade, toda estratégia das aparências no nível dos valores - maximalização da relação social, densidade da responsabilidade coletiva (e certamente também do controle), visibilidade das estruturas e do funcionamento, apoteose da moral pública e da cultura. [...] Porque nenhum grupo jamais funcionou assim - mas sobretudo: que grupo não sonhou com isso? Felizmente é verossímil que algum projeto social digno desse nome jamais existiu, que nenhum grupo na verdade jamais se concebeu idealmente como social, em suma, jamais houve “a sombra” (salvo nas cabeças intelectuais) nem o embrião de um sujeito coletivo com responsabilidade limitada, nem a possibilidade mesma de um objetivo dessa ordem. As sociedades que devotam suas energias para isso, que se lançam nesse sonho moral de socialização, estão perdidas de antemão. Este é o contrassenso fundamental. Felizmente elas sempre fracassarão, escaparão a si mesmas, o social não se estabelecerá. Trecho da obra À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas (Brasiliense, 1985), do sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007). Veja mais aqui.

MONÓLOGO DE MOLLY BLOOM - [...] eu adoro flor eu ia adorar entupir a casa de rosa Deus do céu não tem nada igual à natureza as montanhas virgens e aí o mar e as ondas quebrando e aí o interior lindo com os campos de aveia e de trigo e tudo quanto é coisa e aquele gado bonito tudo andando de um lado pro outro isso faz um bem pra alma ver rio lago e flor tudo quanto é tipo de forma cheiro e cor saltando até das valas prímula e violeta é a natureza e por mais que eles digam que Deus não existe eu não dou dez merréis de mel coado por toda essa sabedoria deles por que que eles não me vão lá e criam alguma coisa eu sempre perguntava pra ele os ateus ou sei lá que nome que eles se dão vão lá tirar as cracas primeiro depois saem berrando atrás do padre e eles lé morrendo e por quê ora porque eles ficam com medo do inferno por causa da má consciência deles pois sim eu conheço bem os tipos quem foi a primeira pessoa no universo antes de existir alguém que fez isso tudo que ah isso eles não sabem e nem eu está vendo é que nem eles tentarem fazer o sol não nascer amanhã o sol brilha por você ele disse no dia que a gente estava deitado no meio dos rododendros no morro Howth com o terno cinza de tuíde e o chapéu de palha no dia que eu fiz ele me pedir em casamento sim primeiro eu dei pra ele um pouquinho do pão de gergelim que estava na minha boca e era ano bissexto que nem agora dezesseis anos atrás meu Deus depois daquele beijo comprido eu quase perdi o fôlego sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim e a gente é flor mesmo nós todas o corpo de uma mulher sim taí uma verdade que ele disse na vida e o sol brilha por você hoje sim foi por isso que eu gostei dele porque eu vi que ele entendia ou sentia o que uma mulher é eu sabia que sempre ia poder passar a perna nele e eu dei todo o prazer que eu pude dando corda até ele pedir pra eu dizer sim e primeiro eu não respondia e fiquei olhando pra longe pro mar e o céu eu estava pensando em tanta coisa que ele não sabia o Mulvey e o senhor Stanhope e a Hester e o papai e o velho capitão Groves e os marinheiros brincando de lenço atrás e simão mandou e tirando água do joelho que nem eles diziam lá no píer e o sentinela na frente da casa do governador com aquele treco em volta do capacete branco pobre diabo quase torrado e as espanholas rindo com aqueles xales e os pentes altos e os leilões de manhã os gregos e os judeus e os árabes e sabe Deus mais quem de tudo quanto é canto da Europa e a rua Duke e a feira de aves tudo cacarejando na frente da Larby Sharon e os burrinhos coitados escorregando meio dormindo e aqueles vultos de capa dormindo na sombra na escada e as rodas grandes dos carros de boi e o castelo de milhares de anos sim e aqueles mouros bonitos tudo de branco e com uns turbantes que nem reis pedindo pra gente sentar na lojinha minúscula deles e Ronda com as janelas velhas das posadas uns olhos de relance uma gelosia escondida pro amante dela beijar o ferro e as lojas de vinho metade abertas de noite e as castanholas e a noite que a gente perdeu o barco em Algeciras o vigia de um lado pro outro tranquilo com o lampião e ah terrível torrente profunda ah e o mar o mar carmim às vezes que nem fogo e aqueles poentes deslumbrantes e as figueiras nos jardins de Alameda sim e aquelas ruelas esquisitinhas todas e as casas rosas e azuis e amarelas e os roseirais e os jasmins e gerânios e cactos e Gibraltar eu menina onde eu fui uma Flor da montanha sim quando eu pus a rosa no cabelo que nem as andaluzas faziam ou será que hei de usar uma vermelha sim e como ele me beijou no pé do muro mourisco e eu pensei ora tanto faz ele quanto outro e aí pedi com os olhos pra ele pedir de novo sim e aí ele me perguntou se eu sim diria sim minha flor da montanha e primeiro eu passei os braços em volta dele sim e puxei ele pra baixo pra perto de mim pra ele poder sentir os meus peitos só perfume sim e o coração dele batia que nem louco e sim eu disse sim eu quero Sim. Trecho do Monólogo de Molly Bloom, extraído da obra Ulisses (Civilização Brasileira, 1966), escritor irlandês James Joyce (1882-1941). Veja mais aqui e aqui.

RAPSÓDIA SOBRE UMA NOITE DE VENTO - Meia-noite. / Uma síntese lunar captura / Todas as fases da rua, / Sussurrantes sortilégios lunares / Dissolvem os planos da memória / E todas as suas límpidas tramas, / Divisões e precisos mecanismos. / Cada lampião que ultrapasso / Pulsa como um tambor fatídico, / E através das lacunas do escuro / A meia-noite golpeia a memória / Como um louco brande um gerânio morto. / Uma e meia, / O lampião cuspia, / O lampião resmungava, / O lampião dizia: “Olha aquela mulher / Ao teu encontro hesitante à luz da porta / Que a recorta como um riso escarninho. / Repara-lhe a barra do vestido / Rasgada e suja de areia, / E o canto de seu olho que se arqueia / Como um grampo retorcido.” / A memória expele e disseca / Um turbilhão de coisas tortas; / Um ramo tortuoso sobre a praia / Polidamente carcomido e cinzelado / Como se o mundo erguesse à superfície / O segredo de seu esqueleto, / Rígido e alvadio. / A mola espatifada no pátio de uma fábrica, / A ferrugem que se aferra à forma / Que a força deixou tensa e enrodilhada / E pronta a abocanhar com uma dentada. / Duas e meia, / O lampião dizia: / “Observa o gato que na calha se adelgaça, / Espicha a sua língua e saboreia / Um naco rançoso de manteiga.” / Tal a mão do menino, automática, / Surripiou e embolsou um brinquedo / Que ao longo do cais deslizava. / Eu nada podia ver atrás dos olhos do menino. / Tenho visto pela rua olhos que tentam / Emergir por entre iluminadas persianas, / E certa tarde um caranguejo vi na lama, / Um velho caranguejo em sua carcaça calcária / A agarrar-se à ponta do graveto que eu sustinha. / Três e meia, / O lampião cuspia, / O lampião no escuro resmungava, / O lampião zumbia: / “Olha a lua, / La lune ne garde aucune rancune. / Pisca um olho tímido, / Sorri pelas esquinas. / Alisa os cabelos de gramínea. / A lua perdeu a memória. / Bexigas descoradas ulceram-lhe a face. / Suas mãos retorcem uma rosa de papel / Que recende a pó e água-de-colônia. / Ela está só, em companhia / De todos os antigos eflúvios noturnos / Que lhe cruzam e entrecruzam o cérebro.” / Aflora a reminiscência / De secos gerânios pálidos / E de poeira nas frinchas, / Aroma de castanhas pela rua, / E odor de fêmea nas alcovas clandestinas, / E de cigarros pelos corredores / E de coquetéis nos bares. / O lampião disse: / “Quatro horas, / Eis o número sobre a porta. / Memória! / Tens a chave, / A luminária alastra um círculo na escada. / Sobe. / A cama é franca; a escova de dentes na parede pende, / Põe teus sapatos junto à porta, dorme, para a vida te talha. / O último talho da navalha. Poema extraído da obra Poesia (Nova Fronteira, 1981), do poeta, dramaturgo, crítico literário inglês e Prêmio Nobel de 1948, Thomas Stearns Eliot (1888-1965). Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE PINA BAUSCH
A arte da memorável coreografa, dançarina, pedagoga e diretora de balé alemã Pina Bausch (1940-2009). Veja mais aqui.

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quinta-feira, julho 26, 2018

JUNG, HUXLEY, ANTONIO MACHADO, SHAW, LAURINDO ALMEIDA, GIBRAN & CARMEN TYRREL


A VOLTA DE ZÉ PEIÚDO – Imagem: a arte da artista plástica britânica Carmen Tyrrel. - Quase vinte anos depois, Zé Peiúdo botava os pés de volta nas terras de Alagoinhanduba. Ninguém o reconheceu a pisada, era quase outro, irreconhecível, embecado de gola e colarinho, uma garrafa metálica num bolso e O catecismo de Mister T – aquele da temperança do Big Shit Bôbras, no outro. A primeira providência: ter com o Zé-Corninho, a sua maior vítima. Ao encontrá-lo, travou conversa amistosa. Lá pras tantas: Sabe com quem tá falando, Zé? Desculpa, mas nunca vi mais gordo. Eu lhe conheço, cabra, sou Zé Peiúdo. Oxe, Corninho deu um salto solto e caiu em pé, as munhecas em riste, arregaçando a manga da camisa, pronto pra briga. Calma, meu amigo, não sou mais aquele, agora sou um Pastor de Jesus e vou provar. E deitou a maior lábia, tomou um gole da garrafa e Corninho só com o pé atrás. Daí a pouco o forasteiro deu um espirro e o milagre aconteceu: a casa do desconfiado era de taipa e tornou-se uma chique de alvenaria, a mais luxuosa do arruado. Vixe! Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! Corninho com os olhos esbugalhados não acreditava no que via. Foi até a porta e ficou maravilhado: tudo novo e do melhor. Voltou-se e ficou agarrado ao agora benfeitor na maior das gratidões. Foi abraçado de quase não largar. Peiúdo depois de muxoxos e risadinhas, às despedidas, acenou, pois, tinha que continuar a sua missão. Ao arrodear a cidade, deu com um cidadão quebrando cabeça para mudar o pneu furado do carro. Permita. Enquanto o impaciente dificultoso atendia ao telefone aos esturros, ele ingeriu o líquido da garrafa e, num piscar de olhos, tudo resolvido. Ao desligar o aparelho, espantou-se com a providência: Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! O satisfeito abraçou o estranho dizendo: Sabe com quem você está falando? Peiúdo disse apenas ser Servo de Jesus, enquanto o agraciado colocava um cartão no seu bolso, sob a recomendação de só vê-lo quando saísse. Assim fez. Já distante do local, pegou no bolso e viu: Juiz de Direito. 2x0. Mantendo sua caminhada a esmo, soube que a moenda da usina dera bronca. Foi lá, pediu que todos se afastassem e secretamente resolveu o impasse: Pronto, está tudo funcionando. O dono apareceu: Como fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! O usineiro arrogante perguntou quanto custava o seu serviço, negando cobrar qualquer quantia. Logo fez amizade com o ricaço. 3x0. Aí ouviu de um passante que o teto da igreja desmoronava. Foi lá, começou a remexer nas coisas e, num instante, tudo em perfeita ordem. O padre Quiba ao presenciar aquilo, saiu gritando: Milagre! Milagre! O pároco virou-se para ele: Como fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! 4x0. Dali viu uma correria do povo, acompanhou o pandemônio e era a ponte que ameaçava cair. Foi pra baixo dela, escondeu-se e, num instante, estava em perfeitas condições. O povo aplaudiu sua façanha. Como você fez isso? Não fiz nada, é obra do senhor! E foi obrando milagres e caridades que ele ganhou a amizade do prefeito, do delegado, do juiz, do padre, do catimbozeiro, do espírita, dos clubes de serviço e de toda população. Era o roliúde. Quem é ele? Indagavam para lá e para cá, aos elogios. Só pode ser um enviado! É um santo vestido de gente! Um anjo que caiu do céu. Ao cabo de dias, o mistério se revelava: Ah, é o Zé Peiúdo! Não pode, aquele salafrário? Não, agora é pastor duma igreja aí. Vixe! O homem agora é de vera. E passou de primavera a verão, de outono a inverno, botada e pejada na usina canavieira, e ao se aproximarem as eleições, seu nome foi cogitado, definindo-se como o favorito naquele pleito. Não tinha pra mais ninguém. Então, diante dos festejos com a sua candidatura, falou para todos que tinha uma conta para ajustar. Num comício ruidoso e discurso inflamado, lançou a candidatura de Zé-Corninho a prefeito do lugar. De novo? É reprise? E que ele, no máximo, poderia aceitar a ser vice. Ah, tá. Oxe, foi barbada, mais tivesse! Só teve um voto nulo: o do próprio Corninho que não acertou votar nele mesmo, de novo! Virou festa. Seis meses depois de assumir a prefeitura, a Câmara de Vereadores cassava espetacularmente Corninho num processo que ninguém nunca viu tramitar, para entregar o cargo ao Peiúdo, logo entronizado como Imperador, a mandar e desmandar, acoloiado com seus aliados. Pintou e bordou por três anos e meio, podre de rico, bufando e peidando. Como nem tudo dura pela vida toda, a garrafa metálica trincou e pegou fogo no bolso, queimando o catecismo, as calças e quase os seus guardados. Foi um alvoroço. Não demorou muito, ao anúncio das novas eleições, ele reeleito certo, a sorte dava uma virada e ele sabia ter chegado a hora. Sumiu de ninguém ver-lhe o rastro, assim sem mais nem menos, e da prefeitura só se ouvia sobre os salários atrasados, endividamento, afanação de saldos públicos e todo tipo de roubalheira, a ponto de instaurar uma intervenção barulhenta de findar todo mundo suspeito e envolvido na patifaria. Como é? Maior pega-pra-capar! E agora, gente? Golpe desse, ah, todo mundo paga o pato. Alagoinhanduba nunca mais foi a mesma. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

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Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e compositor Laurindo Almeida (1916-1995): Music of Brazilian Master, Master Jazz, Classical Current & Leverkusener Jazztage & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Sem uma compreensão do desejo profundo que têm os seres humanos de se autotranscenderem, da relutância natural que experimentam em tomar o caminho duro e difícil da ascensão espiritual, e da consequente procura doe uma falsa libertação, ou em torno de um aspecto de sua personalidade, não poderemos entender a época em que vivemos ou mesmo a História em geral, a vida como foi vivida no passado e como o é em nossos dias. Por esta razão, proponho discutirmos alguns dos mais comuns sucedâneos da Graça, nos quais e através dos quais homens e mulheres têm tentado escapar da torturante consciência de serem apenas eles mesmos. [...]. Trecho de Transcendência Descendente (1952), extraído da obra Moksha (Globo, 1993), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963), título este que que em sânscrito significa “liberação”, reunindo uma coletânea de ensaios sobre experiências visionárias e com etheogenos como uma ferramenta de exploração mental e espiritual e meios de expandir os níveis de consciência. Veja mais aqui.

CONSCIÊNCIA & INCONSCIENTE – [...] O homem utiliza a palavra escrita ou falada para expressar o que deseja transmitir. Sua linguagem é cheia de símbolos, mas ele também, muitas vezes, faz uso de sinais ou imagens não estritamente descritivos. [...] O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. Ele pode ver, ouvir, tocar e provar. [...] O homem desenvolveu vagarosa e laboriosamente a sua consciência, num processo que levou um tempo infindável, até alcançar o estado civilizado (arbitrariamente datado de quando se inventou a escrita, mais ou menos no ano 4000 A.C.). E esta evolução está longe da conclusão, pois grandes áreas da mente humana ainda estão mergulhadas em trevas. O que chamamos psique não pode, de modo algum, ser identificado com a nossa consciência e o seu conteúdo. [...] A consciência resiste, natural mente, a tudo que é inconsciente e desconhecido. [...] Ante acontecimentos desagradáveis, os primitivos têm as mesmas reações do animal selvagem. Mas o homem "civilizado" reage a idéias novas da mesma maneira, erguendo barreiras psicológicas que o protegem do choque trazido pela inovação. [...]. Trechos de Chegando ao inconsciente, extraído da obra O Homem e seus símbolos (Nova Fronteira, 2008), do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Veja mais aqui.

A VIOLETA AMBICIOSA – [...] A violeta abriu os lábios azuis e disse: “Como eu sou infeliz em meio a estas flores e como é humilde a posição que ocupo diante delas! Fez-me a natureza para ser curta e pobre... Eu vivo muito próxima da terra e não posso erguer minha cabeça até o céu azul ou voltar minha face ao sol como as rosas fazem!”... E a rosa ouviu as palavras de sua vizinha; ela riu e comentou: “Como é estranha a tua fala! Tu és feliz, embora não possa compreender tua fortuna. A natureza doutou-te de fragrância e beleza, o que não fez com nenhuma outra flor... Aparta de ti estes pensamentos, sô contente e lembra-te de que aquele que se humilha será exaltado e aquele que se exalta será esmagado”. [...] À tarde, o sol tornou-se espesso de nuvens negras; os elementos raivosos perturbaram o silêncio da existência com raios, e começaram a atacar o jardim, enviando à terra enorme chuva com fortes ventos. A tempestade lacerou os ramos e desenraizou as árvores e quebrou as hastes das flores altas, poupando apenas as pequeninas que cresciam bem junto ao coração da terra. [...]. Trecho do conto A violeta ambiciosa (Cultrix, 1967), do poeta, filósofo e pintor libanês Gibran Khalil Gibran (1883-1931).

RETRATOMinha infância: memórias de um pátio de Sevilha, / e de um horto claro onde madura o limoeiro; / juventude, vinte anos em terras de Castilha; / a minha história quero esquecer por inteiro. / Mañara, nem Bradomín hei sido / — já conheceis meu torpe alinho indumentário — / mas recebi a flecha que me apontou Cupido, / e amei quanto elas possam ter de hospitalário. / Tenho nas veias gotas de estirpe jacobina, / mas o meu verso brota de manancial sereno; / e, mais que o homem usual que sabe sua doutrina, / eu sou um homem bom, um homem sem veneno. / Adoro a formosura, e na moderna estética / cortei as velhas rosas do jardim de Ronsard; / mas não amo os enfeites da moderna cosmética, / nem sou uma ave dessas do novo gay-trinar. / Eu desdenho as romanças desses tenores pecos / e dos grilos o coro a cantar ao luar. / Procuro distinguir entre as vozes e os ecos, / e entre as vozes só escuto a que prefiro amar. / Sou clássico ou romântico? Não sei. Deixar quisera / meu verso como deixa o capitão sua espada; / famosa pela mão viril que ao alto a erguera, / não pelo douto ofício do forjador prezada. / Dialogo com o homem que sempre vai comigo / — quem fala a sós, espera falar a Deus um dia —/ meu solilóquio é prática com este bom amigo / que ensinou-me o segredo de sua filantropia. / Enfim, nada vos devo; deveis-me o que hei escrito. / A meu trabalho acudo, com meu dinheiro pago / a roupa que me cobre e a mansão que habito, / o pão que me alimenta e o leito onde me apago. / E quando chegue o dia da última viagem, / e esteja de partida a nau sem retornar, / me encontrareis a bordo ligeiro de equipagem, / quase desnudo, nu como os filhos do mar. Poema do poeta e dramaturgo espanhol Antonio Machado (1875-1939). Veja mais aqui.

PIGMALIÃO DE SHAW
[...] Liza: (Chorando.) Eu num quero. Num posso. Num é da natureza; vai mi mata. Num tumei um banho in toda minha vida; issu é, nunca tumei um banhu, di corpo intero. [...] Sra. Pearce: Bom, agora chega de chorar, vai pro teu quarto e tira a roupa. Toda! Embrulhe-se nisto (pega uma camisola de um cabide e dá a ela) e volte aqui. Vou aprontar o banho. [...] Liza: (Espantada.) Nãão! Pruquê ia tira? Pra pega tísica? A saia sim, tá bom, a saia eu tiro. Sra. Pearce: Quer dizer que você dorme com a mesma roupa suja com que anda na rua o dia inteiro? [...] Liza: Mas a sinhora nim sabi o friu qüi eu sinto – tenho hourror du friu. Já vi muita genti mourrê di friu. Sra. Pearce: A sua cama aqui vai estar bem quentinha – vou pôr um bom saco de água quente nas cobertas. [...] Liza: (Zangada) Você vai se prender, se amarrar dessa maneira com uma mulher baixa e vulgar? Pickering: (Calmo) Ele é obrigado, Eliza. (Pra Doolittle) Mas não era ela que não queria? Mudou de idéia? Doolittle: (Triste) Invergronhada, partrão. Invergronhada. A moural da crasse mérdia percisa di vítimas. Não quéu chapéu e vi ansisti meu sarcrifício, Liza? [...].
Trechos da peça teatral Pigmaleão (L&PM, 2005), do dramaturgo, escritor e jornalista irlandês Bernard Shaw (1856-1950). Veja mais aqui.

Hermilo em Palmares e Arquivo Público & muito mais na Agenda aqui.
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A arte da artista plástica britânica Carmen Tyrrel aqui e aqui
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As sacanagens de Zé Peiúdo aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
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Os avós só botam a perder, Os arquétipos & o inconsciente de Carl Gustav Jung, Contraponto de Aldous Huxley, A arte de Jenny Saville & Marie Johnson Harrison, a música de Moacir Santos, Érica Garcia, Jacob de Haan & Mawaca aqui.

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